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Publicado em

22/05/2024

Maio Laranja: as marcas da violência e exploração sexual de crianças e adolescentes 

Especialistas acreditam que educação, informação e políticas públicas são as principais ferramentas para enfrentar os crimes.

Por Elvis Marques

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O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) recebeu, em 2023, por meio do Disque 100, mais de 31 mil denúncias de violações sexuais contra crianças e adolescentes, o que resultou na identificação de mais de 60 mil casos deste tipo de crime. Os dados mostram que, a cada 24 horas, ocorrem mais de 166 violações, sendo sete a cada hora, e uma a cada oito minutos.

Já a Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que, a cada 24 horas, 320 crianças e adolescentes são explorados sexualmente, número que, apesar de alto, pode ser ainda maior, já que apenas sete em cada 100 casos são denunciados. A entidade mostra, ainda, que 75% das vítimas deste tipo de crime são meninas e, em sua maioria, negras.

São levantamentos que, independente da metodologia aplicada, mostram apenas a “ponta do iceberg” quando se fala em crimes de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil. O desafio é tamanho que, esse mês, chamado de Maio Laranja, é voltado para dar mais visibilidade ao assunto, assim como o 18 de maio, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Infantil no Brasil. 

O que caracteriza o abuso e a exploração?

A Campanha Faça Bonito (link) – referência nacional na mobilização para o enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes – explica que o abuso sexual é qualquer abordagem sexual envolvendo criança ou adolescente, e que geralmente é praticado por alguém de confiança. Muitas vezes, os crimes acontecem  no próprio ambiente familiar, praticado por pessoas do convívio e confiança da vítima. 

Por sua vez, a exploração sexual pode ser definida pelo uso de crianças e adolescentes para fins sexuais visando o lucro, seja no contexto da prostituição, no compartilhamento de conteúdos e imagens de abuso, em redes de tráfico ou no chamado “turismo com motivação sexual.”

Segundo o Código Penal Brasileiro, o crime de estupro de vulnerável – pessoa de até 14 anos de idade ou com deficiência física ou mental – considera a prática sexual com penetração sexual ou qualquer ato libidinoso. A pena para esse crime varia entre oito e 30 anos de prisão.

Já o crime de exploração sexual comercial de crianças e adolescentes, que consiste em submeter a pessoa de até 18 anos à prostituição, pode resultar em prisão de até 10 anos.

Sociedade civil

Com mais de duas décadas de atuação, a Campanha Faça Bonito nasceu em virtude do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes, com diversas ações anuais nos meses de abril e maio. Nos outros meses do ano, a iniciativa que norteia as ações é a campanha com os dizeres ‘Faça Bonito – Proteja nossas Crianças e Adolescentes’. Ambas ações são realizadas nacionalmente pelo Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes e Rede ECPAT Brasil, em parceria com as Redes Nacionais de Defesa dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes. 

Karina Figueiredo, assistente social, coordenadora do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes e integrante da Campanha Faça Bonito, analisa que, no processo de enfrentamento, os crimes sexuais são cercados de silêncio devido às ameaças dos agressores.

“A violência sexual está presente em todas as infâncias e adolescências, independente da classe social. E é muito importante ter isso em mente para podermos pensar nas estratégias de prevenção. Precisamos falar sobre esse tema nas escolas públicas, mas também nas particulares. É necessário ensinar as crianças sobre o tema, e dizer a elas que se acontecer algo, devem contar para um adulto que elas confiam.”

“As marcas da violência sexual ficam e geram sofrimento. Por mais tempo que ela fique guardada, mais traumas ela vai gerando” 
Karina Figueiredo

A assistente social afirma que, após 23 anos da Campanha e de mobilizações no 18 de maio, a sua luta continua sendo pela construção de uma infância protegida, saudável e livre de violência.

“Eu trabalho em um centro de atenção psicossocial com mulheres que, em sua grande maioria, mais de 90%, viveram situações de violência sexual na infância e hoje, adultas, contam que, quando sofreram essas violências, ninguém acreditava nelas, ou elas tinham vergonha de falar sobre o assunto. E nos deparamos com histórias de mulheres que carregam essas dores por 20, 30 ou 40 anos. São marcas profundas que ficam para uma vida toda”, relata.

Clique aqui, baixe, divulgue e participe das mobilizações da Campanha Faça Bonito 

Violência em números

> Segundo o painel de dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, apenas nos primeiros meses de janeiro a abril de 2024 foram feitas 82.347 denúncias e computadas 478.550 violações contra crianças e adolescentes;
> De acordo com o levantamento de dados de 2022 realizado pela Fundação Abrinq, a violência sexual ainda é um problema que afeta majoritariamente crianças e adolescentes;
> Em 2022, último levantamento nacional realizado através do Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde (SINAN), (2022), das 62.091 notificações de violência sexual recebidas, 73,8% (45.273) são violências sexuais contra crianças e adolescentes. Em média, a cada quatro casos de violência sexual no Brasil, três são contra crianças e adolescentes;
> Conforme o Panorama de Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes da UNICEF (2021), as situações de violências contra crianças do sexo biológico masculino, acontecem entre três e nove anos de idade.

