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Publicado em

18/12/2023

Governo federal lança plano de 99 ações junto à população em situação de rua

Proposta envolve 11 ministérios em uma ação conjunta de esforços para endereçar o desafio das pessoas sem um teto no país.

Em dez anos, entre 2013 e agosto de 2023, passou de 21.934 para 227.087 o número de pessoas em situação de rua no Brasil, um aumento de mais de 935% de acordo com dados do Cadastro Único (CadÚnico). É nesse contexto, no qual 2.354 municípios brasileiros (dos 5.568) contam com ao menos uma pessoa em situação de rua cadastrada, que o governo federal lançou, à luz das comemorações dos 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Plano Ruas Visíveis – Pelo Direito ao futuro da população em situação de rua

A proposta foi apresentada em evento no dia 11 de dezembro, em Brasília, e contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de diferentes membros do governo, como Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos, representantes de organizações da sociedade civil – como o Sefras -, e delegações e grupos de ativistas. 

Nathalia Braz, coordenadora da Casa Franciscana Móvel do Sefras, que representa um Centro de Promoção e Defesa dos Direitos da População em Situação de Rua (CPD PopRua), avalia que o plano vem como resposta a anos de luta da população em situação de rua, de trabalhadores, pesquisadores e militantes pela concretização de direitos básicos, como moradia.

“Esse momento é muito importante por destacar uma aproximação entre o poder público e as ruas, a fim de construir políticas que ajudem a superar a ‘situação de rua’, além de evidenciar que o que de fato precisa ser superado são as condições que potencializam a situação de rua, que estão vinculadas a um sistema, e não às pessoas vulnerabilizadas”, analisa. 

Esforço articulado

O Plano Ruas Visíveis terá um investimento inicial de R$ 982 milhões, com ações divididas em sete eixos: 

1. Assistência Social e Segurança Alimentar (24 ações); 
2. Saúde (14 ações);
3. Violência Institucional (20 ações);
4. Cidadania, Educação e Cultura (13 ações); 
5. Habitação (6 ações);
6. Trabalho e Renda (6 ações);
7. Produção e Gestão de Dados (16 ações).

Total: 99 ações.

Além disso, o pacote tem previsão de envolver 11 ministérios em um regime de parceria entre governos estaduais e municipais, além do diálogo com movimentos sociais da população em situação de rua, com o Legislativo e Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública, sociedade civil organizada, setor empresarial e universidades. 

“O plano traz a proposta de um diálogo diverso, capaz de compreender a complexidade da situação de rua e de tudo que ela produz. Além disso, propõe práticas consideradas inovadoras no Brasil como método de intervenção”, comenta Nathalia. 

Para a coordenadora do Sefras, a perspectiva de um plano interministerial é fundamental para produzir avanços no acolhimento dessa população e na construção da saída qualificada, diversa e humana para pessoas em situação de rua.

Eixo habitação 

A primeira e principal demanda de pessoas em situação de rua é a moradia, porque o acesso a um endereço possibilita um leque de inúmeros outros direitos fundamentais, além da integração à sociedade. Por isso, o plano conta com um eixo exclusivamente dedicado à habitação. 

“Para a população em situação de rua, a habitação não é apenas uma necessidade básica, mas também um instrumento de promoção da autonomia e de integração social. É fundamental que as políticas públicas de habitação reconheçam e atendam às especificidades da população em situação de rua, garantindo o direito à moradia como um direito humano inalienável”, aponta trecho do relatório do Plano. 

Com investimentos iniciais de R$ 3,7 milhões, as ações vão contemplar o acesso ao Programa Minha Casa, Minha Vida; a destinação de imóveis da União; a criação do Programa Nacional Moradia Cidadã; e o projeto-piloto do Programa Moradia Cidadã, com disponibilização de 150 unidades habitacionais, com prioridade para famílias com crianças e mulheres gestantes. 

Gênero, raça e etnia como agravantes 

Além da moradia, Nathalia também aponta outras demandas e direitos fundamentais, como segurança alimentar, educação, saúde, justiça, cultura e trabalho, e avalia que a situação de rua está diretamente ligada a violações com caráter de gênero, raça e etnia. 

“Ao falarmos sobre população em situação de rua, estamos falando sobre racismo e colonialismo. Avançar discussões neste sentido, a fim de combater preconceitos raciais e resgatar a memória de um povo que foi apagado, são essenciais para pensarmos transgressões na política de direitos humanos, não apenas da população em situação de rua”, afirma.

