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Publicado em

26/05/2023

Educomunicação e antirracismo como ferramentas estratégicas para educadores

Uma aula de Ensino Religioso e uma prática educomunicativa para inspirar educadores a pautarem sua prática para uma educação antirracista na educação básica.

Por Adriana Carrer

Adriana Carrer em sala de aula no bairro Anjo da Guarda, São Luís (MA). Foto: Camila Lustosa

Ao longo de todas as edições da Revista, a educação e a comunicação se apresentam como áreas estratégicas para a defesa e a promoção dos direitos humanos e socioambientais. Em celebração ao Dia do(a) Educador(a), comemorado em 28 de maio, damos luz à experiência de quem já esteve no “chão da escola”, relatada em primeira pessoa, para que possamos aprofundar as reflexões sobre a importância do ensinar (seja formal ou informalmente) em um país tão desigual como Brasil. 

Quando falamos das desigualdades do nosso país, fica impossível não refletirmos sobre o racismo e os impactos dele nas nossas escolas. 

É assumindo essa responsabilidade, enquanto mulher, branca e educomunicadora, que compartilho uma experiência pessoal educomunicativa vivida na realização de um podcast com alunos da periferia de São Luís, no Maranhão.

Contexto

Atuei como professora do Ensino Fundamental dos anos finais por dois anos, em São Luís, no Maranhão, ministrando aulas de História e Ensino Religioso para 950 alunos. A escola fica localizada no bairro do Anjo da Guarda, maior complexo periférico da cidade, e carrega na sua história a resistência de movimentos sociais e luta por moradia.

Foi quando me deparei com dúvidas em relação ao meu próprio imaginário sobre a educação: ela é mesmo libertadora? Libertadora para quem? Os dados de alunos de 14 a 19 anos que deixaram de estudar e não completaram a educação básica apontam que mais de 70% são pretos e pardos (PNAD Educação 2019). A escola, sistematicamente, expulsou e expulsa a população negra da escola. É preciso olhar com responsabilidade para os processos educacionais e entender que a função de professores, gestores, diretores deve ser pautada, fundamentalmente, em uma educação antirracista, na promoção de uma educação emancipadora. 

Vale lembrar que o estado do Maranhão já foi, por décadas, composto por mais da metade da população de negras e negros escravizados e a capital, São Luís, chegou a ter a 62% de sua população escravizada. 

A experiência do podcast 

Na disciplina de Ensino Religioso, ministrada para cinco turmas de nono ano, pautamos as quatro matrizes que compõem majoritariamente os grupos religiosos no país: ocidental, oriental, africana e indígena. A ideia dessa disciplina, segundo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é:

  1. Proporcionar a aprendizagem dos conhecimentos religiosos, culturais e estéticos, a partir das manifestações religiosas percebidas na realidade dos educandos;
  2. Propiciar conhecimentos sobre o direito à liberdade de consciência e de crença;
  3. Exercitar o respeito à liberdade de concepções e o pluralismo de ideias;
  4. Contribuir para que os educandos construam seus sentidos pessoais, a partir de valores, princípios éticos e da cidadania.

Com isso em mente, no começo do ano letivo, pactuei com as cinco turmas da disciplina quais seriam nossos métodos de avaliação ao longo do ano: prova, autoavaliação e avaliação da disciplina, podcast e projeto de intervenção. 

Quando chegamos ao terceiro período, as aulas de agosto a outubro foram dedicadas para a produção do podcast, em uma construção educomunicativa. O tema, seguindo a BNCC, era valorização e desvalorização da vida.

Dividimos as aulas em dois momentos: na primeira metade discutíamos questões técnicas como produção de roteiro, gravação, edição e, na segunda, líamos conteúdos disparadores do tema: saúde mental na internet, racismo, discurso de ódio e cyberbullying nas redes sociais.

Entrega do podcast e repercussão

No começo de outubro os grupos entregaram suas produções. Fiquei imensamente feliz com o resultado e com os assuntos escolhidos pelos alunos para pautar suas produções. O racismo foi pauta de alguns episódios: no futebol, na escola, na sociedade e na internet, principalmente associado ao discurso de ódio. Porém, dois grupos em específico se destacaram: escolheram falar sobre racismo na escola e entrevistaram as duas diretoras.

