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Publicado em

15/08/2023

Arte, Comunicação e Educação: decolonizar subjetividades para a garantia de direitos das juventudes

Libertar as subjetividades dos padrões colonizadores é um processo essencial para a retomada do controle do saber, ser e poder. Por Mauricio Virgulino Silva*

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A luta por transformação social em busca de equidade (racial, social, cultural, econômica, ambiental) passa diretamente pela decolonização das subjetividades, construídas a partir de diversas experiências significativas que temos ao longo da vida. Três áreas podem ser entendidas como primordiais para nutri-las: educação, cultura e comunicação.

Justamente por isso, o Estatuto da Juventude, que completa 10 anos neste agosto de 2023 (a Revista Casa Comum escutou o que jovens pensam sobre o documento), busca garantir direitos de fruição, criação e expressão de vivências, saberes e produções feitas por jovens. É na garantia do direito à educação, à cultura, à comunicação e à liberdade de expressão, e, também, à diversidade e à igualdade, que as subjetividades são construídas

Portanto, para assegurar esses direitos, devemos dialogar sobre as bases que sustentam as visões de mundo que semeiam uma efetiva estruturação de uma sociedade de equidade com e para as juventudes. É no campo das subjetividades que compreendemos e pensamos como agir no mundo. Por isso, a escritora Rosane Borges afirma que a decolonização do olhar (ou descolonização, como ela usa) é um imperativo estético e político de nosso tempo.

Entendendo a confluência entre arte, cultura, educação e a comunicação como espaço essencial para construção das subjetividades, o autor Nelson Maldonado-Torres apresenta, em suas dez teses sobre colonialidade e decolonialidade, conceitos e caminhos para o que ele chama de “Giro Decolonial“. Podemos destacar as quatro últimas teses, nas quais ele afirma que a “decolonialidade envolve um giro epistêmico decolonial, por meio do qual o condenado emerge como questionador, pensador, teórico e escritor/comunicador”[1], […] decolonialidade envolve um giro decolonial estético (e frequentemente espiritual) por meio do qual o condenado surge como criador”[2].

O giro epistêmico e o giro estético incitam a questionar, pensar, teorizar, escrever, comunicar, criar e produzir arte e comunicação com padrões estéticos e referências espirituais coerentes para a história e o contexto social, libertando nossa subjetividade dos padrões colonizadores, para retomarmos o controle do saber, do ser e do poder. 

Como inspiração deste movimento decolonial, encontramos artistas como Grada Kilomba, Conceição Evaristo, Daiara Tukano, Rosana Paulino, Clayton Nascimento, Renata Martins, Denilson Baniwa, entre tantos outros nomes. Esta produção epistêmica e estética decolonial só acontece efetivamente pois essas pensadoras(es)/artistas também atuam como agentes de mudança social.

A luta pela garantia dos direitos previstos no Estatuto da Juventude, deve estar pautada na decolonialidade das subjetividades, para que jovens sejam críticos(as), e saibam ler para compreender o mundo e escrever para transformar o mundo, como diz Paulo Freire. Esses e essas jovens devem poder produzir arte e comunicação sem ser mera reprodução dos padrões colonizantes, e para que se entendam como participantes de uma comunidade de ativismos. Isso já existe, e podemos citar os movimentos de arte de periferia, como o hip-hop e o slam, por exemplo. O que precisamos, na verdade, é mais apoio, estrutura e espaço.

Uma juventude que exerce e tem seus direitos assegurados promove mudanças, também para os que já não são jovens, e para quem será em breve. Somos um todo corpo social que se movimenta. Como seres que sofrem violentas colonizações, é urgente que as juventudes surjam como comunicadoras, artistas, educadoras, construtoras e valorizadoras de saberes, mobilizadoras e ativistas

Assim sendo, precisamos iniciar, desde já, a construção de um repertório decolonial, além de promover experiências decoloniais com nossas juventudes, para reavivar nossa memória, devastada pela colonialidade. É necessário reflorestar nosso pensamento, como diz a ativista indígena e psicóloga Geni Núñez.

Dessa forma, podemos nos colocar os seguintes questionamentos práticos:
> Quantos filmes ou séries de pessoas pretas ou indígenas você assistiu neste ano?
> Quantos podcasts com conteúdos que trazem outras formas de sentir e conhecer o mundo, com saberes e tecnologias ancestrais, você escutou?
> Quantos livros de jovens moradores(as) das periferias você leu neste ano?

Tenho a esperança que, na comemoração dos 20 anos do Estatuto da Juventude, o contexto será diferente em relação à colonização das subjetividades. A colonização/colonialismo foi um longo processo. Decolonizar também é. Mas precisamos agir. Como diz Emicida, levanta e anda. É tudo para ontem.

[1] MALDONADO-TORRES, Nelson, 2020, p. 46.

[2] MALDONADO-TORRES, Nelson, 2020, p. 48.

Referências bibliográficas 
BRASIL. Lei 12.852 de 5 de agosto de 2013.Institui o Estatuto da Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional de Juventude – SINAJUVE. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12852.htm Acesso em 07 ago. 2023.
BORGES, Rosane, A descolonização do olhar nas artes. conferência da Profa. Dra. Rosane Borges (ECA-USP). PPGCOM UFMG. Disponível aqui. Acesso em 07 ago. 2023.
FREIRE, Paulo. À Sombra Desta Mangueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
EMICIDA. Levanta e Anda. O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui. São Paulo: Laboratório Fantasma, Sony Music, 2013.
EMICIDA. É tudo pra ontem. São Paulo: Laboratório Fantasma, Sony Music, 2020.
MALDONADO-TORRES, Nelson. Analítica da colonialidade e da decolonialidade: algumas dimensões básicas. In: Joaze Bernadino-Costa, Nelson Maldonado-Torres, & Ramón Grosfoguel (Orgs). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. 2. ed.  Belo Horizonte: Autêntica, 2020, p. 27-53.
VIRGULINO, Mauricio. Cartas a Teodora: confluências para arteducomunicação decolonial. Belo Horizonte: Letramento, 2023.

Mauricio Virgulino Silva é educomunicador, arte/educador e professor. Doutor (2021) e Mestre (2016) em Artes pelo PPGAV/ECA/USP, especialista em Mídias na Educação pela parceria UFPE / MEC / NCE-USP (2013) e Licenciado em Educomunicação pela ECA/USP (2016).  Autor do livro Cartas a Teodora: confluências para uma arteducomunicação decolonial, lançado em 2023. Atua na inter-relação Arte/Comunicação/Educação em pesquisa, formação e coordenação de projetos. É o atual vice-presidente da ABPEducom – Associação Brasileira de Profissionais e Pesquisadores em Educomunicação.

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