Publicado em
19/12/2023
Ativistas e organizações afirmam que o documento final da COP 28, realizada em Dubai, representa um pequeno avanço, mas ainda insuficiente, para diminuição do uso de combustíveis fósseis para limitar o aquecimento do planeta.
Por Maria Victória Oliveira
Foto: Estevam Rafael/Audiovisual/PR/Agência Brasil
O finalzinho do mês de novembro e os primeiros doze dias de dezembro foram de ânimos a flor da pele e altas expectativas a nível mundial. O motivo? A realização da COP 28, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, na qual lideranças, representantes, ativistas, povos indígenas e tradicionais, juventudes, empresas e organizações da sociedade civil se reuniram para acompanhar as decisões sobre um novo acordo de políticas internacionais para limitar o aumento da temperatura média global e desenvolver medidas de combate às consequências das mudanças climáticas.
Os olhos do mundo todo voltaram-se às decisões que viriam a ser tomadas durante mais uma edição da Conferência. A grande maioria da espera resumia-se a acordos que colocassem na pauta a necessidade de uma diminuição imediata do uso de combustíveis fósseis.
Vale um parênteses rápido: em agosto deste ano, o Brasil promoveu a Cúpula da Amazônia, que reuniu chefes de Estado dos oito países integrantes da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA): Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Entretanto, a Declaração de Belém – documento que resultou do evento -, sequer citou a exploração de combustíveis fósseis, não pautou metas concretas para combater o desmatamento e recebeu críticas por não considerar diversos posicionamentos e demandas de populações locais.
A Cúpula apenas seguiu uma tendência de que os acordos produzidos em conferências e reuniões globais não responsabilizam as principais potências emissoras de gases e poluentes e não cobram investimentos e medidas efetivas.
“Infelizmente, o que vemos nesses anos de realizações das COPs e Conferências são cúpulas de negociações, para viabilizar as propostas de economia verde – greenwashing – e suas lógicas de economia de compensação a partir de mecanismos de mercado, violando os direitos dos mais pobres, principalmente as populações negras periféricas, quilombolas, povos originários e outros povos tradicionais”, defende Maíra Rodrigues, coordenadora da área de combate ao racismo ambiental do Instituto de Referência Negra Peregum, que esteve presente na COP.
A reunião de Dubai também era muito aguardada por representar um momento de balanço do Acordo de Paris, estabelecido em 2015 para limitar o aquecimento médio global a 1,5ºC.
E é aqui que entra o legado da COP 28.
Responsabilização
De acordo com balanço divulgado pelo Observatório do Clima (OC), é a primeira vez desde 1994, quando a Convenção do Clima da ONU entrou em vigor, que “os principais causadores da catástrofe climática são encarados”. Isso porque, se até o penúltimo dia da Cúpula tudo se encaminhava para o fracasso, com um texto que demandava uma “eliminação gradual, justa e ordenada” dos combustíveis fósseis, foi nas últimas horas do evento que um novo documento foi elaborado.
Segundo o OC, entre os principais pontos positivos das medidas está uma “convocatória clara e universal à transição” – do inglês, transition away from, “que pode ser entendida como um sinônimo de “eliminação gradual”, que, inclusive, deve começar ainda nesta década em ordem de manter o aquecimento médio a no máximo 1,5ºC, como determina o Acordo de Paris.
Para Maíra Rodrigues, a COP está se desenhando mais como um espaço de monitoramento do Acordo de Paris do que um espaço de tomada de decisões.
“Já estamos atravessando as emergências climáticas, visto que as emissões seguem crescentes. É gritante o descompasso entre o aumento da temperatura do planeta e as metas e ações necessárias. Há uma expectativa em torno de um calendário de eliminação de combustíveis fósseis, e diante disso é necessário criar um cronograma global para sua eliminação progressiva”, analisa.
Segundo o relatório The Global Tipping Points Report, lançado no dia 6 de dezembro durante a COP 28, as mudanças climáticas e a perda da natureza podem ocasionar, nos próximos anos, mudanças irreversíveis – os chamados pontos de virada, ou, no inglês, tipping points. Cinco sistemas estão diante desse risco: mantos de gelo da Groenlândia e Antártida Ocidental, recifes de corais de águas quentes, giro subpolar do Atlântico Norte (um sistema de correntes oceânicas frias) e as regiões de permafrost (solos congelados abaixo da superfície visível).
