Publicado em
08/03/2023
Na série Mulheres que cuidam da Casa Comum, militantes relatam suas histórias de luta e enfrentamento de preconceitos, racismo, machismo em prol da defesa de seus direitos
Por Maria Victória Oliveira
Malala Yousafzai, Bell Hooks, Angela Davis, Greta Thunberg, Maria da Penha e Marielle Franco. O que elas têm em comum? São meninas e mulheres de diferentes idades e nacionalidades que, em razão da luta em seus países e campos de interesse – como equidade racial, garantia de direitos do público feminino e implementação de medidas para desacelerar e reverter as mudanças climáticas -, tiveram reconhecimento mundial.
Além dessas ativistas, quantas outras dedicam suas vidas diariamente pela garantia de direitos humanos e ambientais em suas comunidades e territórios? Quantas articulam-se a outras mulheres, igualmente militantes, para promover avanços em múltiplas frentes, que vão desde a garantia de direitos fundamentais de meninas e mulheres, ao direito à moradia, saúde e educação? Quantas têm suas histórias de vida intrinsecamente conectadas a sua história de ativismo e militância? Quantas cresceram inspirando-se em outras mulheres de luta?
Em comemoração ao 8 de março, data em que é celebrado o Dia Internacional de Luta das Mulheres, a Revista Casa Comum promove a série especial Mulheres que cuidam da Casa Comum, iniciativa que pretende visibilizar e fortalecer a atuação de mulheres de diferentes regiões do Brasil que lutam em defesa dos direitos humanos e socioambientais, no campo e na cidade, durante todo o mês de março.
Retrato Brasil: a centralidade da mulher nos domicílios brasileiros
Além de representarem mais da metade da população do país, inúmeros estudos e pesquisas comprovam que mulheres também estão à frente quando o assunto é o sustento da casa.
De acordo com uma pesquisa da fintech Provu, 69,3% das mulheres participantes do levantamento são a principal fonte de renda de suas casas. Outra pesquisa, da consultoria IDados com base em informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são 34,4 milhões as mulheres financeiramente responsáveis pelo domicílio, ou seja, quase metade das residências brasileiras.
De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o percentual de lares comandados por mulheres saltou de 25% em 1995 para 45% em 2018. Já um estudo realizado pelo Grupo Globo aponta que 48,7% das famílias são chefiadas por mulheres.
Mesmo assim, os efeitos da desigualdade de gênero, do machismo e do racismo tão presentes na estrutura e funcionamento da sociedade brasileira também marcam presença nos indicadores coletados pelas pesquisas. Segundo o boletim Desigualdade nas Metrópoles, produzido pelo Observatório das Metrópoles, em parceria com a Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul (PUCRS) e a Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina (RedODSAL), no terceiro trimestre de 2021, ainda durante a pandemia de Covid-19, as famílias chefiadas por homens nas metrópoles brasileiras tinham média de renda 60% superior à média das famílias chefiadas por mulheres.
Defensoras invisíveis
Quem são as mulheres anônimas que atuam todos os dias em seus territórios pela defesa dos direitos humanos e da terra? Quais são suas origens? Como começaram sua militância e seu ativismo? Quem caminha a seu lado?
Para a realização desta reportagem, a Revista Casa Comum contou com a colaboração de conselheiras, organizações e profissionais parceiras, que indicaram jovens, mulheres e senhoras que não contam com visibilidade ou projeção pública, mas que se dispuseram a compartilhar suas histórias de vida, de luta e de resistência em defesa dos direitos humanos e da terra. Conheça a seguir os relatos de Ana Lucia, Cacica Cátia, Cícera, Márcia e Sarah:
Nome: Ana Lucia Montel da Silva
Território/localidade: Roraima
Descritivo: Mulher negra amazônida, mãe, ativista, comunicadora popular e militante social desde os 12 anos de idade. Fundadora da Resistir Produções Roraima, Agência amazônida independente de Comunicação Popular e produção cultural que atua com pautas voltadas para migrantes, indígenas, mulheres, negros e povos amazônicos a partir do audiovisual.
“Para nós enquanto povo negro, somos resistência desde que nascemos. Sempre digo que o fato de estar viva é minha maior resistência.”
