Publicado em
13/11/2024
Evento bienal para discutir formas de assegurar a conservação da biodiversidade global não avança na questão do financiamento, mas acena para mais participação social.
Por Paula Piccin, do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas
Getting your Trinity Audio player ready...
|
A conferência que não terminou. A COP16 da Biodiversidade – que aconteceu em Cali, Colômbia, de 21 de outubro a 1º de novembro – contou com alguns avanços importantes, mas deixou no ar e sem resolução uma de suas principais promessas: a criação de um novo Fundo Global para a biodiversidade, com decisões sobre mecanismos de acesso aos recursos e sobre quais países devem alocar mais dinheiro para a conservação e a regeneração dos ecossistemas.
Nenhuma dessas decisões avançou e, no último dia de negociações, por falta de quórum, a sessão foi suspensa, sem definição sobre quando será retomada. Há rumores de que isso aconteça no ano que vem ou que o debate se arraste para 2026, na COP 17, na Armênia.
Por dentro da COP da Biodiversidade
A Conferência das Partes (COP) da Biodiversidade é um encontro mundial dos 196 países membros da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), um tratado da Organização das Nações Unidas (ONU) para estabelecer instrumentos internacionais para proteção do meio ambiente.
O encontro acontece a cada dois anos para discutir formas de assegurar a conservação da biodiversidade global.
Visto que a perda de habitats e de biodiversidade no mundo se acelera a cada ano, as decisões estabelecidas nesses fóruns têm sido cada vez mais significativas. Estima-se que as atuais taxas de extinção sejam 35 vezes superiores às taxas prevalecentes nos últimos milhões de anos, por conta da influência humana.
Demandas de financiamento
Não há saída: para deter a perda de biodiversidade, que também significa salvar a vida da espécie humana na Terra, é preciso investimento e vontade política. Na COP15 realizada em Montreal em 2022, uma das metas acordadas foi a mobilização de recursos para a biodiversidade em torno dos 200 bilhões de dólares anuais até 2030.
Apesar desse acordo oficial, uma pesquisa de 2020 da The Nature Conservancy (TNC), Paulson Institute e o Cornell Atkinson Center for Sustainability da Universidade de Cornell, afirma que, para proteger e restaurar a natureza, seriam necessários entre 722 e 967 bilhões de dólares anuais. Ou seja, o valor aprovado oficialmente pelos países – que está longe de ser cumprido – é cerca de quatro vezes menor do que a necessidade real do Planeta.
A cobrança por parte dos países do sul global é a de que os países do norte – mais ricos e, historicamente, com altos índices de degradação ambiental e influência na economia – destinem os maiores valores a esse Fundo Global, para serem aplicados em países em desenvolvimento que ainda detêm porções de biodiversidade que precisam ser protegidas.
Nessa COP, o único avanço para esse item foi o anúncio de países no incremento, praticamente irrisório, de 163 milhões de dólares ao Fundo Global, totalizando um montante de cerca de 400 milhões de dólares. O acréscimo foi considerado um fracasso.
Os países do sul global, incluindo o Brasil, também defendem a criação de um novo fundo, que fique fora do arcabouço do GEF (Fundo Global para Meio Ambiente) e que o acesso ao recurso alcance também populações indígenas e comunidades tradicionais.
Por que se preocupar com a biodiversidade é importante?
A biodiversidade é o que possibilita ter agricultura, medicamentos, roupas e inúmeros materiais. Um ambiente biodiverso garante maior equilíbrio climático, variedade alimentar e maior resiliência a eventos naturais extremos.
A extinção de uma espécie da fauna, por exemplo, é algo muito impactante para a vida de um ecossistema. Há diversas espécies dispersoras de sementes, que repõem plantas e árvores no ambiente a partir dos frutos e sementes que comem. Perdê-las na Natureza é perder agentes que plantam e regeneram ambientes.
Avanços da COP16
Para além da decisão sobre quem vai pagar a conta da biodiversidade, a COP16 teve como objetivo avaliar os avanços das 23 metas globais (Kunming-Montreal Biodiversity Framework), que devem ser alcançadas pelos países até 2030.
Entre elas estão: garantir a conservação de 30% da terra, mar e águas interiores (chamada de meta 30×30) e restaurar 30% dos ecossistemas degradados pela ação humana.
Todas as metas estão disponíveis neste link. Confira.
Os países e seus planos de ação
Para alcançar as metas globais, os países concordaram em revisar suas Estratégias e Planos de Ação Nacionais (EPANB ou NBSAP, em inglês). O Brasil atualizou sua EPANB, sob a liderança de Braulio Dias, diretor de Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, e com a participação de diversos setores sociais e econômicos, porém não entregou o documento para a COP16.
Aliás, apenas 44 dos 196 países apresentaram os novos planos. Por isso, foi reafirmado o compromisso de os planos serem atualizados e entregues “o quanto antes”.
“Estamos concluindo a nossa EPANB, que teve uma ampla participação social e setorial e, neste momento, está em discussão no Conabio (Comissão Nacional da Biodiversidade) e, depois disso, passará por consulta nos ministérios. Acreditamos que em novembro ela esteja definida”, defendeu Braulio Dias durante o Abema´s Biodiversity Day, evento paralelo à COP16.
