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Retrato Brasil

Publicado em

29/01/2025

A comunicação dos povos nas suas múltiplas expressões

Retrato Brasil da 11ª edição da Revista Casa Comum - Henrique Tabajara*, Daiane Carlos Hohn* e Silvana Martins*.

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Falar de comunicação é dar luz à expressão de ideias que fazemos de forma oral, das conversas cotidianas com a família e com a comunidade. É também a expressão escrita, pelas mensagens enviadas nas redes sociais e nos bilhetes anotados à mão.

Mas a expressão comunicativa vai além. Ela é a corporeidade, os gestos, a dança, o teatro, o canto, a contação de histórias, a poesia falada e escrita, as fotografias, as pinturas, os bordados, a música, as rendas, entre tantas outras expressões que mostram o cuidado, a resistência e a luta dos povos em seus territórios, que ultrapassam as palavras e as tecnologias digitais. Conheça, neste Retrato Brasil, um pouco mais sobre algumas dessas expressões.

Por Henrique Tabajara

Como indígena, carrego no corpo a memória dos meus ancestrais. As pinturas que traço em minha pele não são apenas estética, mas uma linguagem viva. Cada linha, cada traço carrega um significado profundo, uma história que me conecta à minha gente e à terra. Através dessas marcas, comunico meu pertencimento, minha resistência e minha espiritualidade.

A dança é outro modo de falar com o mundo. Quando meu corpo se move, é como se as palavras tomassem forma no ritmo da Natureza. É o som da terra respondendo, a voz dos meus antepassados ecoando. Esse movimento é uma oração, um grito, uma celebração de vida. Dançar é contar histórias, é manter viva a cultura que muitos tentam apagar.

Por meio dessas expressões, nossa cultura continua a existir, a se expandir. Nossa comunicação é orgânica, está impressa no corpo, na pele, em nossos gestos. Não deixamos que a modernidade nos silencie; ao contrário, pintamos nossas lutas, dançamos nossa resistência e, assim, seguimos contando quem somos.

Por Daiane Carlos Hohn

São mais de três décadas de história do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e as mulheres atingidas sempre lutaram por seus direitos em seus territórios. Foram realizados diversos encontros com as mulheres de diferentes regiões com o objetivo de fomentar a participação e construir coletivamente um entendimento de como as barragens afetam suas vidas.

Nessa caminhada, a partir de 2013, resgatamos a técnica das Arpilleras, uma técnica que nasceu no Chile, a partir do trabalho de mulheres que criavam composições com pedaços de tecidos de roupas para denunciar o desaparecimento de familiares durante o período da ditadura militar de Pinochet.

Então adotamos como uma metodologia de trabalho popular, que serviu de instrumento para potencializar o trabalho político e organizativo das mulheres do MAB, possibilitando fazer a denúncia das violações causadas pelas barragens e a afirmação do que querem construir.

Por meio dessa expressão artística, as atingidas costuram e bordam a denúncia das violações de seus direitos e, também, as reivindicações, tecendo por meio do fio, da juta e da linha, questões sobre as políticas de desenvolvimento existentes no país na área da energia, água, mineração e privatizações. Denunciamos os ataques contra a Amazônia, a situação de insegurança gerada pelas barragens, pelo modelo energético, pelos casos emblemáticos de Mariana e Brumadinho (MG) e riscos eminentes de novos rompimentos, pela exploração infantil e vulnerabilidade das mulheres, pela violação de direitos gerada por grandes empreendimentos e pelos eventos extremos da crise climática que deixam nossos territórios na mira do perigo e da destruição no campo e nas periferias urbanas, bem como a opressão e exploração do modelo capitalista e patriarcal.

Por meio da confecção das Arpilleras, as atingidas conseguem expressar aquilo que, muitas vezes, não conseguem traduzir em palavras. São mais de 300 peças já bordadas de forma coletiva, pelas mãos das mulheres atingidas de todas as regiões do Brasil.

*Daiane Carlos Hohn é graduada em Administração Rural e Agroindustrial pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul e especialista em Energia e Sociedade no Capitalismo Contemporâneo. Mestranda em Desenvolvimento Territorial na América latina e Caribe. É membro da Coordenação Nacional do MAB e do Coletivo Nacional das Mulheres Atingidas.

>> Conheça mais em: instagram.com/atingidosporbarragens

Por Silvana Martins

O projeto “Poesia nos Muros” nasceu de um desejo latente de ver a poesia, que eu acessava via saraus realizados nas periferias de São Paulo, como a Cooperifa, o Sarau do Binho, o Sarau da Ademar, entre tantos outros, tomando conta das quebradas, nos espaços públicos, levando a literatura periférica para as ruas, literalmente. Extraí-las das páginas dos livros comuns e apresentá-las em um novo suporte – público, efêmero e repentino –, como é o lambe-lambe, me ajudou a criar um livro de poesia a céu aberto.

A cada saída, podia ver a poesia brotar inusitadamente para um olhar curioso, como um presente, um desafio ou um respiro. Nas contínuas leituras espaçadas, sílaba a sílaba, em voz alta, de leitores iniciantes, entendi a potência daquele convite à leitura para o povo, mesmo disputando lugar com tantos outros signos, gerar nova percepção do cenário urbano periférico e diminuir a distância tão comum, dada a educação deficiente que nossa classe social recebe, com a literatura.

E assim acontece, desde o primeiro rolê, em 2014, com as frases do poeta Sérgio Vaz, até hoje, com uma curadoria de poesia periférica contatando poetas das quebradas e oferecendo o suporte do lambe-lambe para realizar nossas intervenções que já circularam pelos bairros e tantas regiões da capital paulista.

*Silvana Martins é artista visual, designer gráfica, ilustradora e arte-educadora. Desde 2006, desenvolve trabalhos gráficos e ilustrações para editoras e produção cultural periférica. É idealizadora, produtora e lambedora da intervenção urbana Poesia nos Muros, desde 2014. Editora de arte premiada por excelência em Design pela Society for News Design 2012 e pela Editora Globo em 2013.

>> Conheça mais em: instagram.com/poesia_nosmuros

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