Publicado em
20/06/2024
Invisibilização, busca por reconhecimento e qualidade de vida marcam a trajetória de indígenas nos territórios urbanos.
Por Luciene Kaxinawá e Camila Mīg Sá dos Santos*
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“Inicialmente foram 80 famílias. Eram aproximadamente 300 pessoas, de 35 etnias distintas. No entanto, somente após oito anos de ocupação do Movimento Indígena na região, que investimentos públicos municipais começaram a ser executados no bairro. Atualmente, a população cresceu e somam 860 famílias, totalizando mais de 4,5 mil indígenas, de mais de 30 povos diferentes e falantes de cerca de 20 línguas indígenas”, conta Vanda Witoto, uma das lideranças do Parque das Tribos, uma comunidade indígena urbana que fica em Manaus (AM), mais precisamente na região do Tarumã Açu II.
Considerado o primeiro bairro indígena de Manaus, o Parque das Tribos foi fundado em 2014 por meio de um projeto de habitação organizado por 60 etnias. Eram pessoas que, a princípio, saíram de suas comunidades de origem para a capital em busca de oportunidades de ensino e trabalho, dando início ao maior projeto de habitação multiétnica do Brasil.
Vanda relembra a falta de estrutura financeira para sobreviver na cidade. “Fui tirada da minha comunidade com 16 anos para a capital Manaus para trabalhar como empregada doméstica. Por oito anos vivi um dos maiores desafios da minha vida”, enfatiza.
“Foi só na cidade, e com 27 anos, que descobri o que era a universidade e que eu também tinha direito de ir para lá. Foi aí, em 2015, que eu pude entender os meus direitos e as violências que o próprio Estado impunha sobre nós. Eu só descobri que eu tinha Registro Administrativo de Nascimento de Indígena (RANI) e nome indígena também com 27 anos. Compreendi, ainda, o apagamento da minha história e do meu povo. A partir daí, comecei um resgate da minha cultura junto com outros parentes que viviam na cidade”, conta Vanda.
O período da pandemia da Covid-19 também foi muito desafiador para os indígenas que vivem no Amazonas, um dos locais mais afetados pela crise. Eles sofreram com a falta de atendimento de saúde. O cacique Ismael Munduruku, que viveu na pele esses momentos, relembra como foi difícil para a comunidade, somente pelo fato de estarem em contexto urbano.
“A gente tinha duas portas para bater: o Estado e a Secretaria de Saúde Indígena (SESAI) e não obtivemos êxito. Quando fomos à SESAI, eles disseram que só eram de atenção básica, que não tinham estrutura para atender e que a prioridade eram os indígenas aldeados, sendo que os próprios indígenas aldeados relataram que não receberam nenhum atendimento nas aldeias também. E a prefeitura nos dizia para procurar a SESAI porque era ela que, teoricamente, teria recursos para nos atender. Infelizmente começamos a ver nossos parentes morrerem, inclusive nossa liderança da época, o cacique Messias”, relembra Ismael.
A música que fala do território
Já em Rondônia, o artista musical Txepo Suruí, conta como usa o trap para falar sobre essa relação da cidade com as suas raízes no território indígena Paiter Suruí – Terra indígena Sete de Setembro, em Cacoal.
“A música sempre fez parte de mim. Meu povo sempre cantava e canta. Minha mãe e meu pai sempre ouviam bastante música. Quando eu escrevo sobre a minha família, sobre os indígenas, sobre a floresta, não é nada mais do que eu falando sobre o que eu vivi, o que sinto, o que vejo, o que espero que aconteça, sobre amor, ódio etc.”, diz o músico.
Txepo ainda fala sobre a constante prova de capacidade que indígenas e negros enfrentam nas cidades e como a falta de representatividade nos espaços da mídia e da arte influenciam. “Ser indígena no contexto urbano é desafiador. Assim como um preto tem que ser duas vezes melhor, com os indígenas não é diferente. Buscamos inspirações em nós mesmos, porque quando ligamos no telejornal, não vejo uma pessoa indígena, quando vamos a um festival de música famoso, não vemos um indígena. Por sermos indígenas, temos que aprender a superar todo dia e tentar ser cada vez melhor para nós mesmos e para os nossos povos”, afirma Txepo.
