Publicado em
30/08/2023
Realizado em 29 de agosto, bate-papo online reuniu representantes de diferentes religiões e pensadores, que debateram o papel de cuidado e a coexistência entre diferentes expressões de fé.
Está no ar a 6ª edição da Revista Casa Comum (RCC)! O novo volume foi lançado durante debate online, no dia 29 de agosto, que carregou o mesmo tema gerador da revista: espiritualidades e religiões: contribuições para o diálogo e a defesa de direitos.
A iniciativa do Sefras – Ação Social Franciscana e da Revista Casa Comum contou com apoio da Paulus Social e da Abong, além de produção do Estúdio Cais.
Marcaram presença Adna Santos de Araújo, mais conhecida como Yalorixá Mãe Baiana de Oyá, participante da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (RENAFRO); Gilbraz Aragão, doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), professor e pesquisador no campo dos estudos de religião na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), onde coordena o Observatório Transdisciplinar das Religiões, e Frei Volney Berkenbrock, teólogo e professor do programa de Pós-graduação em Ciência da Religião na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A mediação ficou a cargo de Franklin Félix, coordenador geral da Abong.
A ideia de Casa Comum
Frei Volney Berbenbrock deu início ao debate defendendo que a consciência de que todos moramos em uma Casa Comum não é tão antiga. Se antes considerávamos que apenas nós, seres humanos, éramos habitantes dessa Casa, depois de um tempo passamos a considerar também as plantas e animais como habitantes, e hoje alcançamos o patamar de pensar a Casa Comum como um todo. Nesse mesmo raciocínio entram as religiões.
“As religiões vem de uma tradição onde cada uma imaginava estar em seu espaço único”, citou o Frei. E completou: “O grande desafio inicial para as religiões é imaginarem que fazem parte de algo comum, e não mais cada uma em seu espaço próprio.”
Além disso, comentou sobre um fenômeno de divisão, ou, em suas palavras, bifurcação: se de um lado, algumas religiões ou representantes de religiões passam a olhar as expressões de fé como parte de um todo, de outro, cresce um viés dentro das religiões de uma compreensão cada vez mais fechada dentro de si, no qual determinada tradição religiosa é vista como a única detentora da verdade.
A origem do termo religião
Frei Volney também apresentou aos participantes uma outra abordagem sobre a origem da palavra religião. Cícero, em sua obra Sobre a Natureza dos Deuses, afirma que religião, religio, vem do latim relegere, que significa uma ação cuidadosa, logo, a religião vem de relegere por ser uma cuidadosa veneração dos deuses.
“Cícero vai dizer, então, que a origem da palavra religião tem a ver com uma atitude, e não um conceito, um dogma. Então a religião está ligada a uma atitude cuidadosa. E se pensarmos nas religiões nesse sentido, elas têm como função serem uma atitude cuidadosa, e não serem proposta dogmática, uma proposta da verdade. É interessante recordar essa origem da palavra a partir de Cícero, porque isso coloca as religiões em outro patamar: não de serem propostas de fé no conteúdo, mas propostas de cuidado. A ideia da Casa Comum está ligada a ser uma expressão de cuidado.”
Intolerância e racismo religioso
Adna Santos de Araújo, a Yalorixá Mãe Baiana de Oyá, comentou sobre o papel das religiões e como os terreiros funcionam quase como um centro de ajuda a quem mais precisa.
“Pessoas que são ateus, evangélicos, católicos, que quiserem ser o que são, batem no terreiro procurando ajuda: um prato de comida, uma roupa de vestir, o filho que precisa de socorro. O terreiro funciona como socorro. Nós amamos o próximo como nós mesmos, esse é o nosso papel. O estatuto religioso dos nossos terreiros diz que temos que ajudar e estender a mão. Se não, para que? O que estou fazendo aqui?”, refletiu.
Mãe Baiana mencionou a importância de as pessoas serem verdadeiras em suas intenções para com a religião, ou seja, não procurá-la apenas na hora da dor e da lágrima, mas também na hora da alegria e para agradecer. “Eu tenho minha religião como a minha bengala, e nós precisamos estar firmes em nossa bengala.”
Adna também trouxe aos participantes sua própria experiência. Em 2009, teve seu terreiro derrubado pela Agência de Fiscalização do Distrito Federal (DF). “O racismo institucional, estrutural e religioso fez com que viesse um trator e passasse por cima do terreiro.”
Diante da situação, Mãe Baiana foi responsável pela articulação de um mapeamento dos terreiros do DF em 2018, resultado de uma parceria entre a Fundação Cultural Palmares e a Universidade de Brasília, que apontou a existência de 330 centros de religiões de matriz africana na capital federal.
“Nossos governantes precisam olhar para a questão fundiária. Nós estamos em terras públicas do governo há 20 anos. Outras instituições religiosas chegaram, invadiram as terras públicas de Brasília em 2016 e hoje já têm documento, foram reconhecidas como instituições religiosas. E os terreiros que estão aqui há 50 anos? Onde está o reconhecimento? Isso é o racismo institucional, estrutural e religioso, que não reconhece os terreiros”, aponta.
Coexistência possível
Da mesma forma que o povo brasileiro é amplamente diverso, o mesmo acontece com as religiões e expressões de fé. O Censo Brasileiro de 2010 mostra que, apesar de a maioria da população brasileira ser católica, 64,6%, e evangélica, 22,2%, também temos muitas outras religiões: há espíritas, judeus, umbandistas, candomblecistas, outras expressões de fé e também ateus.
Diante dessa diversidade, Gilbraz Aragão reforçou a importância de processos de reeducação do povo, que passa, por sua vez, por uma sensibilização de todas as igrejas, templos e tradições e também pela escola pública, para que o ensino religioso possa ser, a partir de projetos de pesquisa críticos, uma reflexão sobre experiências espirituais da humanidade.
O professor e pesquisador leu também um trecho de um texto que preparou, reforçando que “na grande dança do mundo, somos todos pares de todos, os humanos e as florzinhas. Para além das fronteiras culturais e religiosas, está crescendo a consciência de que deveríamos nos reconhecer como comunidade humana geneticamente ligada a todos os seres vivos. Nossa existência é relação.”
E pontuou sobre a importância de pensar na diversidade religiosa e um sonho comum de cuidado.
“Somos irmãos dos outros bichos, das plantas. Evoluímos de diferentes maneiras desde o princípio, e o mistério da criação quer nos revelar algo com a pluralidade cultural, religiosa, de modo que toda religião é verdadeira no seu contexto e há mais verdade quando as tradições estão juntas.”
Fique por dentro
O debate contou, ainda, com perguntas enviadas pelo público. O vídeo de lançamento pode ser visto na íntegra neste link.
Mãe Baiana e Gilbraz participaram da 6ª edição da Revista Casa Comum, que já está no ar e disponível na íntegra na aba edições no site da RCC.
>> Mãe Baiana integrou o destaque da edição: Religiões como espaços para o exercício político do cuidado.
>> Gilbraz Aragão contribuiu e assinou o artigo: O diálogo inter-religioso e a defesa pela vida.
Como pauta dos Direitos Humanos, o respeito à diversidade religiosa insere-se na garantia da liberdade de religião e crença, expresso no artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Publicado em
29/08/2023
Se as religiões, religiosidades e fiéis acreditam em uma divindade, criadora de tudo, seria por óbvio, aponta frei Marx Rodrigues, todos cuidarem da Casa Comum.
Publicado em
29/08/2023
Retrato Brasil da 6ª edição da Revista Casa Comum – Por Thomas Bauer
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29/08/2023