Publicado em
07/03/2023
É o que afirma a presidente da Academia Brasileira de Ciências. Educação científica para todos, mais investimento em pesquisas e no acesso a universidades são caminhos para uma sociedade que confie, respeite e valorize as ciências.
por Maria Victória Oliveira
Movimentos populares se reúnem na Praça Sete, em Belo Horizonte (MG), em 2021, pela continuidade da CPI das vacinas. Foto: Isis Medeiros
Ao contrário do que muitos podem pensar, o negacionismo – quando uma ou mais pessoas não aceitam, negam e recusam realidades e fatos comprovados – e outras correntes que estão ganhando força mundo afora não são novidade. A verdade é que, além de trazer benefícios, o avanço das tecnologias também possibilita que desinformações circulem mais rapidamente, o que, em situações extremas, como a
pandemia de Covid-19, pode contribuir para o agravamento do cenário.
Mas, mesmo diante de ataques e falta de financiamento, a ciência brasileira vem provando, sucessivamente, que está entre as melhores do mundo. Em fevereiro de 2020, um grupo de pesquisadores brasileiros do Instituto Adolfo Lutz (IAL) e do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (IMT-USP) conseguiu, em apenas 48 horas, sequenciar o genoma do coronavírus a partir de um dos primeiros casos confirmados, igualado apenas ao Instituto Pasteur, na França.
Foi, inclusive, durante a pandemia, que inúmeros profissionais da saúde, pesquisadores e especialistas foram atacados e desacreditados por pessoas e movimentos que desconsideram e menosprezam comprovações científicas e questionam sua veracidade.
Infodemia
Com a pandemia de Covid-19, a informação se transformou em uma ferramenta ainda mais indispensável para o conhecimento sobre questões de saúde pública. Isso se deu, pois a disseminação de informações incorretas a respeito do coronavírus e da prevenção da doença teve, em grande parte, o objetivo de influenciar a tomada de decisão dos cidadãos por se vacinar ou não.
De acordo com o estudo União Pró-Vacina, entre maio e julho de 2021, houve um aumento de 383% na publicação de conteúdos de desinformação contra a vacina para o coronavírus, abordando temas como: conspirações, perigo e ineficácia, alteração de DNA, Bill Gates, fetos abortados, aplicação de chips e outros.
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Segundo a cartilha Como a desinformação impacta políticas públicas:
– Pelo menos 110 milhões de brasileiros já caíram em notícias falsas sobre a pandemia;
– 82% dos brasileiros se sentem preocupados com a circulação de notícias e informações falsas, o que torna o país o mais preocupado do mundo com as fake news;
– 62% dos brasileiros não sabem reconhecer notícias falsas, estando, portanto, vulneráveis às distorções da realidade.
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Já o estudo da Avaaz Algoritmo do Facebook: uma grave ameaça à saúde pública aponta que não se trata de um desafio apenas para o Brasil, visto que:
– Redes globais de desinformação em cinco países – Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha e Itália – geraram cerca de 3,8 bilhões de visualizações;
– Conteúdos do top 10 sites que espalham desinformação sobre saúde tiveram quase quatro vezes mais visualizações estimadas no Facebook do que conteúdos equivalentes entre os 10 sites de instituições de saúde, como a Organização Mundial da Saúde.
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Nesse contexto de ataque a dados validados e exaltação de informações repassadas por correntes em aplicativos de mensagem, Helena B. Nader, biomédica, professora titular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e primeira presidente mulher da Academia Brasileira de Ciências (ABC), comenta sobre a quase indissociação entre ciência, educação e cidadania e a complexidade dessa relação.
Isso se dá porque, para que um cidadão possa exercer sua cidadania, precisa compreender e saber ler esse mundo complexo atual, o que pressupõe, inclusive, reconhecer e entender que está rodeado de ciência.
Apesar de acreditar que é a educação que poderá, realmente, dar condições para o exercício da cidadania, a biomédica traz um contraponto à sua própria posição. “É interessante notar que muitos desses ‘negacionistas’ tiveram educação superior, mas se deixaram levar por motivações políticas. Esse negacionismo da ciência é consequência de visões deturpadas de uma parte da sociedade, o que nos dá um alerta de que somente a educação não será suficiente.”
Ciência para quem não é cientista
Para a especialista, uma estratégia fundamental de enfrentamento ao negacionismo é o investimento na educação científica, que vale para todos, e não somente para quem pretende, um dia, seguir carreira na área.