Na avaliação da coordenadora, há ausência de políticas públicas, e esse contexto contribui para que pessoas pretas, indígenas, quilombolas, imigrantes, travestis, transgêneros e pobres cheguem à situação de rua. Tudo isso está relacionado a um processo de conscientização da sociedade.  

Desnaturalizar as desigualdades

Em meio a uma análise sobre o aumento de pessoas em situação de insegurança alimentar e fome no Brasil, o que voltou a colocar o país no Mapa da Fome, o início do relatório do Plano Ruas Visíveis traz em destaque a frase: 

“Em tempos em que as violências contra o povo da rua foram banalizadas, precisamos sempre reafirmar: as pessoas em situação de rua existem e são valiosas para nós.” 

Para Nathalia, trata-se de um processo de desnaturalizar a desigualdade social, de gênero e raça para que a sociedade possa caminhar em direção a conscientização sobre pessoas em situação de rua como cidadãos de direitos. 

“Em São Paulo e em muitos outros estados, tornou-se parte da rotina de transeuntes desviar de uma pessoa em situação de calçada, dizer não a um ‘pedinte’ no metrô, invisibilizar de algum modo realidades sociais que permeiam a ‘situação de rua’. Assim como seguimos naturalizando práticas racistas, machistas, xenofóbicas e homofóbicas. Nos falta pertencimento e senso de comunidade, além de uma ligação com o outro que seja capaz de aproximar realidades a ponto de nos afetarmos e não ignorarmos”, exemplifica. 

É nesse sentido que o Plano destina um eixo inteiro de atuação à produção e gestão de dados, considerando que, historicamente, a população em situação de rua tem sido invisibilizada nas estatísticas oficiais, o que dificulta a elaboração de programas e ações que respondam às suas especificidades. 

Conhecer esse público é, portanto, um passo fundamental para a elaboração de estratégias certeiras que realmente enderecem o desafio. 

Entre as ações propostas neste eixo, estão: 

– Produção e análise de dados sobre pessoas em situação de rua no Cadastro Único;
– Censo Nacional da População em Situação de Rua;
– Produção de dados relacionados a acesso a políticas e programas sociais, bem como sobre saúde e violência;
– Ampla disponibilização e divulgação de alertas meteorológicos;
– Painel de informações com dados da população em situação de rua – já realizado
– Lançamento do Observatório Nacional dos Direitos Humanos para o acompanhamento permanente da situação da população em situação de rua.  

Participação social 

Além da garantia de direitos fundamentais como a moradia, Nathalia comenta que uma grande demanda atual por parte da população em situação de rua é sobre participação social, reforçando a importância de esse grupo ter acesso a espaços de debate e tomada de decisão para que possam propor, contribuir, intervir e sugerir sobre políticas. 

“É de suma importância o diálogo aproximado do poder público com os movimentos, sociedade civil e pesquisadores. Um dos lemas de luta da rua é ‘Nada sobre nós, sem nós’, e acho que a frase já entoa a demanda maior dessa população: é necessário fazer política pública da rua, para a rua.”

Atuação do Sefras 

Pessoas em situação de rua correspondem a um dos cinco públicos prioritários de atuação do Sefras, que desenvolve quatro tipos de serviços em São Paulo e no Rio de Janeiro. 

Nathalia explica que a Casa Franciscana Móvel atua como um Centro de Promoção e Defesa dos Direitos da População em Situação de Rua (CPD PopRua) em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania do município de São Paulo, realizando atendimentos de modo itinerante – com permanência de três meses em cada território -, acolhendo denúncias de violações de direitos que são encaminhadas para a Ouvidoria de Direitos Humanos do Município e Defensoria Pública do Estado de São Paulo. 

O serviço também realiza oficinas socioeducativas para a população em situação de rua, oferece formação para a rede socioassistencial, monitora violações e realiza leituras da organização territorial, contabilizando o atendimento e vinculação da população em situação de rua na região. 

Fique por dentro 

Complemente a leitura e acesse outros conteúdos que abordam o desafio das pessoas em situação de rua no Brasil: 
– Governo anuncia R$ 1 bilhão para Plano Ruas Visíveis – pelo direito ao futuro da população em situação de rua (link); 
– População em situação de rua – Sefras (link); 
– Plano Ruas Visíveis – Pelo Direito ao Futuro da População em Situação de Rua (link); 
– População em Situação de Rua – Diagnóstico com base nos dados e informações disponíveis em registros administrativos e sistemas do Governo Federal (link); 
– Governo envia ao STF plano de quase R$ 1 bilhão para população em situação de rua (link). 

Outros conteúdos:

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