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Publicado em

20/06/2024

Mulheres reivindicam a cidade como lugar de cuidado e de vida

Elas estão na linha de frente de diferentes iniciativas que buscam o bem comum em seus territórios.

Por Isadora Morena

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Realizar uma transição ecológica justa, condição necessária para a vida em contexto de mudanças climáticas, perpassa por criar Bem Viver nas cidades. Isso é o que afirma Maria da Graça Costa, coautora do livro Meu corpo é meu território: mulheres em defesa do bem viver na cidade.

Psicóloga e professora da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Maria da Graça define Bem Viver como “formas de sociabilidade, de modos de vida, de visões de mundo, onde não se visa à individualidade como processo de construção, mas à produção de uma coletividade, de um comum entre todas as pessoas.”

Ilustração enfatiza papel comunitário das mulheres para produção do Bem Viver. Foto: Maria da Graça Costa

A obra, que é resultado de sua pesquisa de doutorado, demonstra como as mulheres estão na linha de frente dos processos de produção de Bem Viver, liderando comunidades, movimentos sociais, iniciativas agroecológicas e de economia solidária, por exemplo.

“São as mulheres que trazem a necessidade de pautar e colocar no centro a vida e o cuidado em todos os nossos debates sobre desenvolvimento, sobre políticas públicas e sobre economia”, afirma Maria da Graça. A ética do cuidado, defendida e praticada por elas, “precisa ser compartilhada por toda a sociedade e ser considerada o alicerce de tudo que a gente produz enquanto proposta de construção, por exemplo, daquilo que é político e econômico”, afirma a pesquisadora.

Para Maria da Graça, “a cidade também é lugar de produção, não só de consumo exacerbado. É lugar de resistência, espiritualidade e ancestralidade. E esse Bem Viver é produzido a partir desses elementos, que não partem da ideia do indivíduo e do desenvolvimento.” Ela declara que Bem Viver “é muito mais envolver-se, enquanto coletividade, do que desenvolver-se.”

Nesse sentido de construir o bem comum, surgem projetos como o Ocupa Mãe, liderado por Carolina Borges, cientista da computação e mãe de duas crianças. Criado em 2018 em São Paulo, o projeto visa “engajar mães a participarem da política para criar um mundo melhor para elas e as crianças.”

Segundo Carolina, o Ocupa Mãe é fruto de uma ação realizada a partir do ano de 2014, quando ela se uniu aos vizinhos para organizar uma horta comunitária em um terreno baldio que gerava insegurança e mal-estar na Saúde, bairro da zona Sul de São Paulo. Ela conta que, de tempos em tempos, a prefeitura destruía a produção, limpando o terreno. Foi preciso muito diálogo para que o poder público se tornasse parceiro da iniciativa. Esse processo de conversa com órgãos públicos foi o que originou o Ocupa Mãe.

Carolina começou a participar de reuniões e entendeu que era preciso envolver muitas mães. Para engajar outras mulheres, começou a usar de várias estratégias. “Por exemplo, tinha uma mãe que gostava de ir em um determinado parque, aí eu pesquisava quando era a reunião do conselho participativo daquele parque e falava para a mãe: ‘vamos participar da reunião e depois a gente faz um piquenique’. Aí a mãe gostava e acabava participando do conselho.”

Experiência de agricultura urbana liderada por mulheres no Rio de Janeiro. Foto: Maria da Graça Costa

Nesse processo, Carolina começou a levar mães e crianças para fazerem passeios em espaços políticos, como a Câmara dos Vereadores e a Assembleia Legislativa. “E era bem interessante, porque esses lugares não tinham onde trocar fralda, o bebedouro não servia para as crianças porque era muito alto. Então, você percebe que não estão nos vendo. Falam que democracia é para todo mundo, mas quem está lá fazendo as decisões geralmente são pessoas que estão bem distantes dessa questão dos cuidados”, afirma Carolina.

Entre muitas iniciativas, Carolina entregou, em janeiro de 2024, para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a publicação Sonhos das crianças – realizada a partir do projeto A cidade que sonho, apoiado pelo Ocupa Mãe. O documento apresenta pedidos feitos pelas próprias crianças para formulação de espaços mais seguros para a infância, com a oferta de serviços públicos de qualidade.

Apesar das dificuldades enfrentadas pelas mulheres para participarem da vida política, é de suma importância que resistam e se façam presentes nos debates e nos espaços de decisão com um discurso classista. É o que afirma Graça Xavier, coordenadora da União Nacional por Moradia Popular, da Rede Mulher e Hábitat da América Latina e Caribe e do Conselho Nacional das Cidades, um órgão colegiado deliberativo e consultivo que integra o Ministério das Cidades.

Graça é também bacharela em Direito, especialista em Direitos Humanos e Políticas Públicas e Fellow Social da Ashoka, organização internacional sem fins lucrativos com foco em empreendedorismo social.

Ela afirma que as mudanças devem partir dos territórios onde as mulheres atuam, por isso reivindicar o direito à moradia é central. O lema da União Nacional por Moradia Popular, inclusive, é “a moradia é a porta de entrada para todos os outros direitos”.

Carolina Borges entrega documento com solicitações das crianças para a Ministra Marina Silva. Foto: Acervo Ocupa Mãe

Graça explica que “as mulheres, depois que adquiriram suas moradias, conseguem pensar coletivamente no direito à cidade, como, por exemplo, acessar uma escola e voltar a estudar, acessar à saúde e conseguir fazer com que os postos de saúde nos bairros atendam as pessoas que vivem ali de forma digna. Então, passam a pensar sobre uma cidade de fato inclusiva para mulheres e homens.”

Para ela, o trabalho tem que partir do território para depois ir para o macro, pensando em curto, médio e longo prazos. “Por isso, estamos nos articulando enquanto movimentos populares, mas com várias organizações feministas, as comunidades locais, as universidades, as instituições, a igreja católica, no sentido de fortalecer os trabalhos na base e articulando para que se construa não só políticas de governo, mas políticas de Estado.”

Mulheres em luta pelo direito à moradia em São Paulo. Foto: União dos Movimentos de Moradia São Paulo (UMM-SP)

Como exemplo, ela traz o novo programa Minha Casa Minha Vida. “Em março, colocamos uma emenda no projeto de lei para que o programa atenda às mulheres vítimas de violência ou risco de morte com 100% de subsídio, porque temos certeza de que, a partir do momento que essa mulher tiver sua moradia, ela vai conseguir refazer a sua vida. Sem moradia tudo é mais difícil.”

É também a partir da moradia que as mulheres constroem redes de cuidado, essenciais para o Bem Viver.

A professora Maria da Graça Costa diz que é nos territórios, bem como nas periferias brasileiras, que são criadas “formas de produção de solidariedade, de viver, muitas vezes, no perrengue, mas de construir, a partir dessa solidariedade, a possibilidade de vida comum.” Ela traz como exemplos o emprestar o material de construção para os vizinhos, cuidar da filha da amiga que precisa trabalhar, poder compartilhar uma comida com os outros. “Isso é Bem Viver.”

Nesse sentido, “as mulheres têm anunciado possibilidades de produção não só do futuro, mas de um presente concreto. Não é só uma imaginação, porque a gente também não pode construir aquilo que a gente não imagina, mas elas imaginam e elas fazem. Elas têm que fazer”, afirma a pesquisadora.

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