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Coluna Paulus Social

Publicado em

29/08/2023

Da conexão à comunhão: o contributo das religiões para superar o isolamento, a intolerância e o ódio no ambiente digital

Por Solange Silva*

Segundo dados recentes publicados pela SaferNet, organização de defesa dos direitos humanos em ambiente virtual, em 2022, houve 74 mil denúncias de crimes envolvendo discurso de ódio nas redes sociais, sendo a grande maioria casos de xenofobia, com um aumento de 874% em relação ao ano anterior. Logo a seguir, estão os casos de intolerância religiosa, com um aumento de 456%, e as agressões às mulheres, 251% a mais do que em 2021.

Para além de investigar o que está por trás desse aumento exponencial nos casos de agressão “virtual” – pois são já diversos os estudos nessa linha –, desejamos apresentar alguns contributos que as religiões dão para promover uma postura diferente no ambiente digital, o que nos leva a refletir sobre a fundamental diferença entre conexão e comunhão.

O ponto de partida é a diferença entre ouvir e escutar. Esse tema marcou as duas últimas mensagens do Papa Francisco para o Dia Mundial das Comunicações Sociais – comemorado em maio –, já em 2016, o Papa nos dizia que:

Comunicar significa partilhar, e a partilha exige a escuta, o acolhimento. Escutar é muito mais do que ouvir. Ouvir diz respeito ao âmbito da informação; escutar, ao invés, refere-se ao âmbito da comunicação e requer a proximidade.

Ouvir é um ato físico, nos deixa na aparência, na superfície, na simples conexão; enquanto o escutar é ato simbólico, psicológico, comunicativo, de interpretação, que nos conduz à profundidade das questões e das relações. O escutar ajuda a criar relações interpessoais mais autênticas e profundas. Somente o escutar cria verdadeira comunhão, pois nos coloca na posição de diálogo e aceitação do que o outro diz e pensa.

Cartaz do Dia Mundial das Comunicações Sociais

O verdadeiro diálogo depende da escuta, por isso, ele é o ponto de partida também para a superação do ódio e da intolerância, sobretudo nas redes sociais. Só através da escuta e do diálogo podemos crescer e mudar de opinião ou de postura. Só dialogando, entrando em contato com o “outro”, com o diferente, podemos melhorar, evoluir, nos superar, nos enriquecer cultural e intelectualmente.

Também o filósofo Byung-Chul Han chama nossa atenção para a incapacidade de escutar o outro na sociedade atual. No seu livro “A expulsão do outro”, Han afirma que “o rumor da comunicação, a tempestade digital de dados, nos torna surdos ao sussurro da verdade” e que

a rumorosa sociedade do cansaço é surda, a crescente focalização sobre o ego e a narcisação da sociedade tornam mais difíceis o exercício da escuta; a escuta convida o outro a falar, abre a ele o espaço da alteridade; a escuta é espaço de ressonância para a livre expressão do outro; a escuta reconcilia, cura, redime.”

Desse modo, não é difícil entender o aumento de abusos e crimes de ódio na internet. Na raiz do problema, temos a incapacidade de escutar e de dialogar. A incapacidade de superar o “eu” (visão redutiva, autorreferencial) para construir o “nós”, ou seja, de passar de uma simples conexão à verdadeira comunhão.

Nessa “surdez”, está também a raiz da multiplicação das fake news ou desinformação, fenômeno intimamente ligado à intolerância e às “bolhas” em que somos jogados pelo algoritmo que controla a web (o “inferno dos iguais”). O grande desafio da nossa presença nas redes é superar o egocentrismo para abrir-nos ao outro e estabelecer relação verdadeira além da simples conexão. Superar a visão redutiva de uma “vitrine”, ou seja, espaço para autopublicidade e autoexposição, fruto da cultura do like (seja pessoal ou institucional, lógica que alimenta Instagram, Facebook, Tiktok etc.), para se tornar espaço de relação, de comunicação e de ação partilhada. E aqui as religiões têm um papel fundamental.

O grande perigo das “bolhas” é a ilusão que criam. Ilusão de que conhecemos o mundo. Ilusão de unidade, de comunicação, de partilha, de diálogo. Quando falamos ou ouvimos somente nós mesmos ou os nossos iguais, desaparece o “outro”, que na linguagem religiosa diríamos “próximo”. O contributo que as religiões são chamadas a dar ao “enxame digital”, para usar outra expressão do filósofo Han, é “moldar a sua alma”, dar a esse grupo desorganizado de indivíduos uma espiritualidade da reunião, passando de uma série de “eus” (conexão) para um “nós” (comunhão).

Como sugeriu o Papa Francisco no encontro Religiões e Educação: Pacto Educativo Global (5 de outubro de 2021), as religiões podem contribuir para “educar para o acolhimento do outro”, o que implica superar a instrumentalização das redes e da comunicação em geral para humanizá-las. Somente humanizando as redes será possível transformar ódio em amor, intolerância em respeito, agressão em cuidado.

*Solange Silva é licenciada em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e em Teologia pelo Instituto São Paulo de Estudos Superiores (ITESP). Atua no campo da formação (assessora do Paulinas Cursos) e na produção de conteúdos para o ambiente digital (produtora e administradora da Paulinas webrádio).

• A mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial das Comunicações pode ser lida na íntegra aqui: bit.ly/RCC_06_59

• Conheça o discurso do Papa no encontro Religiões e Educação: Pacto Educativo Global (5 de outubro de 2021): bit.ly/RCC_06_60

• O site da SaferNet recolhe diversos tipos de denúncias ligados ao ambiente virtual. Acesse: new.safernet.org.br

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