Publicado em
20/06/2024
Esse é o grande mistério das cidades: elas crescem e se modificam, guardando porém sua alma profunda apesar das transformações do seu conteúdo demográfico, econômico e da diversificação de suas pedras.
Por: Milton Santos – geógrafo e educador
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Esse é o grande mistério das cidades:
elas crescem e se modificam, guardando
porém sua alma profunda apesar das
transformações do seu conteúdo
demográfico, econômico e da diversificação
de suas pedras.
Milton Santos – geógrafo e educador
As cidades, ao longo da história da humanidade, foram se constituindo como polos de concentração de residências, comércios e de diversas produções culturais e econômicas. Isso revela um circuito de relações que são baseadas em interesses que acentuam de forma contraditória e abismal a relação entre opressor e oprimido, entre o lucro e a miséria, entre o belo e o feio, entre a dignidade e a vulnerabilidade, entre o acúmulo e o desperdício, entre o direito e a exclusão.
Assim, no contexto contemporâneo, as cidades são espaços de interesses e disputas, nos quais tem prevalecido a exclusão como projeto político. A falta de uma gestão, sem planejamento urbanístico e orçamentário, por exemplo, é o indicativo de que há um projeto em curso no qual o contexto urbano deflagra um modelo de organização da vida que adoece.
Alguns analistas apontam, inclusive, que cidades como São Paulo e outras de grandes proporções devem ser as- sumidas como uma estrutura doentia, pois não propiciam a qualidade de vida para as pessoas e nem para a nature- za – o concreto e a poluição vencem o fluxo da biodiver- sidade de rios, córregos e matas. Rios são transformados em valas de esgoto, áreas verdes em concreto, a terra não respira e nem produz, apenas é assentamento da rotina frenética e exploratória do ser humano; a anulação do natural, cria a superficialidade do utilitarismo.
Por isso, entender e analisar o contexto histórico de construção das cidades é um elemento necessário, em especial de forma massiva e popular, porque também traz questões que vão além de um espaço para morar e trabalhar. Os interesses econômicos são muito mais agressivos num território chamado cidade, no qual as pessoas são violentadas por falta de acesso às políticas básicas como transporte coletivo, moradia, saúde, educação e lazer.
Como falar do direito à cidade quando uma população demora mais de três horas para se deslocar de sua moradia até o local de trabalho, em condições desumanas em ônibus, metrô e trem? Quando pais, mães e cuidadores de crianças não têm acesso a uma educação integral para deixar seus filhos? Quando se vive um calor de mais de 38 graus, em comunidades que não contam com espaços verdes e recreativos? Quando não se tem garantido a todos e todas o acesso à água potável, ao saneamento básico e à moradia digna?
Nesse contexto de urgência climática e desigualdade social gritante, planejar o acesso e o direito à cidade é organizar concretamente o Bem Viver no ambiente urbano. É fundamental estabelecer estratégias de governança para responder a esse contexto desafiador, que exige propostas programáticas no compromisso de vislumbrar o acesso ao cuidado à vida em todas as suas formas e existências.
Para dar passos mais resolutivos e impactantes a favor do direito à cidade para todas as pessoas, é preciso partir do princípio do direito da criança, do idoso, da pessoa com deficiência, de famílias mais empobrecidas. Afinal, uma cidade que não responde aos interesses de uma criança, é uma cidade que não responde ao direito humano e da própria natureza.
Pensar a cidade exige a coragem de assumir a complexidade de grandes decisões que estão para além de um plano momentâneo de governo, mas sim um Plano de Cidade, em que se supera qualquer tipo de omissão ou respostas inadequadas de governantes. Pensar a cidade é um projeto de pacto societário, comunitário e que deve ser pavimentado pela diversidade e pelo apoio permanente de todos os setores e segmentos, a partir da tática de um Plano e Orçamento Participativo.
Diante dessa reflexão, fica a pergunta geradora: como superar a mera mecanicidade das relações e interesses que engendram a lógica de poder das cidades, para a promoção efetiva de uma fraternidade universal e do Bem Viver? Pistas e dicas são narradas nas próximas páginas.
Fica aqui também o convite para nos mobilizarmos para a construção de espaços e ferramentas que sejam efetivamente participativas e permanentes e que respondam aos desejos e interesses da maioria de cidadãos e cidadãs sem direitos.
Boa leitura e mobilização!
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