Publicado em
23/11/2023
O sangue de pescador artesanal de Alexandre Anderson, 53 anos, vem de seus avós, os quais viviam na Ilha da Madeira, situada no Oceano Atlântico e pertencente a Portugal. A luta do neto de portugueses também se dá em águas atlânticas, porém na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro.
Por Elvis Marques
Com toda essa ancestralidade na veia, a liderança, atuante na região desde 1997, considera os pescadores e as pescadoras “guardiões do ecossistema onde vivem. Onde tem faxinalenses, quilombolas e indígenas, o meio ambiente está preservado.” Em sua comunidade, Alexandre destaca duas principais problemáticas socioambientais: a poluição marinha e o petróleo.
A Baía de Guanabara é considerada a segunda maior do litoral brasileiro. Suas águas banham sete municípios: Duque de Caxias, Guapimirim, Magé, Niterói, Itaboraí, São Gonçalo e a capital Rio de Janeiro. São 380 km² que abrigam mais de três mil pescadores e pescadoras em 28 comunidades, conforme pesquisa da Associação de Homens e Mulheres do Mar da Baía de Guanabara (Rede AHOMAR), a qual é presidida por Alexandre. “É um lugar de vida, que estamos lutando para melhorar”, ressalta.
É esse senso de cuidado que sensibiliza Alexandre mesmo após 23 anos de um dos maiores desastres ambientais já registrados no Brasil: em janeiro de 2000, um duto da Petrobrás, que conectava a Refinaria Duque de Caxias ao terminal Ilha d’Água, na Ilha do Governador, se rompeu e jogou às águas da baía cerca de 1,3 milhão de litros de petróleo.
Resistência
Com 1.782 associados, a AHOMAR denuncia, desde 2007, os impactos socioambientais e as violações de direitos humanos em meio à construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ), tido como um dos maiores investimentos da história da Petrobrás.
Um manifesto divulgado em 2012 pela Justiça Global aponta que, em 2009, integrantes da AHOMAR ocuparam as obras de construção dos gasodutos submarinos e terrestres de transferência de Gás Natural Liquefeito e Gás Liquefeito de Petróleo. A ação, com 38 dias de duração, denunciava que as obras inviabilizaram a pesca artesanal na Praia de Mauá-Magé. Após essa mobilização, foram sucessivos outros atos ao longo dos anos subsequentes.
>> Acesse o manifesto: bit.ly/RCC_07_48
Mortes e exílio
E foi essa inspiração, em defender o modo tradicional de vida dos pescadores, de respeito ao meio ambiente e ao ofício de tirar o sustento das águas, que já rendeu incontáveis conquistas, conflitos e perdas, inclusive humanas, para a AHOMAR.
No dia 22 de maio de 2009, Paulo César dos Santos, tesoureiro da associação, foi assassinado com um tiro na cabeça. Ele estava junto com a esposa e seus filhos no momento do crime. Em 2010, Márcio Amaro, membro fundador da AHOMAR, foi morto a tiros em casa.
Dois anos depois, foram mortos os pescadores e membros da associação João Luiz Telles, conhecido como Pituca, e Almir Nogueira. O corpo de Almir foi encontrado junto ao barco submerso, em Magé (RJ). Já Pituca foi localizado com os pés e as mãos amarrados, em São Gonçalo (RJ). Antes de serem mortos, ambos já haviam sido ameaçados.
“Eu vejo o mar como a minha casa. Muitos pescadores vivem mais nas águas do que na terra. Temos uma relação amorosa e cultural com o mar. A gente chora ao ver um mangue desmatado ou poluído, e não é pela questão financeira, mas sim pela degradação da vida”, contextualiza Alexandre.
Alexandre, por denunciar os impactos socioambientais e a morte de seus companheiros, foi e continua sendo ameaçado de morte, tendo de ser acompanhado pelo Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH). Em 2013, ele e a família precisaram ser retirados da comunidade, por sete anos, devido ao aumento das ameaças, atentados e arrombamento da sede da AHOMAR e da casa da liderança. “Foi um exílio”, conta.
Após esse período conturbado, o que antes era uma associação, se tornou uma rede. A AHOMAR tem estimulado a criação de outras associações de pescadores e pescadoras, como a Amo Pescar, composta por mulheres e LGBTQIA+. “Isso é muito interessante, pois ajuda a fortalecer a luta pesqueira e olhar para os impactos do aquecimento global, que não estamos vendo, e sim vivenciando. É algo que impacta o nosso sustento”, atesta Alexandre.
O Mapa de Conflitos, Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, produzido pela Fiocruz, elencou alguns dos principais impactos socioambientais encontrados na comunidade pesqueira: alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, assoreamento de recurso hídrico, falta/irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, poluição de recurso hídrico e insegurança alimentar, além dos casos de violência física.
Fique por dentro
Marco temporal versus tradicionalidade
A Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR) estima que existam aproximadamente 1.500 comunidades de fundo e fecho de pasto na Bahia. Segundo a organização, essas são “populações descendentes de indígenas e quilombolas que, há séculos, ocupam áreas comuns para criação livre de animais de pequeno porte, colheita de frutos e plantio de roças, preservando fortes laços de relacionamento cultural, familiar e compadrio.”
Aryelle Almeida, assessora jurídica da AATR, explica que essas populações são fundamentais para manter o Cerrado e a Caatinga em pé.
“No oeste da Bahia, no município de Correntina, o Cerrado permanece preservado onde há comunidades tradicionais. Inclusive, essas áreas são onde o agronegócio mais almeja, seja para colocar [ilegalmente] suas áreas de preservação ambiental, seja para expandir sua produção. No ano passado, apenas na comunidade Vereda da Felicidade, ocorreu um desmatamento de 2.200 hectares, o que acarretou o fim de uma nascente de água.”
A organização aponta que, apesar da relevância histórica, social, cultural, territorial e de serem reconhecidos como guardiões dos dois biomas, os fecheiros têm sofrido com a apropriação ilegal de terras de uso comum, secamento de nascentes e rios e violência contra lideranças comunitárias em decorrência da expansão do agronegócio e de empreendimentos predatórios que avançam nos territórios tradicionais.
Uma vitória importante para a regularização dos territórios desses povos tradicionais vem do Supremo Tribunal Federal (STF): em setembro de 2023, por maioria dos votos, a corte decidiu pela nulidade do marco temporal, o que, de acordo com a AATR, violava o direito ao autorreconhecimento.
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