“A educação científica traz a hipótese e o raciocínio e não aceita tudo como verdade absoluta. Ela possibilita olhar o mundo de outra forma. Compreender, pelo menos, o mínimo sobre como funcionam determinadas coisas, traz uma melhor convivência com os próximos e com a sociedade, o que é fundamental”, aponta Helena.
A biomédica cita casos de países que estão investindo em experiências de raciocínio científico com crianças pequenas. Por começar tão cedo, a ideia não é criar futuros cientistas, mas sim contribuir para a formação de cidadãos que compreendam notícias em um jornal ou a bula de um remédio, por exemplo.
Rayane Teles Alves, licencianda em Física pelo Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) e membro do grupo de pesquisa LOGOS, que desenvolve estudos nas áreas de epistemologia e ensino das ciências, reforça que, além de permitir o contato direto com temas relacionados à área, necessários para o dia a dia, a educação científica possibilita o aprendizado de conhecimentos que proporcionam o desenvolvimento de habilidades essenciais para diferentes aspectos da vida.
“Ao nos colocarmos frente a problemas científicos, faz-se necessário que pratiquemos tomadas de decisões, que sejamos mais conscientes e tenhamos um maior discernimento daquilo que estamos por resolver. Assim, desenvolvemos experiência para lidar com situações diferentes, mas que exigem as mesmas habilidades e expertises. Ao estudarmos ciência, começamos a perceber o quanto ela está interligada com diferentes esferas da sociedade e tipos de conhecimento, e que ela não está presa dentro de si.”
Do “cientifiquês” para o português
Diversos cientistas, estudiosos e especialistas procuraram comunicar, de forma acessível, sobre conceitos como imunidade de rebanho, doses de reforço, pacto social, hidroxicloroquina, ivermectina, entre tantos outros durante a pandemia. Apesar de os esforços serem válidos, Helena aponta que mais profissionais da área devem aprender a dialogar com a sociedade. “As pessoas precisam ter direito ao acesso às melhores informações e de forma simplificada.”
Para Rayane, essa divulgação é uma forma de despertar mais interesse pelas ciências, já que, com a internet, além de divulgações qualificadas nas redes sociais, é possível visitar os repositórios acadêmicos e ter contato com o que está sendo desenvolvido por cada universidade. Apesar dessas facilidades, ela reforça a importância da intencionalidade na divulgação científica.
“Por meio do investimento massivo em projetos e programas voltados para a divulgação, a população pode ter maior proximidade com o conhecimento produzido, possibilitando o aprendizado de questões relacionadas à natureza da ciência, o que, por sua vez, minimizaria o negacionismo e a disseminação de notícias falsas”, afirma.
Urgência do fomento
Nos últimos anos, não foi incomum depararmo-nos com manchetes anunciando cortes de financiamento a instituições públicas de ensino, o que dificultou ainda mais um cenário já desafiador de fazer ciência no Brasil. Entretanto, governos anteriores reconheceram a importância de iniciativas de divulgação, como a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT), criada em 2004.
“O que me preocupa é que cada um que entra no governo tem uma visão diferente sobre o que fazer em termos de educação e ciência, que, então, ficam sempre à mercê de quem está com a caneta e, muitas vezes, essas pessoas acham que isso não serve para nada, como o que aconteceu nos últimos anos”, ressalta Helena.
A especialista comenta sobre a diferença de abordagem entre o Brasil e outros países, que tratam as duas áreas como investimentos de longo prazo, e não gastos. “Todo mundo acreditou que a vacina foi feita em tempo recorde, o que não é verdade. Já existia todo o conhecimento acumulado, bastou adaptar o imunizante para o coronavírus.”
Para que conquistas como essa sejam possíveis, são necessários investimentos para acesso à universidade. Para Helena, por mais que a Lei de Cotas tenha ajudado nesse sentido, a diversidade no ensino superior está novamente sob ameaça diante de cortes de bolsas, por exemplo. O distanciamento da escola pública do Enem, o Exame Nacional do Ensino Médio, também preocupa.
“Tudo o que levamos muitos anos para construir foi rapidamente destruído. São coisas que o novo governo terá que olhar com profundidade. O Brasil está ficando mais velho. Ou olhamos para a população jovem agora e nos próximos 10 anos ou teremos problemas graves no futuro de um grupo altamente desempregado e não qualificado no sentido da habilidade profissional”, completa.
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