Txepo Suruí. Foto: Walela Soepileman Suruí
A aldeia urbana na região Sul
Outra experiência vem da aldeia Kakané Porã, segunda aldeia urbana do Brasil e a primeira da região Sul desde 2009, localizada no bairro Campo de Santana, zona Sul de Curitiba, no Paraná. A aldeia é multiétnica, composta por três povos indígenas da região Sul: povo Xetá, povo Kanhgág e povo Guarani (Tupi e Mbya). No início eram 35 famílias e, hoje, já somam 42, com aproximadamente 200 indígenas numa área urbana de 45 mil m2. Ali, preservam 10 mil m2 de sua área territorial conservando a mata e as araucárias.
A retomada de território desses três povos teve início em 2004 na antiga aldeia Cambuí, posteriormente se tornando aldeia Kakané Porã com a mudança de endereço, mas ainda não demarcada e não homologada. Carlos Alberto Kajer Luiz dos Santos, indígena pertencente ao povo Kanhgág, nascido e criado na Terra Indígena de Mangueirinha, sudoeste do Paraná, e maior reserva de araucária da América Latina, foi a primeira liderança da aldeia, desempenhando o papel de cacique da sua comunidade por muitos anos.
Em sua fala, ele enfatiza os prós e os contras de se viver no território urbano. “Na cidade é muito bom de viver, pois para nossos filhos estudarem é melhor. A saída da nossa aldeia de origem é para procurar uma vida melhor, já que a cidade é um polo para acesso às escolas, empregos ou até para a comercialização de artesanatos”, comenta.
Carlos relata que é muito complexo sobreviver numa aldeia de origem devido às dificuldades financeiras, e que sua vida melhorou muito desde que se mudou para a capital do Estado. Mas também destaca os desafios, pois estar num espaço urbano não significa vencer as dificuldades da realidade da comunidade. “A nossa aldeia não é reconhecida, ou seja, demarcada. Com isso, a gente não consegue fazer projetos como, por exemplo, uma escola, uma Unidade Básica de Saúde e um Centro Cultural Indígena, que é o sonho de toda a comunidade.”
Há três anos, a Aldeia Kakané Porã adotou um meio de organização social interna democrática. Assim, ao invés de ser apenas um cacique na liderança, se elegeu uma Comissão de Lideranças, com representantes das etnias e gêneros, juntamente com os professores bilíngues para administração da comunidade. Carlos reconhece que esse modelo de organização tem sido um exemplo para as novas retomadas da região metropolitana de Curitiba, melhorando até mesmo o diálogo com as esferas públicas.
Ressignificando a luta indígena por uma vida digna e considerando os ciclos de crescimento da população da aldeia, o resultado do último Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mostra que hoje o número de indígenas que vivem nas cidades aumentou de 43 para 67%.
Isso confirma que os povos indígenas estão sim vivendo o seu nhanderekó1 nas grandes cidades, colorindo as universidades, retomando os territórios e ocupando também os espaços de decisões que dizem respeito aos seus povos, como as medidas de prevenção às mudanças climáticas, a biodiversidade regional, etnossustentabilidade, demarcação e exploração dos territórios, não só dos povos indígenas, mas também do planeta todo.
¹Em tradução simples: Nhandereko ou Nhanderekó significa “modo de vida do povo Guarani”. Representa onde a vida está e o relacionamento da vida com tudo que existe: os corpos, o espaço e o ambiente. Semelhante ao Bem Viver, trata do conhecimento ancestral, próprio do povo Mbya-Guarani. Essa expressão equivale à Bien Vivir (Bem Viver) de matriz representativa de diferentes povos andinos.
O presente artigo faz parte da série especial Territórios Casa Comum, que traz conteúdos produzidos por representantes de diferentes povos indígenas. Conheça: bit.ly/RCC_TerritóriosCasaComum
*Luciene Kaxinawá – primeira jornalista e apresentadora indígena da TV brasileira. Há 10 anos exerce a profissão. Atualmente, é apresentadora no Canal Futura e colunista Terra. É premiada nacional e internacionalmente pelo seu profissionalismo e representatividade. @lucienekaxinawa
Camila Mīg Sá dos Santos – mulher indígena Kanhgág, mãe, artesã, graduanda em antropologia e pesquisadora pela UFPR (Universidade Federal do Paraná), artista indígena contemporânea, arte educadora, produtora audiovisual, etnocomunicadora e colaboradora da Mídia Indígena Oficial. @camila_ra_tej
Elas estão na linha de frente de diferentes iniciativas que buscam o bem comum em seus territórios.
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