Fontes: Panorama de Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes da UNICEF, SINAN, Fundação Abrinq e Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos.

Desafios e políticas públicas

Paula Rodrigues é coordenadora do 1º Centro de Referência da Criança e do Adolescente em Situação de Rua e na Rua em São Paulo, gerido pelo Sefras – Ação Social Franciscana em parceria com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. Ela compreende que as diversas ações realizadas no mês de maio são importantes para dar visibilidade à situação do abuso e da exploração sexual e chamar a atenção do poder público e da sociedade civil para os dados impactantes destas violências. 

“São datas e momentos fundamentais para desvelar esse cenário, engajar a sociedade e pressionar o poder público na implementação e aprimoramento de políticas públicas efetivas, que contribuam não só para o enfrentamento, mas para a proteção e cuidado efetivos das nossas crianças e adolescentes”, destaca.

Como uma profissional que lida diretamente com crianças e adolescentes, com o agravante de estarem em situação de rua, Paula elenca alguns desafios sobre o tema que precisam ser enxergados como parte de um contexto.

“Ela [exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes] faz parte de um cenário de violência estrutural, não podendo ser combatida de forma isolada. No caso de crianças e adolescentes em situação de média e alta vulnerabilidade, sobretudo adolescentes transgênero, a exploração sexual é cada vez mais difícil de se combater, pois torna-se uma forma de sobrevivência”, explica.

Outra problemática é a identificação das situações de abuso e exploração sexual, e onde elas ocorrem. “É sabido que a maioria esmagadora dos abusadores são do círculo mais íntimo da criança, com laços consanguíneos diretos. Isso dificulta e muito diagnosticar as situações de ocorrência”, expõe a coordenadora.

Paula entende que os avanços relacionados a essa pauta estão justamente no investimento nas políticas educacionais, dentro e fora das instituições escolares, com o objetivo de ensinar para as crianças e adolescentes sobre os seus corpos e os limites entre afeto e abuso. 

Além disso, conforme a coordenadora, é fundamental a consolidação de espaços de escuta qualificada, com profissionais que tenham estrutura e formação continuada para contribuir com o combate às violências e violações desses sujeitos em situação peculiar de desenvolvimento.

Conscientização 

O Sefras – Ação Social Franciscana tem entre os seus públicos prioritários de atuação as crianças e os adolescentes, com ações desenvolvidas em seis localidades em São Paulo e no Rio de Janeiro. Os serviços atendem as necessidades locais das comunidades onde a organização está inserida, além de ações específicas que vão desde atividades no contraturno escolar ao cuidado infantil e familiar.

Em virtude do dia 18 e do Maio Laranja, a entidade desenvolveu uma série de materiais informativos sobre o tema, como cartazes com os canais de denúncia, estatísticas de violências, descrição dos tipos de abuso e de como ensinar uma criança a proteger seu corpo.

Os materiais também serão distribuídos na rede do Sistema de Garantia de Direitos em São Paulo, o que inclui os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Fórum Regional dos Direitos da Criança e do Adolescente da Sé, Cachoeirinha e Lajeado, Serviço de Proteção à Criança e Adolescente (SPVV), Núcleo de Proteção Jurídico Social e Apoio Psicológico (NPJ), Consultório na Rua e no Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes (SAICA).

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Mudança na legislação

Desde 2021, tramita na Câmara dos Deputados, o  Projeto de Lei (PL) 4186/21, cujo objetivo é ampliar para 20 anos o prazo para que crianças e adolescentes, vítimas de crime contra a dignidade sexual, possam acionar a Justiça contra o agressor. O texto, de autoria da deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP), estabelece que o novo prazo só começa a contar quando a vítima completar 18 anos de idade. 

“Não raro, os sobreviventes desse tipo de crime somente são capazes de compreender a dimensão dos danos sofridos quando, em fase adulta, são motivados a perceberem a gravidade e existência destes danos, a partir de uma série de fatores sociais, econômicos e políticos”, apontou a parlamentar em entrevista para a Agência Câmara de Notícias.

O PL aguarda análise da Mesa Diretora da Câmara desde dezembro de 2023.

Denuncie!

A denúncia é uma importante ferramenta da sociedade para contribuir com a visibilidade e combate deste tipo de crime.
Confira alguns canais: 

– Disque 100 / WhatsApp (61) 99611-0100 / ou pelo Telegram (digitar “direitoshumanosbrasil” na busca do aplicativo)
Página da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH/MDHC)
– Conselhos Tutelares Central de Atendimento da Mulher (180)
– Polícia Civil (197)
– Polícia Militar (190) 
– Polícia Rodoviária Federal (191) 

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