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29/11/2023

A guerra é sempre um fratricídio 

No Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino, 29 de novembro, a Revista Casa Comum divulga um apelo pelo cessar fogo imediato na região de Gaza.

Por Fabio Paes

6º Ato em solidariedade ao povo palestino e pelo fim do genocídio em Gaza e da limpeza étnica, em frente ao Consulado de Israel, em 17 de novembro, em São Paulo. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

A guerra escancara a dimensão mais cruel que o ser humano é capaz de alcançar diante do outro, de forma brutal, irracional, egocêntrica, criminosa e fratricida. Seu único objetivo é o aniquilamento e a morte, como moeda de um projeto de poder que nem sempre é explicitado publicamente, pois há muito mais interesses do que aquele pronunciado e divulgado como justificativa. 

Durante a história da humanidade, as guerras sempre foram justificadas por diferentes contextos, todos eles como uma atitude ditadora de quem tem o poder de decidir. A guerra é uma escolha, cuja grande contradição é recair direta e unicamente sobre pessoas, grupos e territórios que não são parte da decisão, pois quem decide pelos conflitos o faz a partir de um escritório seguro e distante do risco de morte para si e para os seus, certos dessa blindagem. Como afirmou o filósofo e escritor francês Jean-Paul Sartre: “Quando os ricos fazem a guerra, são sempre os pobres que morrem”.

Mas por que ainda aceitamos, como cidadãos e sociedade civil organizada, essa realidade como um procedimento de defesa ou de estratégia de um Estado? 

O erro começa no ensino acadêmico. Nas aulas de relações internacionais, estuda-se que a existência de um Estado prevê intrinsecamente a existência de um exército e sua capacidade de defesa e ataque. Ou seja, um Estado forte é aquele que tem capacidade bélica de destruir o outro. Quem petrificou tamanha estupidez? Há outras formas de se legitimar a autonomia de uma nação. Nada justifica um tiro ou uma bomba. É possível outras estratégias e ferramentas que não sejam a violência armada. 

A guerra, entretanto, gera montantes incalculáveis de lucro, independente da quantidade de óbitos. Eis a fonte de motivação e justificativa para o desejo e princípio de guerrear. O mercado armamentício comemora cada insurgência de instabilidade e ataque. Essas iniciativas, sejam elas de um Estado ou de um grupo organizado qualquer, são atos terroristas, uma vez que sua finalidade é a morte em massa. 

Atualmente, a guerra instaurada por Israel diante de um ataque brutal e criminoso do grupo Hammas, é um genocídio. Não é possível racionalizar e entender a postura israelense como ação de um Estado. Milhares de famílias palestinas estão sendo alvo por fúria inconsequente de um governo que se utiliza das dores das famílias israelenses e sua representação política para traçar um plano genocida e xenofóbico.

Quando falamos desse território e cultura, existe um processo histórico complexo herdado na região, o que não justifica o massacre causado pelas mãos de um Estado. Nesse contexto, há uma estratégia política de grupos conservadores que utilizam de narrativas xenofóbicas e mentirosas sobre a vida e a história de um povo, e se espalham pelo mundo inteiro. No caso da Palestina, não estamos falando de um grupo terrorista ou rebelde, mas de um povo deslocado, que defende seu direito de viver em uma terra que seja sua, e não apartada pela força de uma outra nação ou cultura.

As famílias israelenses merecem justiça, mas não sob o cemitério aberto de milhares de crianças e suas famílias palestinas, sem identificação qualquer. Para isso, os Estados devem buscar esforços dentro de sistemas de inteligência e de operações direcionadas para a defesa das vidas, nesse caso das pessoas sequestradas. Porque tanta tecnologia e tanta produção de conhecimento se não utilizamos para as questões mais agudas e urgentes que as pautas das guerras trazem?

O que acontece no território de Gaza e Israel deve ser entendido como um assunto de todos nós e de todas as nações. Aprender com a história é fundamental, sobretudo em um momento no qual propagamos a compreensão ancestral, vivida por tantos povos, de que somos parte de uma mesma comunidade de vida. 

A atitude de poder, exploração, saqueamento e de aniquilamento do planeta com todos os seres, sejam humanos ou não, demonstra que não temos condições de chegar a um futuro sustentável se mantivermos essa lógica, estratégia e tática. A capacidade humana de criação e mobilização não deveria ser por um projeto de morte e guerra, mas um projeto de respeito, diálogo e convivialidade e, quando necessário, o diálogo e a mediação de conflitos. Somos seres que exigem biologicamente e socialmente a existência das diversas vidas, muitas vezes muito diferentes de nós mesmos. Isso não é meramente um princípio moral, mas ético, que vem da convocação de nossa lógica existencial.  

Resgatemos a história e a cultura apresentada pela Gaia, nossa Casa Comum chamada por muitos como planeta-universo. Devemos compreender e assumir nossa dimensão mais ontológica, como apresentou Francisco de Assis no Cântico das Criaturas: “Louvado seja meu Senhor pela irmã Água, pelo irmão Sol e todos os seres”, e com a oração a ele atribuída “Fazei-me um instrumento de paz, onde houver ódio, que eu leve o amor”. Esta é uma cosmovisão em que dialoga, respeita, entende a sacralidade do outro, que é diverso, mas, ao mesmo tempo, um ser vivente.

Eis o antídoto para a ignorância política e a crueldade humana.

Cessar fogo! Chega de guerras e armas! Pelo fim de mortes causadas pela mão institucional de um Estado ou de qualquer grupo organizado.

*Fabio Paes é coordenador de advocacy do Sefras e coordenador da Revista Casa Comum.

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