Publicado em
14/06/2024
A expectativa de vida e a taxa da população acima de 60 anos crescem no Brasil, mas contrastam com as múltiplas violências sofridas. 15 de junho é o Dia Mundial de Conscientização sobre a Violência contra a Pessoa Idosa. Confira algumas iniciativas.
Por Elvis Marques
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Chamada popularmente de “melhor idade”, o grupo de pessoas com 60 anos ou mais, no Brasil, cresceu 56% em relação ao ano de 2010: são cerca de 32 milhões de pessoas nessa faixa etária. Isso representa 15,6% do total dos indivíduos que residem no país, segundo o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Outro dado que chama a atenção é que, ao mesmo tempo em que a “terceira idade” aumentou, houve uma redução da parcela da população de até 14 anos no mesmo período, que passou de 24,1% para 19,8%, o que mostra o envelhecimento do povo brasileiro.
Izabel Marri, gerente de Estudos e Análises da Dinâmica Demográfica do IBGE, explicou, em entrevista à Agência de Notícias do órgão, que, ao longo do tempo, a base da pirâmide etária foi se estreitando devido à redução da fecundidade e dos nascimentos no Brasil.
“Essa mudança no formato da pirâmide etária passa a ser visível a partir dos anos 1990 e a pirâmide etária do Brasil perde, claramente, seu formato piramidal a partir de 2000. O que se observa ao longo dos anos é a redução da população jovem, com aumento da população em idade adulta e também do topo da pirâmide até 2022”, analisou a gerente em nota divulgada pelo órgão.
Outro dado importante presente no levantamento do IBGE é o aumento da expectativa de vida, que subiu para 75,5 anos, uma adição de pouco mais de dois anos na comparação com a última pesquisa.
Ao passo em que os idosos passaram a viver mais – o que representa também uma maior porcentagem correspondente da população nacional -, é possível observar, a partir de várias fontes de informação, estudos e pesquisas, o crescimento de inúmeras formas de violação de direitos e violências contra os mais velhos.
Raio-x das violências contras as pessoas idosas no Brasil A pesquisa Denúncias de Violência ao Idoso no Período de 2020 a 2023 na Perspectiva Bioética, de autoria das professoras Alessandra Camacho, da Escola de Enfermagem da Universidade Federal Fluminense (UFF), e Célia Caldas, da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), analisou informações do Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, com base em denúncias de violência registradas entre 2020 e 2023, de casos suspeitos ou confirmados contra pessoas de 60 anos ou acima. De acordo com o levantamento, no período, foram 408.395 mil denúncias notificadas, sendo que 21,6% ocorreram em 2020, 19,8% em 2021, 23,5% em 2022 e 35,1% em 2023. Já em 2024, o Painel do Ministério mostra, mesmo que parcialmente, mais um aumento de denúncias: já foram 74.620 até o momento [painel consultado pela reportagem em junho de 2024]. |
O que mostram os números? E como lidar com eles?
“Olhamos esses dados com angústia, mas não com surpresa, pois a realidade está muito além dos casos notificados. Pessoas idosas são abandonadas em zonas rurais ou nas encostas das grandes cidades. Famílias que simulam um falso cuidado, e nós, como profissionais, temos que orientar pessoas adultas sobre a necessidade da higiene básica da pessoa idosa. Destaco outro fator sobre as subnotificações: não há nada mais difícil do que convencer uma pessoa idosa de que o que seu filho ou filha está fazendo é violência e que precisamos denunciar. A romantização do núcleo familiar, a santificação da maternidade baseada nas lendas de mães que dão a vida ao filho as deixam irredutíveis sobre a denúncia e por muitas vezes silenciam ou escondem as situações abusivas em prol da proteção da ‘família’”.
Quem faz essa contextualização é Yamim Alves, assistente social e coordenadora do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos Casa de Clara, projeto mantido pelo Sefras – Ação Social Franciscana, no município de Mogi das Cruzes (SP).
Atuando junto à população idosa há cinco anos, Yamim também foi coordenadora do Centro Dia para Pessoas Idosas (CDI) e o Núcleo de Convivência e Fortalecimento de Vínculos ( NCI), ambas iniciativas em São Paulo (SP). A assistente social elenca alguns dos instrumentos utilizados em casos de violência contra as pessoas idosas, a partir dos múltiplos processos de envelhecimento e de conjuntura das famílias:
“Destes, destaco a importância do que chamamos de trabalho em rede. Que se trata da capacidade dos profissionais de diferentes setores e políticas públicas trabalhando de forma interprofissional para o acompanhamento de um caso. Quando o acesso a políticas públicas é consolidado de forma articulada, possibilitamos a superação da situação de fragilidade e violência do indivíduo e ou da família”, observa Yamim.
Num contexto macro de enfrentamento à violência contra a pessoa idosa, a assistente social enumera as três principais linhas para a atuação dos profissionais dessa área:
Essas são questões que passam desde a prevenção ao cuidado após algum tipo de violência ou violação de direitos, fundamentais para uma sociedade mais atenta e cuidadosa de seus idosos.
Ao longo de sua atuação, Yamim observou que parte das famílias demonstra enorme despreparo para lidar com o envelhecimento de seus membros.
“[Essa falta de preparo] gera abandono, isolamento e negligência. Alguns estudos apontam que teremos um aumento dos casos de demência no Brasil. A falta de preparo das famílias que nunca ouviram antes falar de Alzheimer, quando se deparam com um caso que depende de cuidados, gera as mais diferentes formas de violência. Portanto, enquanto profissionais, trabalhamos na promoção de campanhas, realizando palestras para diferentes públicos e faixas etárias, além da promoção, com os próprios idosos, de um trabalho socioeducativo, para que os mesmos possam ser os principais porta-vozes sobre a pauta”, acrescenta a coordenadora da Casa de Clara.
