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24/04/2025

Que país é este? A diversidade cultural do Brasil



Por Daniele Próspero

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Sejam os conhecimentos e modos de fazer, enraizados no cotidiano das comunidades, como a prática artesanal de fabricação de panelas de barro – atividade econômica presente na localidade de Goiabeiras, bairro de Vitória, no Espírito Santo –, assim como os rituais e festas, como a Festa do Senhor Bom Jesus do Bonfim, celebração tradicional que ocorre desde o século 18 e integra o calendário litúrgico e o ciclo de Festas de Largo da cidade de Salvador, na Bahia. Tudo faz parte da formação da identidade cultural do país.

Os modos de expressão e manifestações, como a língua, a literatura, a música, a dança, a culinária regional, assim como as técnicas de costura e bordados, os costumes, as crenças, além das esculturas, dos museus, dos documentos e tantos outros lugares, saberes e fazeres, agregam e trazem riquezas ao patrimônio cultural brasileiro.

Conheça mais sobre essa diversidade que marca o nosso país:

Em 2007, o Brasil ratificou a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, aprovada pela Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e assinada em Paris, França, em 20 de outubro de 2005. De acordo com a Unesco, a Convenção é um instrumento que orienta a Organização na elaboração de conceitos, objetivos e políticas para favorecer a diversidade cultural com ênfase no pluralismo, no diálogo entre as culturas e suas várias crenças, assim como no desenvolvimento de políticas.

Saiba mais em:
>> Convenção: bit.ly/RCC_12_23
>> Decreto brasileiro que promulga a convenção: bit.ly/RCC_12_24

>> Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
§ 2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.

>> Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

O Brasil conta, desde 2000, com o “Registro de Bens Culturais”, um instrumento legal de preservação, para reconhecimento e valorização do patrimônio cultural imaterial, ou seja, aqueles bens que contribuíram para a formação da sociedade brasileira. Hoje, o país conta com 52 bens reconhecidos em todas as regiões e são registrados em quatro livros. No site do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) – bcr.iphan.gov.br – é possível navegar por um mapa, acessar todos os documentos e fotos das iniciativas. Conheça quais são eles e alguns exemplos aqui na revista:

>> Carimbó

Foto: Divulgação Iphan

Sua história vem do século 17, na parte da região amazônica que corresponde ao atual Pará e foi trazida ao Brasil por negros escravizados africanos tendo incorporado influências indígenas e ibéricas. A palavra carimbó diz respeito ao tambor, posteriormente denominando, também, a expressão como um todo. As letras das canções do carimbó trazem à musicalidade da expressão os elementos da natureza (fauna e flora locais) e os aspectos do mundo do trabalho vivenciados pelos carimbozeiros.


>> Complexo Cultural do Bumba meu boi do Maranhão

Foto: Divulgação Iphan

Festa tradicional que acontece em todo o estado do Maranhão. O Bumba meu boi envolve a devoção aos santos juninos, que mobilizam promessas e marcam algumas datas comemorativas da festa. Os cultos religiosos afro-brasileiros do Maranhão, como o Tambor de Mina e o Terecô, também estão presentes nessa celebração.


>> Cachoeira de Iauaretê – Lugar sagrado dos povos indígenas dos rios Uaupés e Papuri

Foto: Divulgação Iphan

A cachoeira corresponde a um lugar de referência fundamental para os povos indígenas que habitam a região banhada pelos rios Uaupés e Papuri, reunidos em dez comunidades, multiculturais na maioria, compostas pelas etnias de filiação linguística Tukano Oriental, Aruaque e Maku. Várias das pedras, lajes, ilhas e paranás da cachoeira simbolizam episódios de guerras, perseguições, mortes e alianças descritos nos mitos de origem e nas narrativas históricas desses povos.


>> Sistema Agrícola Tradicional das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira

Foto: Divulgação Iphan

O Sistema, localizado no litoral sul do estado de São Paulo, consiste nos saberes e modos de fazer relacionados às práticas agrícolas que essas comunidades mantêm em seus territórios. Elas dizem respeito ao ato de plantar e colher alimentos, assim como às roças de coivara itinerantes, à diversidade das espécies vegetais manejadas, aos métodos e à cultura material relacionada ao preparo dos alimentos, aos arranjos produtivos locais, entre outros.


A preservação das tradições do Vale do Gorutuba (MG)