Com pai sindicalista, Ana Lucia Montel cresceu em meio à militância. Desde seus 12 anos, conhece de perto a luta de trabalhadores da construção civil, onde começou sua atuação social. No ensino médio, integrou grêmios estudantis e no sindicato, participou da comunicação. Essas experiências incentivaram o início no curso de Jornalismo na universidade, quando notou a baixa – ou até inexistente – representativdade do povo negro, seja na sala de aula, onde, além de uma aluna indígena, era a única aluna negra, seja no mercado de trabalho.
Depois de um período no qual trancou o curso desmotivada e crente que a profissão não era seu lugar, retorna à universidade em diálogo com colegas no sentido de criar alguma solução para promover maior representatividade dentro do curso e também enquanto atuação profissional. Surge, então, a ideia de fundar a Resistir Produções Roraima, uma agência de comunicação popular criada pelo povo e para o povo.
Hoje, a produtora, que conta com mais de 900 seguidores no Instagram, já é referência quando o assunto é comunicação popular e produção cultural em Roraima. Tudo é feito a partir de celulares e sem financiamento. São voluntários que acreditam na importância de uma comunicação popular que retrate a diversidade dos povos. Para Ana, todo o trabalho trata-se de inspirar e mostrar as jovens e adolescentes da periferia que, apesar dos desafios diários, é possível contar sua história.
“Sabemos que nossas narrativas e vivências são ainda mais marginalizadas pela grande mídia hegemônica, que só se importa com a gente quando é para mostrar nossos corpos mortos, mulheres espancadas e indígenas morrendo. A Resistir surge com a ideia de apresentar uma alternativa de comunicação popular. Atuamos hoje no estado de Roraima com povos indígenas, migrantes, mulheres e negros e com a questão cultural. Fazemos várias intervenções artísticas com objetivo de levar informação para a periferia e mostrar que ninguém melhor do que nós mesmos para contar nossas histórias e narrativas.”
Nome: Cacica Cátia
Território/localidade: Território indígena Tupinambá de Belmonte, na Bahia
Descritivo: Educadora, defensora dos Direitos Humanos. Incluída no PPDDH (Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas).
“É uma luta ser aceita como mulher militante e guerreira, que quer ajudar na luta em defesa da vida e do território. Precisamos ser duplamente fortes porque vivemos em uma sociedade patriarcal e machista. Isso é muito difícil para as mulheres.”
A história de Cacica Cátia é marcada por sucessivas perdas e golpes. Em 2006, diante de uma situação de conflitos por terras e ameaças ao Cacique, sua comunidade a elege Cacica, o que, apesar do choque inicial, foi uma alegria e um desafio. Ela conta que, de certo modo, já estava preparada para bater de frente com fazendeiros e outras pessoas interessadas nas terras dos Tupinambá de Belmonte, na Bahia, um território fértil e repleto de minérios.
Desde então os conflitos nunca cessaram. Em 2014, no auge de uma situação de disputa, em meio a constantes ameaças recebidas por telefone, uma ligação disse que, se ela não parasse de atuar em defesa do território, algo lhe seria tirado e lhe causaria arrependimento. Na mesma época, seu filho perde a vida em um acidente. Um carro sem placa de identificação bate em sua moto e é ateado fogo. O caso segue sem esclarecimentos e já foi arquivado por parte da justiça por falta de provas. Em 2019, um novo ataque. Dessa vez, seu enteado, filho de seu marido, desaparece no trajeto até a aldeia e, ainda hoje, tem seu paradeiro desconhecido. Já em 2020, perde seu companheiro de luta e de vida para a Covid-19.
Apesar de a vida não ter sido fácil para Cátia, a Cacica não desanima e afirma não ter se arrependido. Hoje, ela conta que a luta é por sobrevivência, já que seu povo sofre ataques de todos os lados e a todos os momentos. “Como vítima, eu divulgo onde posso e o meu desejo é divulgar ao mundo que somos vítimas de pessoas que estão tentando nos exterminar. Os Tupinambá de Belmonte já foram considerados extintos e nós nunca saímos daqui. É uma faixa de terra muito fértil que vai próximo do litoral a três grandes lagoas. Recentemente, um fazendeiro conseguiu uma autorização para pesquisar e explorar minério. Imagine o impacto disso no meio ambiente e nas nossas vidas.”
