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24/10/2024

Projetos inovadores mostram o papel crucial da educação para enfrentar a crise socioambiental e formar comunidades resilientes

Experiências em diferentes contextos educacionais expressam a urgência do ensino ambiental e inspiram práticas.

Por Isadora Morena

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Projeto Escolas Climáticas. Foto: Projeto Escolas Climáticas/Jean Marcel Camargo

“Educar para o meio ambiente é uma tarefa desse século”, foi o que afirmou Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, ao sancionar, junto ao presidente Lula, a Lei 14.926 que modifica a Política Nacional de Educação Ambiental (Pnea — Lei 9.795, de 1999), acrescentando o estudo das mudanças climáticas e da biodiversidade entre os objetivos da educação ambiental nacional. 

O Pnea define a educação ambiental como “componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, tanto em caráter formal como não-formal”. 

Sua atualização representa um avanço na compreensão do papel da educação frente à crise socioambiental.

A educadora ambiental Andrea Puppo, coordenadora de Projetos de Educação Ambiental e Climática do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, enfatiza que a educação é estruturante, pois é “a base para entender o processo das mudanças climáticas, para compreendê-las como um conjunto, algo muito amplo e complexo. Assim, a educação tem um papel fundamental em desenvolver nas pessoas habilidades para conviver com a emergência climática e, ao mesmo tempo, desenvolver uma visão sistêmica do problema”.

Um dos projetos em educação ambiental coordenados por Andrea por meio do IPÊ é o Escolas Climáticas, já implementado em seis escolas públicas localizadas nos municípios de Nazaré Paulista e Paulínia, no estado de São Paulo.

Segundo Andrea, a iniciativa acontece de forma bastante inovadora. Em cada escola são formados coletivos socioambientais, constituídos por estudantes e educadores, que atuam como líderes de ações de educação ambiental climática dentro da escola. O IPÊ fornece suporte técnico e financeiro para que essas ações sejam implementadas. 

Oficinas de bambu para a construção de salas de aula ao ar livre. Foto: Projeto Escolas Climáticas/Jean Marcel Camargo

Além da sensibilização com a questão socioambiental por meio da reconexão com a natureza, o projeto promove o protagonismo das pessoas envolvidas.

“O principal motivo de trabalharmos dessa forma é para que eles [os(as) estudantes] se sintam pertencentes, donos da iniciativa, os autores da ideia, os implementadores e também os guardiões, para que aquilo, de fato, se torne um equipamento de educação ambiental climática”, comenta a coordenadora.

Outra habilidade desenvolvida pela metodologia aplicada no projeto Escolas Climáticas é o senso de coletividade e a necessidade de se tomar decisões em conjunto de forma democrática, o que, segundo Andrea, é um dos maiores desafios para a humanidade frente às mudanças climáticas.

Como exemplos de iniciativas implementadas pelo projeto estão hortas agroecológicas, salas de aulas verdes e sistemas agroflorestais.

Sala de aula ao ar livre. Foto: Projeto Escolas Climáticas/Jean Marcel Camargo

No momento, o IPÊ está trabalhando para sistematizar a metodologia do Escolas Climáticas a fim de que o projeto seja replicável em outras escolas, e também em contextos não escolares, Brasil afora. De acordo com Andrea, o trabalho é realizado na Mata Atlântica, mas o Escolas Climáticas pode acontecer em qualquer bioma, em qualquer território, em escolas formais de ensino e espaços não formais também.

A organização ainda promove educação ambiental climática por meio de outras iniciativas, como o Projeto Semeando Água. No site do projeto, são disponibilizados muitos conteúdos voltados para educadores(as), como o Aventura Socioambiental, um boletim mensal. 

O material explora um tema de destaque, trazendo um texto resumido e alguns hiperlinks para aprofundamento. Também apresenta propostas de atividades para serem realizadas entre professores e estudantes, mas que podem acontecer em qualquer outro ambiente de educação. O material oferece, ainda, sugestões de leituras, de podcasts, vídeos e outras mídias.

Outra iniciativa de educação ambiental climática que envolve escolas e comunidades é o Programa CEMADEN Educação, promovido pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN), unidade de pesquisa vinculada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

Heloisa Martins, pesquisadora do CEMADEN Educação, explica que a educação tem o poder de “criar um tecido maior de compreensão da sociedade para a adaptação e a resiliência, capacitando as comunidades para as mudanças climáticas”.

Foto: CEMADEN Educação

Formar comunidades resilientes é o principal propósito do programa, que trabalha essencialmente com fatores de prevenção. De acordo com Heloísa, o CEMADEN Educação investiga, junto às comunidades, as vulnerabilidades do território para que elas possam compreender as particularidades locais e atuem na mitigação de riscos.