Adilza Batista com a peça Maria Buçu. Foto: Arquivo pessoal

“Iniciei o trabalho como artesã ainda muito jovem, quando minha avó e mãe transmitiram as tradições do Vale do Gorutuba. Tecido, argila, linha, tintas, enchimentos… tudo se transforma, tudo realça a vida e cultura da minha comunidade. Conheci a peça ‘Maria Buçu’ – uma bilha, para colocar água ou cachaça e que se tornou patrimônio cultural em Nova Porteirinha (MG)–, em 2000, quando a Fundação de Ouro Petro fez um estudo de resgate cultural local e descobriu essa peça, que era produzida pela D. Maria Eudoxia, conhecida também como Maria Buçu. Na época, ela vendia para o Palácio das Artes e também para o exterior. Fiz um curso com a neta dela. Foram 11 alunas e quem faz até hoje sou eu apenas. A produção é totalmente manual, feita por etapas. É difícil conseguir o barro, que é bem escuro. Há apenas dois locais na região que encontramos, um deles fica a uns 40 km daqui. Vendo as peças mais para outras cidades, estive em Pernambuco, em Belo Horizonte etc. Mais recentemente, consegui um edital via Lei Aldir Blanc e também por meio do Projeto Caminhos das Águas. Com isso, fiz palestras para escolas aqui em Janaúba e em Nova Porteirinha, para quase 200 alunos, e também oficinas para incentivar eles a fazerem, produzirem. Eu queria muito que os jovens se interessassem por essa arte, para ela não morrer. Espero passar meus conhecimentos para os mais jovens. É um legado que eu quero deixar.”

Adilza Mendes Batista, 73 anos, mestre-artesã – Janaúba (MG). Conheça mais em: bit.ly/RCC_12_25 e instagram.com/adilza.artesanato

Rota do Barro: de Maragogipinho (BA) para o mundo

Naiara Costa (dir.) com suas primas e avó. Foto: Arquivo pessoal

“Cresci vendo meu pai trabalhando na olaria, assim como meus avós. Inclusive minha avó Maria da Hora, conhecida por D. Dadá, tenho o maior orgulho de dizer que, com 93 anos, ainda pratica a arte e constrói peças belíssimas. Foi maravilhoso crescer perto do artesanato, porque despertou em mim uma habilidade na pintura e, também, na construção de algumas peças. Com a morte do meu pai, pela Covid-19, assumi a olaria, a Cerâmica do Pelé, em homenagem ao meu pai, conhecido por todos como Pelé. Vendemos vasos para plantas, peças decorativas, utilitárias e religiosas. Fui perceber o grande potencial da minha comunidade após a faculdade, na qual passei a ter um olhar diferenciado para o local. Por isso, junto com minhas primas Patrícia Araújo e Milena Figueiredo construímos a Rota do Barro, por meio da Premiação cultural Olhinhos d’água, que está levando nossa realidade para o mundo. Acredito que é de suma importância essas tradições serem passadas de pai para filho, pois construímos um legado e, com certeza, não deixa a história se perder ao longo do caminho.”

Naiara Silva Araújo Costa, 39 anos, filha de artesã e professora – distrito de Maragogipinho, cidade de Aratuípe (BA). Conheça mais em: www.instagram.com/rota.dobarro

O som do pífano que ressoa no Cariri

Rivers Feitoza durante apresentação. Foto: @manodecarvalho

“Quando adolescente, estudei música na filarmônica municipal, tocava zabumba, depois comecei a tocar piston. Sofri uma queda indo pra escola de música, cortei os lábios e abandonei o instrumento. Já na faculdade, fui muito atuante no meio cultural. Fiz teatro e comecei a estudar música tradicional. No início dos anos 90, decidi visitar a Zabé da Loca, no sítio Tungão, região rural distante 20km de Monteiro. Ela foi uma das maiores pifeiras do Brasil. A sonoridade do pífano vibrava em mim mais profundamente que outros instrumentos, e, tendo Zabé e seu Terno de Pífanos como pesquisa, fui me tornando pifeiro. Durante o período de tocadas e vivências com Zabé, subimos em palcos com nomes grandes da música, como Hermeto Pascoal, Carlos Malta, Chico César e gravamos CDs. Em 2008, formei a Banda Pife Perfumado, aqui de Monteiro, mas que se compôs de músicos da região do Cariri de cá, Zabelê e São João do Tigre. As bandas de pífanos fazem parte do contexto cultural de cinco cidades do Cariri, influência dos seus mestres no passado e que, agora, vêm se mantendo pela articulação e influência dos artistas herdeiros dessa tradição, e, mais recentemente, diante das leis e editais de incentivo à cultura. As bandas de pífanos já são patrimônio cultural imaterial por lei, mas ainda não têm a dignidade que merecem pelos gestores locais. Mas, nós, mestres de bandas de pífanos, temos consciência do nosso valor.”

Rivers Douglas Soares Feitoza, 54 anos, farmacêutico, apicultor, rabequeiro, pifeiro e produtor cultural – Monteiro (PB). Conheça mais em: www.instagram.com/rivers_douglas

As expressões são registros orais apontados por falantes de cada estado, não representando o povo em sua totalidade; por serem muitas, foram definidas algumas para a ilustração.

*As ilustrações que compõe este Raio-X são de Marta Moura, carioca, artista visual multilinguagens e ativista de pautas humanitárias. Possui formação em Licenciatura Plena em Dança e pós-graduação em Educação Psicomotora pelo IBMR, atuou em programas sociais e, hoje, participa ativamente de movimentos de luta pelos direitos das mulheres. Em 2013, iniciou sua pesquisa com a pintura e o movimento, como extensão de seu corpo, criando obras abstratas com tinta e gestos. Para Marta, ilustrar é como dançar, uma fusão de imaginação e expressão entre palavras e imagens.

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