Não se trata, portanto, de uma disputa simples. São multinacionais dos ramos da agricultura, agropecuária e celulose, além de fazendeiros, mineradores e madeireiros que têm interesse no território. Tudo isso inspira a Cacica a continuar lutando à frente de seu povo.
Ela foi uma das mulheres, inclusive, que prestou apoio ao Cacique anterior. “Quando identificamos que nosso Cacique precisava de ajuda, as mulheres da comunidade entraram em cena, mulheres comuns, iguais a mim, donas de casa, mães de família, agricultoras. Mulheres que não se destacam na mídia, mas que têm uma força muito grande, que conseguem levantar um grupo de homens ao dizer ‘vamos’, e os homens acompanham. Isso é muito bonito e importante, mas é muito difícil.”
Desde quando escolhida Cacica, em 2006, foram inúmeras as ameaças. Certo dia, foi acordada de madrugada com tiros à sua porta, enquanto dormia no quarto com o seu neto, de apenas nove anos, mesmo com sua casa e a principal entrada da aldeia vigiadas por câmeras. Nessas situações, Cátia paralisa. Ela analisa que o fato de ser mulher contribui ainda mais para a não aceitação de sua luta. “Em um dos telefonemas de ameaça, uma voz masculina me disse ‘Se você fosse pelo menos um homem. Você é uma mulher, vá procurar o seu lugar.’ Essa frase me marcou e me dá forças para continuar lutando. Isso já faz uns oito anos, mas sempre lembro durante nossas reuniões na comunidade.”
Cacica Cátia conta que todas essas experiências e histórias de luta e sofrimento fazem com que ela viva seus dias como se fossem o último. Hoje, só se desloca com escolta. “É por tudo isso que quero fazer sempre mais, porque não sei se amanhã eu conseguirei. Não sei até quando vai durar tudo isso.”
Com esperanças renovadas para 2023, tem certeza que os conflitos continuarão, mas torce pelo surgimento de novas lideranças e mais mulheres com o desejo de continuar lutando. “Seja por uma criança que adoeceu e os pais não conseguiram transferência para uma unidade de saúde de médio porte, ou um estudante que não conseguiu matrícula. Em tudo eu vejo um motivo para lutar por dias melhores.”
Nome: Cícera da Silva Martins
Território/localidade: Planalto Pici, em Fortaleza
Descritivo: Pedagoga, atua na Biblioteca Comunitária Espaço de Leitura GDFAM. É articuladora da pastoral do menor da Arquidiocese de Fortaleza, membro das comunidades eclesiais de base, do Movimento dos Conselhos Populares, da Frente de Luta por Moradia Digna e conselheira de saúde.
A vida de Cícera Martins na comunidade Planalto Pici, em Fortaleza, começou de uma forma trágica. A pedagoga deixou sua casa e emprego em outro bairro para fugir da violência doméstica. No Pici, passou a atuar junto às comunidades eclesiais de base (conhecidas como CEBs) e às irmãs inseridas na comunidade, que convidaram Cícera para participar dos trabalhos tanto de evangelização como de educação na escola de ensino infantil que mantinham na região. Além do trabalho com as crianças, também eram realizadas com as famílias e principalmente as mães: novenas, campanhas da fraternidade e formações. Foi a partir dessas ações que criaram o Grupo de Desenvolvimento Familiar (GDFAM), que por muitos anos atuou com educação na região.
Cícera conta que foi em 2009, com o Plano Diretor de Fortaleza, que mergulhou “de cabeça” na luta pela moradia. Apesar de o Planalto Pici ter sido aprovado como uma Zona de Interesse Social (ZEIS), foi somente na revisão do Plano Diretor, em 2016, que foi possível a realização do chamado PIRF, o Plano Integrado de Regularização Fundiária, instrumento necessário às ZEIS que integra economia, saúde pública, moradia, urbanismo e cultura. “Nós não vemos a moradia apenas como um teto sobre nossas cabeças. Para mim, a moradia é a porta de entrada de todos os outros direitos. Agora estamos lutando junto a outros bairros de Fortaleza para que o PIRF saia do papel, mas esse processo está embarreirado pela prefeitura.”