A partir dessa proposta de produção prática, os alunos perceberam um espaço para se colocarem e refletir sobre suas vivências, até então não verbalizadas no espaço educacional e não consideradas por esse sistema. 

O primeiro grupo entrevistou a diretora geral da escola e pautou o que é racismo, casos vividos pelos alunos e por ela própria, como o preconceito surge, as consequências na vida dos estudantes, o abandono da família com os alunos, importância da educação na luta antirracista e o que a escola tem feito para combater esse crime.

A conversa, em um primeiro momento informal, conseguiu pautar uma análise estrutural do racismo no país feita por estudantes do nono ano, a partir das suas vivências cotidianas. 

A segunda conversa, me chamou a atenção por um relato da gestora-adjunta: “na escola não temos casos de racismo nem de violência”. 

Essa conduta ajuda a materializar que ainda temos muito caminho a percorrer quando falamos de educação antirracista e um ambiente verdadeiramente acolhedor e inclusivo dentro da escola. Muito já se fez para promoção de práticas democráticas e de equidade racial no ambiente escolar, mas ainda há muita luta e trabalho pela frente.

Devolutiva dos alunos e alunas

Ao final de três meses de trabalho, fizemos uma roda de conversa para avaliarmos o processo formativo. A primeira pergunta era: “O que você aprendeu nessa experiência?” e algumas das respostas foram: ouvir e ser ouvido, empatia, responsabilidade, organização, trabalhar em grupo, as pessoas têm diferentes pontos de vista, compreender opiniões diferentes, conhecer mais os colegas, conversar e dialogar. Destaco aqui duas respostas que traduzem muito dos aprendizados dos alunos nessa experiência: “É interessante conversar e ouvir o que alguém tem a lhe ensinar” e “Emocionante ver algo que você trabalhou dar certo”.

Já na pergunta “Você desenvolveu alguma habilidade? Qual?”, três respostas me chamaram atenção: falar, se expressar e entender o outro. Com esse posicionamento, é possível perceber a importância da escola e educadores ofertarem um espaço em que os estudantes possam ser eles mesmos, atingirem sua potência e encontrarem sua própria voz e sua identidade.

Trecho da avaliação de um dos alunos que participaram do processo educomunicativo do podcast.

Educomunicação foi ferramenta estratégica

A educomunicação desempenha um papel fundamental para educadores(as) populares, pois é uma abordagem que une a educação e a comunicação como perspectivas de transformação social. Ela busca promover a participação ativa das pessoas na construção e disseminação do conhecimento, fortalecendo a capacidade crítica e a autonomia dos educandos.

Na experiência aqui relatada, foi uma estratégia poderosa que permitiu engajar e mobilizar a turma por meio de processos educativos que levam em consideração seus interesses, necessidades, saberes e contextos culturais. Fizemos o uso de diversas linguagens e recursos midiáticos para promover a participação ativa no debate antirracista, o que contribuiu para romper com a ideia tradicional de “educação bancária”, em que o conhecimento é transmitido de forma vertical, e estimula a participação, a expressão e a reflexão dos educandos.

Fica o convite pra vocês! 

Esse relato é um convite para que todas as pessoas que atuam com processos formativos adotem a educomunicação para potencializar suas práticas pedagógicas na formação de cidadãos críticos, participativos e conscientes.

Mas também é um chamado, especialmente a educadores e educadoras brancas, para que nos questionemos: de que maneira eu não alimento esse sistema racista? De que maneira posso construir espaços em que diferentes saberes, epistemologias e culturas possam ser valorizadas? 

É papel de nós, educadores, gestores, funcionários da limpeza, merendeiras, porteiros, toda a comunidade escolar, ajudarmos a construir escolas que estimulem os alunos a manifestarem sua consciência negra e a valorizem seus diferentes saberes dentro desse espaço. Afinal, é somente com todos os alunos na escola que podemos assegurar de fato a garantia do direito à educação de nossos estudantes. 

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