A proposta do governo, segundo Braulio, é já envolver a questão de monitoramento e avaliação, trazendo como parceiros o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), além de um plano para financiamento que já vem sendo estudado também junto ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
Os estados brasileiros, por sua vez, têm produzido as Estratégias e Planos de Ação Estadual de Biodiversidade (EPAEBs) para responder ao desafio da perda de biodiversidade, considerando a EPANB brasileira e as metas globais.
Repartição de benefícios
Houve um avanço inédito na regulação do Sequenciamento Genético Digital. Mais conhecido pela sigla em inglês, a DSI (Digital Sequency Information) para recursos genéticos consiste em informações genéticas armazenadas em bancos de dados que podem ser utilizadas, inclusive, para fins comerciais.
Na COP 16, os países chegaram a um acordo sobre o Fundo Cali, um Mecanismo de DSI voluntário para a repartição de benefícios gerados pelo uso de recursos genéticos e da correspondente informação de sequência digital.
O fundo vai compartilhar os benefícios de um determinado conhecimento com quem o originou. De acordo com as regras, indústrias farmacêuticas, de cosméticos e de suplementos alimentares, entre outras que se beneficiam comercialmente do uso desses materiais, devem contribuir com 1% do lucro ou 0,1% da receita.
O mecanismo não inclui pesquisas acadêmicas, de instituições públicas e organizações que usam as informações de sequência digital, mas não se beneficiam financeiramente delas.
Espera-se que ao menos metade dos recursos do fundo apoie povos indígenas e comunidades locais.
Inclusão social com ressalvas
Foram conquistados avanços relacionados à participação social. O primeiro deles, com papel decisivo do Brasil em parceria com a Colômbia, foi o reconhecimento oficial dos povos afrodescendentes como parte das populações que usam a biodiversidade de maneira sustentável. Uma reparação histórica e de reconhecimento do seu papel para a conservação da biodiversidade.
Em nota, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e o Processo de Comunidades Negras (PCN) comemoraram a aprovação do reconhecimento dos afrodescendentes no texto da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), “especificamente no artigo 8(j), que abrange os conhecimentos, inovações e práticas das comunidades locais e indígenas. Este avanço representa um marco histórico para a justiça e equidade no reconhecimento das contribuições das comunidades afrodescendentes para a biodiversidade e sustentabilidade global”, conforme aponta trecho do documento.
Outro avanço considerado histórico foi a criação de um órgão permanente para representar os interesses das comunidades indígenas e locais. Essa entidade irá representar “assuntos de relevância para os povos indígenas e comunidades locais”, buscando garantir a sua participação nas decisões sobre a biodiversidade.
“Conseguimos essa conquista que representa a participação e o protagonismo dos povos indígenas na orientação dos acordos e negociações sobre a biodiversidade”, disse a ministra Sonia Guajajara, celebrando o momento em suas redes sociais.
Especialistas defendem, entretanto, que agora se inicia uma nova etapa: a de entender como será o acesso aos recursos financeiros prometidos para esses grupos, ou seja, a real implementação desse processo.
Clima e biodiversidade: alerta para Baku e Belém
A integração entre ações para biodiversidade e combate à crise climática foi tema praticamente transversal na COP16, seja em âmbito das negociações oficiais, seja nos eventos paralelos realizados por empresas, organizações da sociedade civil, órgãos governamentais e academia.
Na COP16, a alta cúpula dos países reconheceu de maneira inédita que “a perda de biodiversidade, as alterações climáticas, a acidificação dos oceanos, a desertificação, a degradação, espécies exóticas invasoras e poluição, entre outras, são [crises][globais] interdependentes”. Além disso, conclamou as Convenções de Biodiversidade, Clima e Desertificação para a integração dos esforços.
Em todo o mundo, as soluções baseadas na natureza são indicadas como os principais caminhos para redução das emissões de gases de efeito estufa e para adaptação aos efeitos das mudanças climáticas e, claro, redução da desertificação.
A mensagem central para os negociadores na COP 29, do Clima, que acontece em novembro, em Baku, Azerbaijão, foi a de que a descarbonização das economias não deve ocorrer às custas da natureza e das pessoas, e que os direitos humanos devem continuar a sustentar a busca sinérgica de metas que contemplem ambos, clima e biodiversidade.
“Até mesmo para salvar a vida das pessoas se pensa no lucro em primeiro lugar”, criticou o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, anfitrião da conferência. Em seus dois discursos durante a COP16, ele não poupou críticas às empresas e às potências mundiais que defendem projetos apenas com fins de lucro para descarbonização e às petroleiras, que, para ele, são a causa da destruição da biodiversidade e da vida. “A única razão da existência da humanidade é a própria vida, para cuidar dela e não destruí-la”.
Com informações de CDB*
A jornalista Paula Piccin participou da COP16 representando o IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas.
Problemas globais, efeitos locais. Entenda o impacto das mudanças climáticas e a interconexão entre os biomas brasileiros.
Publicado em
17/09/2024
COP 29 acontece entre os dias 11 e 22 de novembro, em Baku, no Azerbaijão, e contará com cobertura jovem de Thalia Silva, ativista climática parceira da Revista Casa Comum.
Publicado em
12/11/2024
Ativistas e organizações afirmam que o documento final da COP 28, realizada em Dubai, representa um pequeno avanço, mas ainda insuficiente, para diminuição do uso de combustíveis fósseis para limitar o aquecimento do planeta
Publicado em
19/12/2023