Mesmo com todas as dificuldades, Cícera comenta sobre a importância de parcerias que apoiam os movimentos de luta por moradia, como docentes da Universidade Federal do Ceará (UFC), que contribuem com formações e orientações para que todos possam compreender melhor todas as questões relativas ao espaço urbano, além de outras iniciativas, como o Projeto Sinergia, que oferecia formações às mulheres sobre a questão da moradia e garantia de direitos.
Apesar de ter uma atuação mais forte na questão da habitação e educação, Cícera também atua em outras frentes. A construção de um equipamento de cultura por parte da prefeitura afetou diretamente o terreno onde ficava uma escola, uma creche e o posto de saúde. Foi por conta de uma mobilização da comunidade, que contou com abaixo assinado para acionar o Ministério Público e audiências públicas que foi estabelecida uma parceria com a UFC, que cedeu uma parte de seu terreno para a construção do posto de saúde. A unidade de saúde antiga só deixou de funcionar quando o novo prédio já estava em funcionamento.
Para Cícera, a militância das mulheres é fundamental, sobretudo ao observar a baixa participação feminina no campo político partidário. “Nós, mulheres, somos maioria no Brasil. Mas no Congresso, há uma participação mínima. Nas comunidades, a luta é mais feminina e nas reuniões sempre há mais mulheres, mas ainda falta muita formação política para que elas entendam o poder e o direito que têm.”
Ela enxerga com tristeza a retomada e acentuação do machismo dentro das igrejas, comenta sobre a realização de campanhas na comunidade sobre a divisão de tarefas domésticas e reforça a importância de formações para que mulheres donas de casa, por exemplo, possam valorizar mais seu trabalho como mantenedoras do lar e possam compreender mais a fundo sobre previdência privada, para que tenham seu próprio dinheiro quando se aposentarem.
“Eu e outras companheiras que estão mais na frente fazemos um trabalho para que outras mulheres se encantem e venham a participar publicamente. Tentamos levar formações sobre autocuidado e autovalorização. Nem toda mulher vai sair lutando e fazendo essas coisas que algumas de nós fazem, mas que tenham pelo menos a firmeza dentro do lar para afirmar ‘eu sou importante’.”
Nome: Márcia Palhano
Território/localidade: Maranhão
Descritivo: Maranhense, nordestina, pedagoga, educadora popular, militante da luta preta e Agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no interior do Maranhão.
“Costumo dizer que nós, pretos e pretas, lutamos para existir ou existimos mas não estamos vivos. Toda a minha história e dos meus pais me leva para esse caminho de encontro com povos com a mesma luta, que é a luta para existir, para que seus modos de vida sejam respeitados, assim como suas ancestralidades e identidades.”
A trajetória social de Márcia Palhano começa ainda jovem, junto às comunidades eclesiais de base, como na Pastoral da Juventude. Pouco depois de completar 18 anos, passa a integrar a Pastoral da Terra, inspirada por uma vivência junto a mulheres quebradeiras de coco babaçu em sua cidade, Dom Pedro, no interior do Maranhão. A vegetação da região é composta predominantemente por babaçuais, e, por essa razão, são muitas as mulheres que vivem do extrativismo, lutando não somente para acessar os babaçuais em propriedades privadas, mas para manter os territórios livres e também pelo reconhecimento de sua identidade.
Além do contato com o grupo de mulheres, a atuação de Márcia enquanto ativista nos conflitos agrários da região também veio por influência de sua origem familiar. “Eu sou uma mulher preta desterritorializada. Nasci na cidade, não moro em uma comunidade rural. Mas por conta da origem da minha família e por ser uma mulher preta, eu tenho essa consciência.”
Hoje, soma quase 20 anos militando junto a povos e comunidades tradicionais no Maranhão no que diz ser um desafio diário em meio a uma porção de mazelas e violações de direitos. Para Márcia, a força para seguir vem da própria luta, que a alimenta espiritualmente e incentiva que siga resistindo com rebeldia, mesmo em meio às contradições e dificuldades impostas sobretudo às mulheres pretas.
Enquanto membro da Comissão Pastoral da Terra, Márcia atua no que chama de grupos de acompanhamento, que realizam um trabalho de formação para comunidades, instruindo-as sobre seus direitos, suas lutas e seu pertencimento no território, além de pensar conjuntamente em estratégias para ajudá-las nesse processo de resistência.