Junho Violeta e Velho Amigo
Além do dia 15 de junho, o Junho Violeta é uma campanha mundial instituída em 2006 pela Organização das Nações Unidas (ONU), como parte dos esforços para alertar a população sobre os riscos e sinais de agressões — físicas e psicológicas — contra esta parcela da população.
Uma das organizações brasileiras engajadas nessas datas e em tudo que envolve os(as) idosos(as) é Instituto Velho Amigo, que há 25 anos trabalha com pessoas idosas sem acesso a direitos básicos em diversos estados do Brasil, e se dedica a proporcionar espaços de discussão e atividades que contribuem para a inclusão e o envelhecimento digno de milhares de pessoas em situação de vulnerabilidade social.
“Com o aumento do número de idosos no país, o Instituto reforça a necessidade de protegê-los contra violações de direitos e de valorizar suas contribuições para a sociedade. O debate tem se tornado cada vez mais central em decorrência do envelhecimento da nossa população”, aponta Debora Santos de Conti, diretora-executiva da entidade.
Debora sublinha que o Instituto atua, ainda, no fortalecimento de organizações de acolhimento em todo o país, além de conceber e liderar projetos que valorizam o respeito a essa população. “Até hoje, mais de 30 mil idosos foram beneficiados. Porém, mais do que oferecer assistência, buscamos atualizar a visão que temos sobre o envelhecimento e o significado da palavra ‘velho’, promovendo uma sociedade mais igualitária e livre de preconceitos”, afirma.
Dentre as ações desenvolvidas pelo Instituto Velho Amigo, a diretora aborda o Programa Revitaliza, cujo objetivo é fortalecer as instituições que trabalham com idosos em situação de risco social em vários estados brasileiros. Essas organizações incluem ILPIs, Centros de Acolhida Especial para a Pessoa Idosa, Núcleos de Promoção Alimentar e um Centro de Convivência para Idosos LGBTQIA+. O programa oferece assessoria e capacitação para gestores e cuidadores, com o intuito de promover a melhoria da qualidade dos serviços e a sustentabilidade financeira dos locais.
> Confira as ações de enfrentamento à violência contra a população idosa para o mês de junho
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Diga sim à conscientização!
O projeto “Diga não à Violência contra a Pessoa Idosa”, de iniciativa do Sefras – Ação Social Franciscana por meio do Núcleo de Convivência da Pessoa Idosa (NCI) – Casa de Clara, atua para a conscientização, prevenção e enfrentamento às diversas formas de violência no município de São Paulo. A iniciativa conta com a parceria do Fundo do Idoso e da Secretaria de Direitos Humanos do Município de São Paulo.
“Essa ação surgiu há alguns anos, um pouco antes da pandemia, quando a equipe da Casa de Clara começou a perceber que os nossos participantes [os/as idosos/as] traziam questões de violência. Começamos um trabalho de notificar esses casos às autoridades. Mas já tínhamos o canal de denúncias Disque 100, e iniciamos uma mobilização em torno disso. E começamos a trabalhar com os idosos, reforçando que notificar também é um ato cuidado”, relembra Néia Monteiro, assistente social e responsável pelo projeto junto ao Sefras.
A conscientização também passa por outros formatos de comunicação, como o teatro. Dentro do projeto “Diga não à Violência contra a Pessoa Idosa”, o Sefras e um grupo de idosos começou a idealizar a elaboração de uma peça teatral, com uma reflexão sobre como os temas poderiam ser abordados. Inicialmente a ideia era que o agora “Grupo Teatral Clara Evidência” contasse com 15 pessoas, mas hoje já são mais de 25.
“Foi muito interessante, porque, com o auxílio dos próprios idosos, cada um trazia um aspecto da violência, e, assim, conseguimos construir um material bem rico para que o professor, o dramaturgo, conseguisse trabalhar e escrever o roteiro do espetáculo. Para a divulgação, nós tínhamos como compromisso visitar alguns espaços de acolhimento ou de atendimento à pessoa idosa”, frisa Néia.
A peça “Vista Minha Idade” narra a história da violadora dos direitos de Samuel, a sua filha Estela – ambos nomes fictícios. Néia explica que o enredo apresenta o assunto a partir da superação e empatia, uma jornada que reflete sobre papéis e responsabilidades sociais de cada indivíduo frente aos direitos dos mais velhos expressos no Estatuto do Idoso.
Com a história em mãos, o grupo mapeou, no território paulista, todos os serviços de atendimento às pessoas com mais de 60 anos. E, a partir disso, começaram as visitas e as apresentações no segundo semestre de 2023.
Para Néia, a iniciativa vai muito além de um grupo de teatro. “Esses idosos que participam do teatro têm um compromisso com a denúncia. É um grupo de pessoas que a gente intitula de ‘multiplicadores’, que têm como compromisso a divulgação e a disseminação de informações sobre violência aos idosos. Sempre após as peças, fazemos uma roda de conversa, em que abordamos as políticas públicas para a pessoa idosa, o que é a política social, como a gente faz esses atendimentos, quais são os canais de denúncia e outros assuntos”, destaca a assistente social.
> Saiba mais sobre esses e outros projetos em sefras.org.br
Canais de denúncia Disque 100 – Ministério de Direitos Humanos e Cidadania – Atendimento diário, 24 horas por dia, incluindo finais de semana e feriados; Ligue 190 – Polícia Militar em todo o país; Ligue 197 – Polícia Civil ou Delegacia do Idoso. |