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Publicado em

09/05/2023

“Toda essa desigualdade tem como base a colonização, que continua acontecendo até hoje”, afirma Edgar Villaneuva

Por Daniele Próspero

“A colonização não é algo que ocorreu há muito tempo. Ela continua acontecendo até hoje. Precisamos perceber que toda essa desigualdade presente tem como base a colonização. Nas escolas aprendemos, na aula de história, como se a colonização fosse motivo de orgulho, dos feitos. Mas, na verdade, ela foi uma conquista, uma exploração gerada por ganância e medo. Vimos o extermínio dos povos indígenas e dos negros neste processo. A estimativa é que 40% dos escravos que vieram para as Américas tiveram como destino o Brasil, que foi o último país ocidental a abolir a escravidão. Essa é a história que herdamos.”

Essa é a análise de Edgar Villanueva, indígena, ativista e especialista em raça, riqueza e filantropia, diretor do Decolonizing Wealth Project e Liberated Capital e autor do livro premiado Decolonizing Wealth (em tradução livre “Decolonizando a riqueza”, sem edição ainda no Brasil). Edgar trouxe suas percepções sobre o tema durante o 12º Congresso GIFE, realizado em abril em São Paulo, e teve como tema Desafiando Estruturas de Desigualdades.

Na avaliação de Villanueva, a sociedade está acometida por um “vírus colonizador”, que permeia todo o sistema de educação, de agricultura, da política ambiental etc. tendo em vista a forma como os recursos são investidos, a partir do processo de acumulação, tal como na colonização. “É uma supremacia branca, que se faz presente, mas que talvez não é tão óbvia. Isso porque ela está impregnada. É tão normal, que a gente não percebe que ela ainda está acontecendo, porque só tivemos isso de experiência”, analisa, destacando que esse processo se faz presente, inclusive, no apoio a iniciativas no campo socioambiental.

“Até na filantropia vemos questões que refletem as dinâmicas coloniais. Quando falamos que as organizações e/ou grupos têm que fazer de tal jeito porque nós temos o dinheiro, não confiamos que eles têm condições de realizar em acordo com a sua realidade? A descolonização é justamente o processo de desfazer a colonização. Temos que respeitar a decisão dos povos indígenas, por exemplo, de desenvolverem suas iniciativas. Eles sabem quais são os melhores caminhos”, pondera.

O ativista refletiu também sobre como fazer esse processo de descolonização, que, para ele, deve ter como ponto de partida o reconhecimento do que realmente ocorreu na história da humanidade e, a partir daí, todos – sejam pessoas brancas, negras, indígenas etc. – se comprometerem com um processo de cura. “A colonização deixou marcas em todos. Os anos de opressão impacta a todos nós, claro que de maneira diferentes. Mas, precisamos quebrar os ciclos de abusos, nos curarmos, para expandir as possibilidades de futuro. A nossa interdependência é inescapável. Temos que nos curar e todos trabalhar juntos para descolonizar o mundo”, acredita.

Para Villanueva, a pobreza ainda tão presente no Brasil e em todo o mundo, foi criada de maneira intencional e é produto de políticas públicas, que continuam a trazer vantagens a certos grupos e permanecem a oprimir outros povos. “Isso tudo é resultado da ideologia e supremacia branca, ou seja, de que são superiores e isso desumaniza os outros grupos. Trata-se de um conceito, uma filosofia, que foi construída para machucar as pessoas. E essa ideia de supremacia destrói as pessoas não brancas, mas também traumatiza as pessoas brancas. Precisamos destruir essa ideologia, que é parte intrínseca das ações. Se não falarmos sobre isso não temos como avançar.  E como mudamos isso? Não adianta só dar dinheiro. Não vamos chegar onde queremos se não acelerarmos as mudanças. Precisamos pensar e criar novas políticas públicas para alterar esse resumo”, aponta.

E esse novo rumo das políticas, na avaliação do especialista, é a de reparação histórica, ou seja, não só transferência de recursos, mas redistribuição da riqueza de onde foi roubada. “Muitas das nossas comunidades tinham riquezas, terras, e foram tiradas de lá. Temos que entender como nossas instituições se beneficiaram da colonização, da escravidão e de outras formas de opressão. Temos que redistribuir o poder e os recursos que conseguimos adquirir. Os recursos devem ser compartilhados de uma forma mais equitativa e precisam chegar nas periferias.”

Por fim, para Villanueva, aponta como um caminho oportuno o investimento nas comunidades e nas organizações de base, inclusive formando as pessoas para que empoderem os cidadãos e estes possam pressionar os legisladores, sejam também eleitos e tenham cargos públicos, a fim de que cooperam com o Estado  no desenho de políticas mais equitativas.

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