Enquanto militante, Márcia fala sobre a oportunidade de acompanhar outras mulheres ativistas invisibilizadas pelo racismo estrutural e institucional do Estado para com os povos do campo, e o quanto isso representa uma força política.
“Sabemos que a luta de uma mulher vai juntando outras lutas por garantia de direitos e também legitima a empoderar outras mulheres. São pessoas tão violentadas e invisibilizadas e mesmo assim continuam a dar força umas para as outras. É essa força que gera vida, fortalece processos de luta e encoraja outras mulheres a se somar, por acreditar que são agentes protagonistas e capazes, que fazem muito por suas comunidades e territórios. Nós, mulheres, somos essas agentes de força e de construção social que levam a fazer com que outras se sintam capazes de somar nessa luta pela vida.”
Nome: Sarah Marques
Território/localidade: Recife (PE)
Descritivo: Co-fundadora do Coletivo Caranguejo Tabaiares Resiste, educadora popular, conselheira do IPAD, Rede Mulheres negras de Pernambuco, Fórum de mulheres negras de Pernambuco, GT de Gênero e Clima do OC.
Nascida e criada em Caranguejo Tabaiares, uma comunidade centenária pesqueira de Recife, Sarah Marques tornou-se uma das principais figuras no movimento de defesa do território. Isso porque, como ela conta, quem nasce na favela já sabe que, a cada dois anos, o poder público faz promessas de melhorias que, na verdade, demoram a chegar ou nunca chegam de fato.
Hoje, cerca de seis mil pessoas moram na comunidade, uma das Zonas de Interesse Social (ZEIS) de Recife. Em 2018, a prefeitura apresentou uma proposta de retirada de 76 casas para a construção de uma via. “Foi aí que precisamos dar um grito de resistência. O coletivo nasce para mostrar que a gente existe e resiste.”
Por conta de vivências anteriores, como a participação do primeiro censo de Caranguejo Tabaiares, além de ter integrado o gabinete do ex-prefeito, Sarah conhecia muito bem a comunidade. A criação do coletivo, portanto, contou com apoio de diversas organizações como a Biblioteca Comunitária, o Clube de Idosos, a Associação de Moradores e outros grupos para apresentar uma denúncia formal ao Ministério Público. As instituições foram, entretanto, deixando o coletivo aos poucos, no que Sarah chama de estratégia “dividir para conquistar” do poder público.
Mesmo assim, ela e outras integrantes, a grande maioria mulheres, continuaram firmes na missão de defesa do território. O primeiro grito de resistência foi, inclusive, na porta de Dona Maria, uma senhora mãe de uma das integrantes do coletivo. A luta, entretanto, não é por escolha, mas por falta de opção. “A terra é a única coisa que nós temos.”
É nessas mulheres companheiras de luta e naquelas que vieram antes, como Dona Maria, onde Sarah busca inspiração. Apesar de não ter um censo atualizado, ela afirma que a maioria das casas são chefiadas por mulheres negras que, em muitos casos, vivem com menos de um salário mínimo.
“Na pandemia, enfrentamos uma situação muito difícil. Um dia eu estava bem desesperada por estar no meio dessa luta toda e minha casa estava cheia d’água, porque moro na beira do canal, que estava cheio de entulho e transbordou. Uma vizinha chegou na porta do meu quarto e disse ‘Sarah, não sei como você aguenta. É melhor você desistir’. Eu olhei para ela e perguntei ‘Se eu tivesse desistido e não tivesse lutado, onde você estaria hoje?’”.
Como muitas outras, Sarah é mãe solo de dois adolescentes gêmeos e fala sobre a importância de um trabalho intencional tanto com homens, quanto com os jovens, para que todos sejam promotores e defensores dos direitos de mulheres. “Oito mulheres foram mortas no carnaval de Pernambuco. Se cada uma de nós é um mundo, foram oito mundos embora. É muita coisa. Precisamos que os jovens sejam trabalhados para que tenhamos uma vida melhor. Se nós somos a base da pirâmide, não vivemos bem e mesmo assim temos essa força para mudar o mundo, se estivermos bem, muita coisa vai ser melhor.”
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