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Publicado em

21/06/2024

De formação de lideranças a tribunais populares: iniciativas engajam cidadãos para planejamento e gestão das cidades

Metodologias chamam a população para debater problemas, propor soluções e pressionar agentes públicos e privados.

Por Elvis Marques

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Assembleia Cidadã de Bujaru. Foto: Equipe Delibera Brasil

E se você pudesse se reunir com outros moradores do seu bairro, professores universitários, governantes, empresários e, juntos, discutir e propor saídas para a implementação de uma educação pública em tempo integral no Ceará ou para pensar como a coleta seletiva pode alcançar todas as localidades de Belém?

Parece algo distante? Mas, não é. Há várias metodologias de participação popular para além dos votos nas eleições ou das já conhecidas – e importantes – audiências públicas, como o Tribunal Permanente dos Povos (TPP), Assembleias Cidadãs, Minipúblicos, Júri Cidadão, laboratórios de inovação e outras.

Algumas iniciativas são históricas, originárias de outros países e contextos, outras desenvolvidas conforme a necessidade brasileira, mas que buscam, sobretudo, o diálogo, a resolução de algum conflito ou a melhoria de um serviço público. Conheça algumas delas e mobilize também seu território:

O Coletivo Delibera Brasil, uma organização sem fins lucrativos, busca contribuir para o fortalecimento e a melhoria da democracia brasileira por meio da Deliberação Cidadã, a partir de uma ação conhecida como Assembleia Cidadã. Essa metodologia é baseada num modelo desenvolvido pelo cientista político Graham Smith para avaliar inovações democráticas.

A Deliberação Cidadã é um instrumento de participação social integrado aos processos democráticos de tomada de decisão, com a possibilidade das pessoas estarem no centro dos debates e com informação.

Já as Assembleias Cidadãs são tidas pela organização como uma inovação democrática. “Eles viabilizam a deliberação ao recrutar e sortear um grupo pequeno, mas representativo de uma comunidade ou população (de um bairro, cidade, estado ou, até, do país). Esse grupo dedicará o tempo necessário e será apoiado por uma equipe de facilitadores para se informar bem, deliberar e fazer suas recomendações sobre uma questão importante para toda a comunidade”, explica o coletivo.

Com as recomendações em mãos, os participantes podem incidir na formulação ou melhoria de políticas públicas, nas decisões de governos e iniciativas de interesse público.

Outra parte importante da metodologia é a divulgação dos resultados, que, segundo o Delibera Brasil, contribuirá para a qualificação do debate público, além de aproximar as pessoas da política, seja em pautas complexas, que envolvem várias partes interessadas, ou para problemáticas do cotidiano.

Ao longo de 2023, a Assembleia Cidadã foi formada e se reuniu para propor soluções diante dos desafios para o desenvolvimento da cidade de Niterói (RJ). A iniciativa contou com o apoio da Prefeitura e da organização UNIperiferias, e resultou em uma carta de recomendações ao prefeito, elaborada e assinada por 35 pessoas, sobre o acesso à internet em Niterói, a digitalização de serviços públicos e a inclusão digital.

Conecta Niterói – Acesso Universal à Internet. Foto: Yuri Vasquez

Em 2024, a metodologia chega na Amazônia Legal brasileira, mais especificamente no município de Bujaru, no interior do Pará, com o objetivo de contribuir para os desafios enfrentados na região e apoiar os esforços dos governos locais. A localidade conta com uma economia baseada na agropecuária e no cultivo de plantas frutíferas. Também há forte presença de povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos. A Assembleia deve se basear, ao longo do ano, sobre como o território pode se posicionar estrategicamente para um futuro de extrativismo sustentável e bioeconomia.

Dando sequência à ação realizada no Pará, nos próximos meses, a entidade promoverá o ciclo deliberativo latinoamericano de Assembleias Cidadãs sobre o Clima em cidades no México, Colômbia e Argentina.

Conheça a iniciativa:
Delibera Brasil – deliberabrasil.org

Nos anos de 1966 e 1967, o filósofo britânico Bertrand Russell, o filósofo francês Jean-Paul Sartre e o jurista italiano Lelio Basso organizaram, em Estocolmo, na Suécia, e em Roskilde, na Dinamarca, um evento que ficou conhecido como Tribunal Internacional de Crimes de Guerra ou Tribunal Russell, o que contribuiu para investigar os crimes de guerra cometidos pelos EUA no Vietnã.

Depois disso, surgiu em 1976, em Bolonha, na Itália, o Tribunal Permanente dos Povos (TPP), para dar continuidade aos Tribunais Russell I e II, com o objetivo de ouvir e potencializar as denúncias de povos vítimas de violações dos direitos presentes na Declaração Universal dos Direitos dos Povos.

O Tribunal é uma instância de opinião, com a participação ampla da sociedade e de pessoas de renomadas diferentes atuações, que procura reconhecer, visibilizar e divulgar as violações de direitos. Segundo o TPP, a iniciativa existe “para suprir a ausência de uma jurisdição internacional competente que se pronuncie sobre os casos de violações contra os povos.”

Tribunal do Cerrado realizado em Goiânia. Foto: Thomas Bauer

Após várias audiências mundo afora, em 2021, a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, uma articulação de 50 movimentos e organizações sociais, peticionou, junto ao TPP, a realização de uma sessão especial para julgar, no Brasil, o crime de Ecocídio em curso contra o Cerrado e a ameaça de genocídio cultural dos povos do Cerrado.

Durante o julgamento, o TPP do Cerrado apresentou 15 casos oriundos da Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Piauí e Tocantins. De acordo com a Campanha, os casos foram selecionados a partir de um amplo processo de escuta e análise envolvendo lideranças comunitárias e organizações sociais.

