Publicado em
19/08/2024
Teoria reconhece a natureza como sujeito de direitos e como agente que possui valor intrínseco.
Por Letícia Queiroz, da Escola de Ativismo
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Já pensou como seria se os biomas fossem respeitados em todo o planeta? Se a exploração predatória de recursos naturais não fosse permitida? Se os cursos d’água e as moradas de várias espécies de animais fossem considerados como sujeitos? E se o “progresso” e o “desenvolvimento” não dependessem da destruição desenfreada de ambientes naturais?
Cada vez mais pessoas têm defendido que, assim como os seres humanos, a Natureza também tem direitos. Entre eles, o direito de regenerar seus ciclos biológicos, manter seu fluxo natural e existir com integridade e dignidade dentro das condições adequadas ao seu equilíbrio ecológico. Mas a exploração e extração dos chamados ‘recursos’ da Natureza, sejam eles renováveis ou não, provocam danos incalculáveis, e, muitas vezes, irreparáveis.
Mariana Lacerda, advogada indigenista e especialista em Direito Ambiental e Sustentabilidade, explica que os Direitos da Natureza consistem em uma teoria que amplia a concepção do que são os sujeitos de direito no sistema jurídico de um país. Segundo a advogada, os direitos devem abranger processos ecológicos numa perspectiva de serem eles próprios ‘sujeitos’ com direitos assegurados e não apenas objetos de proteção.
“Pensar nos Direitos da Natureza é colocá-la ‘em pé de igualdade’ quando se trata de direitos intrínsecos. A Natureza precisa ser considerada como sujeito de direitos, uma vez que tem o direito de se manter íntegra, mesmo que o ser humano precise dela para gerar lucro”, afirma Mariana.
Comunidades, ambientalistas e ativistas ao redor do mundo se voltam para este movimento de reconhecimento dos Direitos da Natureza. Entre os desafios está fazer com que grandes projetos que afetem os ecossistemas e que não permitem sua regeneração deixem de ser realizados para evitar o chamado ecocídio.
Avanços no Brasil e no mundo
Nos últimos anos houve um importante aumento no reconhecimento dos Direitos da Natureza no Brasil. O feito segue uma tendência internacional, iniciada por países como Equador e Bolívia, que parte do princípio de que a Natureza é, sim, detentora de direitos.
A Constituição do Equador foi a primeira no mundo a reconhecer expressamente os Direitos da Natureza. O processo no país surgiu a partir do pensamento e movimento dos povos indígenas e foi um marco global. O artigo 72 da Constituição Equatoriana afirma que “a Natureza ou Pachamama onde se reproduz e se realiza a vida, tem direito a que se respeite integralmente sua existência e a manutenção e regeneração de seus ciclos vitais, estrutura, funções e processos evolutivos”.
No Brasil, existem legislações municipais que reconhecem os direitos de rios, por exemplo. O Rio Laje, em Guajará-Mirim, cidade de Rondônia, foi o primeiro da Amazônia a ter direitos reconhecidos. A Lei Municipal 007/2023, de autoria do vereador e líder indígena Francisco Oro Waram, da etnia homônima, afirma que “ficam reconhecidos os direitos intrínsecos do Rio Laje como ente vivo e sujeito de direitos, e de todos os outros corpos d´água e seres vivos que nele existam naturalmente ou com quem ele se inter-relaciona, incluindo os seres humanos, na medida em que são inter-relacionados num sistema interconectado, integrado e interdependente”.
Conforme a ONG Mapas – organização internacional que promove caminhos para o Bem Viver e para o reconhecimento dos Direitos da Natureza – a primeira vez em que um rio teve seus direitos garantidos em lei no Brasil foi em 2018, no município de Bonito, no Agreste de Pernambuco. Na época, a legislação passou a prever amparo à preservação de seus recursos naturais, em especial dos cursos d’água.
Outro exemplo é o caso de Cáceres, no Mato Grosso. A medida havia sido aprovada por unanimidade pela Câmara Municipal após luta popular pela inserção dos Direitos da Natureza na Lei Orgânica do Município. No entanto, por pressão de ruralistas, os vereadores votaram pela revogação dos dispositivos e a conquista histórica foi derrubada.
Mariana Lacerda defende que um país que reconhece os Direitos da Natureza compreende que a exploração coloca em risco ou inutiliza a Natureza. Ela explica que apenas um modelo de produção que respeite o todo é legítimo. “Os Direitos da Natureza defendem que não existe uma separação entre o ser humano e o meio ambiente enquanto objeto, mas que todos somos interdependentes e vivos. É sobre a defesa da vida, seja em que forma for, de continuar existindo com integridade e dignidade”.
Meio ambiente versus desenvolvimento?
A relação entre desenvolvimento, democracia e meio ambiente é complexa. Ao mesmo tempo em que órgãos ambientais definem regulamentações, atos de infração e fazem fiscalizações de defesa ao meio ambiente, empreendimentos têm permissão institucional para explorar a Natureza. Ivan Rubens, educador popular, estudante e escritor, explica que organizações e movimentos ativistas podem – e devem – cobrar medidas às autoridades e exigir mudanças.
“Temos que lutar pelo que acreditamos e pelas bandeiras que nos mobilizam. No caso específico da luta pelos Direitos da Natureza, podemos pressionar o poder público. Agir junto aos poderes executivos desde os alvarás de funcionamento até as licenças de funcionamento, de instalação e operação de empreendimentos. Agir junto aos poderes legislativos para criação de leis que incluam os Direitos da Natureza e junto aos poderes judiciários para reconhecer que a vida é um direito para valer e que não há vida sem Natureza equilibrada. Isso é ter compromisso com a vida”.
Segundo Ivan, também é importante optar por formas de produção menos agressivas e não utilizar serviços e produtos advindos de exploração da Natureza, seguindo um estilo de vida mais sustentável.
“Faça uma lista dos nomes que estão envolvidos nas grandes destruições da Natureza no Brasil. Identifique quem polui, quem envenena nossa comida, nossa água, nossos corpos. Quem joga veneno para depois vender remédio. Faça uma lista de quem desmata, quem destrói, quem financia e quem ganha com isso. Perceba as forças econômicas, os agentes econômicos e financeiros que ganham com isso, os grupos políticos que ganham com a passagem da boiada”, afirmou.
Ivan explica que a luta atual pode mudar a realidade e melhorar a vida para todas as pessoas, dos animais e da Natureza como um todo.
“Não há vida específica sem a vida em geral. Nós somos a Natureza, não há separação. Se agredimos a Natureza, estaremos nos agredindo. Violentá-la e agredi-la é uma espécie de autoflagelo e de suicídio”.
O caminho que se apresenta é a conversão ecológica, ou seja, uma mudança radical na qual, ao invés de explorar o planeta, a Natureza e a vida até a exaustão, é necessário aprender a cuidar da Terra e uns dos outros, em uma lógica de inter-relação, cultivo e cuidado.
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