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Publicado em

13/05/2022

População de rua e em busca por moradia cresce com a pandemia

Por Elvis Marques

São Paulo – Pessoas em situação de rua na Praça da Sé, região central. (Rovena Rosa/Agência Brasil)

Em São Paulo, segundo dados recentes da Prefeitura, nos dois últimos anos, cresceu em 31% a população em situação de rua. Atualmente há 31.884 pessoas sem teto na cidade; em 2019, eram 24.344 pessoas. Esse aumento de 7.540 equivale a toda a população sem uma casa no Rio de Janeiro em 2020.

De acordo com o último levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), no início da pandemia, no país, o número total de pessoas em situação de rua era de aproximadamente 221.869. Cerca de 30% dessas pessoas não estavam incluídas no CadÚnico, ferramenta do governo federal que reúne informações sobre a população em situação de vulnerabilidade. 

Guilherme Brasil, coordenador estadual do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) de São Paulo, observou muita gente chegar ao movimento nesse período de pandemia de Covid-19. As justificativas eram, no geral, a perda do emprego, valor do aluguel, violência doméstica e a própria convivência familiar. “As mulheres que antes, pelo fato de trabalharem, não ficavam muito em casa, com a pandemia, precisavam ficar mais em suas residências, viram os casos de violência aumentarem.

A percepção de Guilherme pode ser traduzida nos recentes dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, na véspera do Dia Internacional da Mulher. Apenas entre março de 2020, mês que marca o início da pandemia no país, e dezembro de 2021, último mês com dados disponíveis, foram registrados 2.451 casos de feminicídio e 100.398 de estupro.

Ocupações e despejos

Segundo dados da Campanha Despejo Zero – em defesa da vida no campo e na cidade, mais de 123 mil famílias estão ameaçadas de despejo no Brasil. As informações foram sistematizadas entre março de 2020 e outubro de 2021. O estado com o maior número de possibilidades de remoções é São Paulo, com 36.883 casos, seguido pelo Amazonas, com 19.173, e, em terceiro, Pernambuco, 9.299.

Os aumentos dos alugueis geraram muitos despejos, que, por sua vez, refletiram em ocupações espontâneas ou organizadas por movimentos populares. Só o nosso movimento, durante a pandemia, realizou 18 ocupações, sendo cinco em São Paulo”, analisa Guilherme.

Durante o período pandêmico foi aprovado o Projeto de Lei (PL) n° 14.216/2021, conhecido como PL dos Despejos (n° 827/2020), promulgado em outubro de 2021 após a derrubada, pelo Congresso Federal, do veto integral do presidente Bolsonaro ao texto da lei. Defensora da lei, a Campanha entende que a garantia da moradia é essencial para minimizar os impactos mais duros das crises social e sanitária, que atingem com mais força a população de baixa renda.

O coordenador do MLB considera ainda uma mudança de perfil das pessoas que vivem nas ruas e que buscam apoio dos movimentos populares. Segundo ele, antes se via mais homens solteiros nessa situação. “Hoje a gente tem visto famílias inteiras na rua. Crianças, mulheres, homens sem acesso à moradia. Inclusive, um dos principais exemplos é a Praça da Sé [em SP], onde sempre houve muitas pessoas em situação de rua por ser um lugar central, e que de alguma forma elas têm acesso a doações de quem se solidariza com o problema, agora triplicou o número de pessoas nesse lugar.”

Desigualdade no acesso a um lar

Em Goiânia, que já figurou algumas vezes entre as cidades mais desiguais da América Latina, conforme o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), Rogério Cunha, membro do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), atua há 13 anos na luta por moradia em Goiás. A sua primeira ocupação foi em uma maternidade abandonada em Aparecida de Goiânia, na região metropolitana da capital. 

Um lugar onde havia sido gasto mais de seis milhões de reais, e o movimento fez ocupação desse lugar para reivindicar que aquela estrutura pudesse ser transformada em moradia popular. Ou que a obra fosse retomada e destinada para a área da saúde. E ali nós tivemos uma grande conquista, o espaço se tornou o Centro de Especialidades de Aparecida, uma conquista do MTST e do povo que lutou”, relembra.

A vitória mencionada por Rogério contrasta com as violações de direitos numa região marcada pelo conflito com quem quer uma casa. Em 2022, completam-se 17 anos desde a operação policial de desocupação do Parque Oeste Industrial, em Goiânia. E há pouco mais de um ano, 464 famílias que viviam na localidade receberam escrituras das casas conquistadas no Residencial Real Conquista, na região Sudoeste da capital.

Desigualdades sociais no Brasil

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81,5% da população em situação de rua está em municípios com mais de 100 mil habitantes, principalmente nas regiões Sudeste (56,2%), Nordeste (17,2%) e Sul (15,1%).

Fonte: CadÚnico

O número de pessoas em situação de rua no Brasil cresceu 140% entre 2012 e março de 2020.

Fonte: Ipea

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Para que conseguissem o sonho da casa própria, a Operação Inquietação, responsável pelo despejo das famílias, resultou em 2 pessoas mortas, 16 feridas por arma de fogo, 1 paraplégica e 800 detidas. “A luta por moradia aqui é muito desigual, além de lidar com essas turbulências policiais, como no caso do Parque Oeste Industrial, tem a forte especulação imobiliária. Os donos de imobiliárias financiam campanhas de vereadores e de prefeitos para que de fato possam chegar ao poder e não dar moradia para o povo mais pobre”, avalia Rogério.

Trabalho de base

Para esse ano, Rogério aposta na intensificação do trabalho de base junto à população goiana, com o objetivo de agregar mais pessoas à luta por moradia digna, já que, segundo ele, é grande o número de pessoas sem moradia em Goiás. “Precisamos nos organizar melhor e cobrar do Estado e dos governantes mais políticas públicas habitacionais, principalmente voltadas à habitação popular. E quando se fala em habitação popular, envolve saúde, educação, cultura e lazer.” 

Em um ano de eleição, a perspectiva para os próximos meses, segundo Guilherme, é construir mais lutas do que no ano passado. “Isso porque, no nosso entendimento, mesmo que exista um movimento grande dos parlamentares e do Executivo nessa área. Neste ano eleitoral, para o movimento de moradia, a gente quase não tem nenhuma garantia de conquista, além da luta em si, das ocupações de terrenos, prédios e imóveis que não cumprem função social.

Guilherme propõe projetos para fortalecer a pauta da casa própria, como a taxação das grandes fortunas e a destinação para a área social, como a moradia. Além disso, ele aponta retrocessos em programas habitacionais. “Você tem diversos programas que foram sucateados, e há um nível muito baixo de verba para que os estados e municípios possam investir na área. Não há outra saída para qualquer movimento de moradia que não seja a luta, ocupações e o debate com a sociedade.” 

Para além de tentar pôr na ordem do dia o debate, o MLB destaca a importância da população e das organizações da sociedade civil no processo político. O movimento, por exemplo, fundou, em 2019, o partido chamado Unidade Popular. “O objetivo é falar o que o povo acredita e qualquer saída para livrar o povo dessa situação atual que a gente vive é importante”, explica o coordenador.

Em consonância com Guilherme, o líder do MTST acredita que para avançar nas pautas sociais é preciso a união da sociedade. “Enquanto tiver uma pessoa sem moradia, eu estarei fazendo luta junto.” 

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