Ao final do processo, Estados e empresas foram condenados por crimes contra o Cerrado e seus povos. O veredito, com 128 páginas, apresenta reco – mendações para diferentes instâncias do Legislativo, Judiciário e Executivo sobre cada uma das denúncias das comunidades apresentadas no Tribunal.

Em março de 2024, foi realizado, em Santarém (PA), um Tribunal Popular organizado por comunidades indígenas, quilombolas, agricultores familiares, organizações e movimentos sociais para a ferrovia conhecida como Ferrogrão, que, segundo a organização do evento, é uma pauta prioritária do agronegócio para a Amazônia, e que pode resultar no desmatamento 50 mil km2 de floresta.

A sentença foi lida pela liderança indígena Alessandra Korap Munduruku, a qual afirmou: “Esse tribunal popular determina o cancelamento imediato e definitivo do projeto da Ferrogrão por parte do governo federal e a devida responsabilização das empresas envolvidas.” O resultado do debate foi encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde tramita uma ação sobre a constitucionalidade da estrada de ferro.

Durante a pandemia de Covid-19, foi realizado, em 2021, de forma virtual, o Tribunal Popular da Fome, de iniciativa da Conferência Popular por Democracia, Direitos, Soberania e Segurança Alimentar e Nutricio – nal. Foram ouvidos, como testemunhas, representan – tes de movimentos sociais, e a acusação foi compos – ta pelos juristas Deborah Duprah e Flávio Bastos.

O governo de Jair Bolsonaro foi considerado réu na ação devido às inúmeras ações que contribuíram para que o país retornasse ao Mapa da Fome e parte expressiva da população vivesse em situação de insegurança alimentar, como o desmonte do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), ao extinguir o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA); e a desmobilização do processo de Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o que fragilizou a capacidade de controle social sobre as políticas públicas. A iniciativa integrou a Jornada de Convergências, e contribuiu para debater e dar visibilidade ao tema e denunciar o governo federal. Saiba mais em: bit.ly/RCC_09_42

Em 2016, aconteceu, em São Paulo (SP), o Tribunal Popular pelo fim dos genocídios das juventudes negras, indígenas, pobres e periféricas. A ação durou dois dias e foi organizada por coletivos populares das regiões do M’Boi Mirim e Campo Limpo, e contou com o apoio do Fórum em Defesa da Vida, Centro de Direitos Humanos e Educação Popular, Sociedade Santos Mártires, Comitê Juventude e Resistência, Ação Cristã para Abolição da Tortura, Monitoramento Jovem de Políticas Públicas (MJPOP) Sampa Sul, e outras lideranças e coletivos das regiões.

Conheça a iniciativa:

Os laboratórios de inovação ou de experimentação costumam estar ligados a uma instituição principal, seja pública, privada ou de cunho social, em que, a partir de metodologias específicas, determinados problemas são apresentados e um grupo de pessoas é chamado a propor ideias para a sua solução, protótipos são criados e testados.

Segundo a BrasilLab, organização atuante na área de inovação, tecnologia e empreendedorismo, os laboratórios, em geral, apresentam maior grau de liberdade do que a instituição principal. “Eles são criados com o objetivo exclusivo de promover a inovação, não sendo responsáveis pela realização de trabalhos operacionais ou pela oferta direta de bens ou serviços públicos. O seu propósito é o de gerar conhecimentos, estratégias e experiências relevantes,” fundamenta a instituição.

O Laboratório de Experimentação e Inovação em Práticas Comunitárias da Maré (LabMaré) é desenvolvido pela Redes da Maré, no Rio de Janeiro, e voltado para formação, estímulo e apoio a lideranças comunitárias orientadas pela criação e manutenção do bem comum. A cada edital, a organização busca reunir pessoas, redes e projetos da comunidade para pensar e criar modos coletivos de atuar no território.

“Queremos abrir espaço para outras maneiras de pensar, fazer, imaginar, experimentar e experienciar o espaço público, com formas mais participativas, mais influentes e menos privatizadas. Desejamos fortalecer as atuais lideranças comunitárias e ver nascer novas lideranças que possam encarar a complexidade dos desafios atuais, aprendendo com a história e os antigos desafios da comunidade”, explica a Redes da Maré.

O edital 2024 já está em andamento, e deve apoiar 30 propostas com um pequeno fundo de recurso financeiro, que será disponibilizado ao longo dos meses de laboratório, por meio da apresentação e aprovação de orçamentos submetidos pelas equipes selecionadas.

Com mais de 10 anos de atuação, a Agenda Pública desenvolveu uma metodologia chamada ODSLab com o objetivo de implementar alternativas eficazes e customizadas para problemas complexos que afetam o cotidiano dos cidadãos. O projeto parte dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), uma agenda pactuada entre os membros da Organização das Nações Unidas (ONU).

Um dos exemplos desenvolvidos a partir desse método foi a construção de uma agenda territorial no Vale do Rio Itaim (PI), em 2019, com a participação de 20 lideranças comunitárias de sete localidades da região. O projeto buscou, principalmente, pensar o desenvolvimento sustentável do Vale do Rio Itaim.

Como resultado da iniciativa, foi elaborado um plano de ação que prevê ações de combate à pobreza, crescimento econômico e sustentabilidade ambiental. Ainda conforme a Agenda Pública, foram desenvolvidas também ferramentas de sistematização e monitoramento das ações, de forma que as experiências com bons resultados serão replicadas no âmbito estadual, com foco na implementação da Agenda 2030.

Conheça a iniciativa:

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