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Publicado em

22/02/2023

Participação social deve contemplar todas as esferas da sociedade

Franklin Félix, coordenador geral da Abong, fala sobre oportunidades e desafios para a sociedade civil em 2023 e aponta como fundamental resgatar modelos antigos de participação social, além de inová-los para chegar a mais pessoas e grupos.

por Maria Victória Oliveira


Lula assina decretos no Palácio do Planalto – Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

Trecho do manifesto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) publicado em agosto de 2022 afirma que o Brasil conta com a organização para zelar pelo respeito à Constituição, afastando riscos de rupturas democráticas, e com a preservação das instituições e dos Poderes da República. 

A ameaça de um retrocesso histórico contra o Estado Democrático de Direito diante dos sucessivos ataques e tentativas, sobretudo por parte do ex-presidente Jair Bolsonaro, de descredibilizar as urnas eletrônicas e, consequentemente, todo o processo eleitoral, alertou, além da OAB, diversos outros grupos e setores sociais. 

Organizações da sociedade civil (OSCs) se reuniram em Brasília, nos dias 10 e 11 de novembro de 2022, para avaliar os desafios de incidência no Parlamento nos próximos anos com a chegada de um novo governo. Esse encontro gerou a carta A Democracia que Queremos, entregue à equipe de transição do governo Lula-Alckmin.  

No final do mesmo mês, nos dias 22 e 23, em São Paulo, um novo encontro de OSCs visou discutir os desafios e possibilidades da sociedade civil brasileira nos próximos quatro anos, que deu origem a um documento homônimo

Afinal, como será a participação da sociedade civil em 2023? Qual é a importância das OSCs para a defesa da democracia? Quais são as oportunidades de atuação para a sociedade civil daqui para frente? Quais desafios enfrentarão e quais ferramentas poderão ser utilizadas? Essas e outras questões foram debatidas com Franklin Félix, coordenador geral da Associação Brasileira de ONGs – Abong. Confira:

Revista Casa Comum: Qual foi a importância da participação social no processo eleitoral em 2022? 

Franklin Félix

Franklin Félix: Olhando para o cenário eleitoral, entendíamos que, em um contexto positivo, se a chapa Lula-Alckmin ganhasse as eleições, precisaríamos resgatar a participação social. E, em caso negativo, se perdesse, teríamos que criar meios para que, pelo menos entre a sociedade civil, essa participação pudesse ser fortalecida.
Com a vitória do presidente Lula nessa chapa ampla, diversas organizações, incluindo a Abong, foram convidadas para compor um grupo de trabalho com a missão de fazer alguns levantamentos sobre participação social. Só que nós nos constituímos como um grande conselho e fizemos um extenso mapeamento de todos os conselhos, conferências e formas de participação que tinham sido extintas, seja por decreto ou esvaziamento. Com essa pesquisa, relacionamos tudo o que precisa ser resgatado. 

RCC: Que espaços que permitem e promovem essa participação podem ser construídos ou reestabelecidos com base nas vivências de organizações da sociedade civil?

Franklin: A ideia é que a sociedade civil organizada possa estar junto e utilizar toda sua experiência e expertise em prol de uma sociedade em que todo mundo possa ser ouvido, não só as organizações grandes, mas as médias e pequenas também. É uma participação democrática mesmo, de todo mundo ouvindo todo mundo. E, por isso, devemos trabalhar não só com o resgate de conselhos e de modelos de participação que já experimentamos e deram certo, mas é necessário inovar. Precisamos pensar em uma participação que contemple povos do campo, ribeirinhos e indígenas. Um grupo de pescadoras comentou conosco ‘não temos luz na comunidade, que dirá internet’. Então se fizermos algo virtual, como um aplicativo, é legal, mas não é só isso que vai fazer com que mais pessoas participem.

RCC: A carta aberta A Democracia que Queremos, produzida a partir do encontro de OSCs em Brasília, afirma: “Na plenária que acabamos de realizar, construímos o consenso de que é preciso que o novo governo compreenda ser a defesa da democracia um projeto, não um dado objetivo alcançado após a eleição.” O que isso significa? 