Para esse trabalho, o programa utiliza conceitos de ciência cidadã e participativa, com atividades colaborativas e instigantes para o levantamento de dados e reconhecimento do contexto de risco local. São realizados, por exemplo, jogos e dinâmicas que promovem a integração e a participação da comunidade na construção desse conhecimento. 

O programa já existe há dez anos e, nesse período, formou a Rede de escolas e comunidades na prevenção de riscos de desastres, que já reúne quase mil instituições. Por meio dessa articulação, o CEMADEN Educação realiza a difusão de conteúdo, de materiais e de metodologias que fomentem a educação para redução de riscos e desastres.

Foto: CEMADEN Educação

De acordo com Heloísa, qualquer instituição de ensino ou comunitária que queira fazer parte deve acessar o site e fazer seu cadastro. “Há uma área de acesso exclusivo e, a partir desse cadastro, a instituição já passa a integrara rede. Nessa plataforma dentro do nosso site, essas instituições conseguem fazer trocas, conhecer as outras iniciativas, as unidades escolares e o que já foi feito e desenvolvido”. 

Além disso, o CEMADEN Educação promove anualmente a campanha Aprender para Prevenir em alusão ao dia 13 de outubro, Dia Internacional da Redução de Riscos de Desastres pela Organização das Nações Unidas (ONU). A iniciativa propõe a mobilização de escolas e comunidades para refletirem e agirem frente a desastres socioambientais. 

Este ano, as instituições, tanto públicas como privadas, são convidadas a realizar as jornadas pedagógicas disponíveis no site do programa, registrar e inscrever esse momento e, assim, concorrer a um prêmio de reconhecimento. O cadastro da realização da atividade deve ser feito durante o mês de outubro. O evento de premiação será em novembro.

O Programa Vozes Climáticas do Instituto Perifa Sustentável é outra iniciativa de educação ambiental climática que promove a formação e o engajamento de jovens moradores periféricos da cidade de São Paulo (SP), para atuarem como mobilizadores e protagonistas da pauta climática na cidade. 

A ação também resultou na produção e divulgação de uma websérie temática voltada para as juventudes em parceria com a Revista Casa Comum.

Rafis Martins, diretor de Educomunicação do Instituto Perifa Sustentável, afirma que o maior desafio para promoção da educação ambiental climática é aproximar a temática da crise socioambiental do cotidiano das pessoas.

“Eu entendo que, enquanto continuarmos falando sobre o clima, tratando como se fosse abraçar árvores, falando sobre a geleira que está derretendo, não vamos trazer essa galera para dentro da tomada de decisão. Esse é o maior erro, porque dentro das periferias e desses grupos sociais, temos as soluções mais eficientes sendo geradas”, analisa.

“A juventude periférica, que está dentro desse territórios, é uma juventude com força de vontade, com gás e com desejo enorme de canalizar toda essa vontade de mudança em algo positivo, para pensar nessas soluções e para dialogar com seus irmãos mais novos, com seus avós, com seus pais”, enfatiza.

Rafis defende que programas formativos, como o Vozes Climáticas, deveriam ser realizados no ambiente escolar, em especial no Ensino Médio, uma vez que enxerga a escola como principal centro de transformação social. Assim, haveria uma maior aproximação e sensibilização com a temática e uma transformação em cadeia por meio do engajamento da juventude, em especial a periférica. Entretanto, problematiza sobre o acesso de crianças e jovens ao espaço escolar. 

“Vamos discutir o clima na escola? Ótimo! Mas, quais questões climáticas, para começar, estão impedindo que esse jovem vá à escola? Eu acho que isso é uma pergunta também que deveríamos fazer”.

A provocação trazida por Rafis ganha ainda sentido diante das recentes enchentes na região Sul do Brasil, que, em alguns municípios, ainda impedem, por diversos motivos, o retorno dos(as) estudantes às salas de aula. 

Reportagem divulgada no Jeduca, por exemplo, apresenta a realidade de aulas suspensas e anos letivos reduzidos em várias partes do país por causa de eventos climáticos como chuvas ou secas extremas.

Os exemplos trazidos na reportagem mostram agravantes a efetivação do direito à educação, mas também a importância de refletir e agir por esta via para o enfrentamento do contexto atual de crise socioambiental.

“Precisamos que todo mundo passe a entender que clima é sobre todos nós. Ainda assistimos ao jornal, lemos a revista, vemos nas redes, e parece algo muito distante. Mas os problemas socioambientais envolvem, por exemplo, o mal cheiro na frente de casa, o bueiro, a fossa a céu aberto, a água que só chega até às 18h. Só que a gente não conta para as pessoas que estão vivendo essa realidade que elas estão implicadas no problema”, afirma Rafis.

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