Franklin: Nesse encontro, a ideia era criar estratégias para que a participação social seja feita de modo organizado e propositivo, não só uma ação pró-forma. ‘Agora que conseguimos eleger um governo com grande laço com os movimentos sociais, está tudo bem.’ Não é assim. Vamos continuar cobrando, pressionando e insistindo para que a participação social seja realizada de modo que contemple todas as esferas da sociedade. Desde o golpe de 2016 e mais fortemente nos últimos quatro anos nós fomos tirados do debate social, além de não sermos chamados a participar, também fomos atacados. No documento Criminalização Burocrática das organizações da sociedade civil, lançado no ano passado, falamos um pouco sobre como o ex-governo nos tinha como inimigos e alegava que queimávamos florestas e roubávamos dinheiro. O que esperamos agora é organizar a participação com todo esse amplo campo da sociedade civil organizada, os movimentos sociais e as militâncias, de forma a criar um modelo que todos se escutam e ninguém fique se acotovelando. 


Conselho de Participação Social apresenta à Secretaria-Geral propostas para avanço de políticas públicas na área. Foto: Matheus Costa/ Secretaria-Geral da Presidência da República

RCC: Em dado momento, a carta fala sobre a impossibilidade de pensar uma democracia sem a participação social. Como as OSCs podem contribuir, então, no processo de demandar e promover essa participação? 

Franklin: A partir dos dois encontros, de Brasília e de São Paulo, uma de nossas reivindicações era a criação de uma secretaria que tivesse a participação social como elemento central, para ter um diálogo com as OSCs. Nós fomos atendidos pelo governo. A participação está muito evidente em espaços como a Secretaria da presidência e o Ministério das Relações Institucionais, mas além disso, o governo entendeu que a participação deve ser transversal, então ela está em todos os ministérios. Nós, enquanto sociedade civil organizada, devemos ampliar e manter esse diálogo, além de cuidarmos para que as pautas comuns para nós, como a defesa intransigente da democracia e dos direitos humanos e o combate à corrupção sejam respeitadas e cumpridas. 

RCC: Quais foram os principais desafios elencados no encontro que debateu as possibilidades de atuação para a sociedade civil nos próximos quatro anos? 

Franklin: Com o risco de me tornar repetitivo, mas mostrando a centralidade dessa agenda, um dos grandes desafios é estabelecer a participação social. Em seguida, também acreditamos ser fundamental articular uma frente com educadores populares e comunitários, para que possamos criar uma contra narrativa diante de discursos de ódio, mentirosos e de fake news. Outra frente é fazer com que a participação seja vista pelo governo como algo transversal, e nesse sentido já recebemos uma resposta positiva, com a nomeação de uma pessoa em cada ministério destinada a manter esse diálogo com a sociedade civil. Por fim, outro grande desafio é ampliar o debate de forma geral, com a criação de seminários, formações e encontros para falar sobre que participação social é essa. Há inúmeros modelos de participação, mas precisamos ajudar as pessoas a compreender. Por isso, acreditamos que o tema das formações precisa estar muito presente daqui para frente.  


Governo federal instituiu assessorias de participação social e diversidade nos ministérios – Foto: Ricardo Stuckert/ Palácio do Planalto

Fique por dentro 

Franklin reforça que uma das grandes promessas do atual governo, antes de ser eleito, era acolher e ouvir atentamente as pautas das organizações da sociedade civil e reforçar o quanto são importantes e bem-vindas no debate.
 
No dia 31 de janeiro, diversos representantes de OSCs estiveram presentes no evento no qual o presidente de República, Luiz Inácio Lula da Silva, assinou decretos que criam dois instrumentos que vão ao encontro do que Franklin afirma: o Conselho de Participação Social e o Sistema de Participação Social Interministerial. Em suma, as duas instâncias são orientadas a manter contato próximo e constante com movimentos populares e OSCs no processo de elaboração e avaliação de políticas públicas. 

As medidas são apenas continuidade de posições que já haviam sido tomadas durante a transição dos governos, como o conselho de participação citado por Franklin, que foi constituído por movimentos populares, entidades da sociedade civil, fóruns e espaços de articulação política e social representativos de todo o país. 

Além da continuidade do conselho, que reunirá 68 representantes de movimentos e entidades que manterão contato com o Governo Federal, houve a criação da Assessoria de Participação Social e Diversidade em cada ministério, também citada por Franklin. As assessorias serão responsáveis por receber demandas de movimentos sociais e gerir as instâncias participativas relacionadas ao órgão. 

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