“Esses tipping points apresentam ameaças de uma magnitude nunca vista pela humanidade”, traz trecho do relatório, que aponta a possibilidade de um efeito dominó: se um tipping point dos citado acima for atingido, pode causar outro tipping point, que causa outro e assim por diante. “Tipping points mostram que a ameaça geral da crise climática e ecológica é muito mais severa do que é comumente compreendido”, reforça o documento.
A análise feita por especialistas, veículos de comunicação, ativistas e representantes de organizações da sociedade civil, é que o documento final ainda é insuficiente para responder à magnitude dos desafios colocados pela crise climática.
“Em seu parágrafo 28, o texto do Balanço Global do Acordo de Paris convoca os países a ‘fazer a transição para longe dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos de uma maneira justa, ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década crítica, de forma a atingir emissão líquida zero até 2050, em linha com a ciência’. É muito menos do que a ‘eliminação gradual justa, completa e adequadamente financiada dos combustíveis fósseis’ que a sociedade civil e as nações-ilhas exigiam para que o mundo tivesse a chance de limitar o aquecimento global em 1,5º C, ou o mais perto disso possível. Mas muito mais do que parecia possível na noite de segunda-feira, quando a presidência botou na mesa uma proposta de texto que as nações insulares rejeitaram como sua ‘sentença de morte’: um cardápio de opções que os países ‘poderiam’ adotar para ‘reduzir gradualmente’ as usinas a carvão mineral que não tivessem suas emissões compensadas ou sequestradas”, resume o Observatório do Clima em seu balanço sobre o evento.
Apesar disso, o evento contou com alguns avanços, como a operacionalização do Fundo de Perdas e Danos, uma ferramenta discutida durante a COP 27, que vinha enfrentando entraves quanto a seu financiamento. Com contribuições voluntárias, há um chamado para que países desenvolvidos forneçam o apoio necessário ao fundo.
Participação e protagonismo
Apesar de uma participação recorde de mais de 2.400 – 2.456 em números exatos – de lobistas do ramo petroleiro na COP 28 – o que, juntamente com a localização do evento em um país petroleiro, um petroestado, levou ao apelido de COP do Petróleo -, líderes de povos indígenas também se fizeram presentes. Segundo um levantamento da Coalizão Kick Big Polluters Out, foram 316 representantes indígenas.
Como bem lembrou a InfoAmazonia, pela primeira vez na história, o Brasil teve como chefe de delegação enviada para a COP uma mulher indígena. “Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, representou o país em um ano que contou com a maior participação indígena dentre todas as COPs, com 316 líderes de povos de diferentes regiões do planeta”, destacou o veículo.
Encontro com povos indígenas para marcha de entrada conjunta na COP-28. Ministra Sonia Guajajara e a presidenta da FUNAI, Joenia Wapichana, participaram do evento.
Foto: Estevam Rafael/Audiovisual/PR/Agência Brasil
A proporção entre os dois grupos, entretanto, é assustadora: a cada uma liderança indígena, havia cerca de sete lobistas de combustíveis fósseis presentes na COP, o que reforça a necessidade de espaços de discussão e tomada de decisões como esse serem ocupados por aqueles que realmente defendem a agenda do meio ambiente.
“A juventude indígena se fez presente denunciando as falsas soluções e as empresas que violam os direitos dos povos. Houve a presença de jovens negros fazendo grandes denúncias das violações de direitos na periferias. Um exemplo foi a presença de uma jovem de Maceió que, na mesa sobre racismo ambiental, debateu o caso da Braskem no seu território”, analisa Maíra Rodrigues.
Apesar de esse ano ter contado com uma participação maior de movimentos sociais – em especial dos movimentos e instituições negras que pautam justiça climática e combate ao racismo ambiental – se comparada às edições anteriores, a coordenadora chama atenção para a dificuldade que ainda há em uma participação ainda mais popular, devido a falta de financiamento e de recursos para integrar a COP. E reforça que, mesmo com a presença da sociedade civil no evento, ainda há tanta representação nos espaços de negociação.
“A ocupação massiva da COP são Estados, empresas e organizações do norte global, que deveriam assumir o compromisso de pagar a conta das mudanças climáticas. Por outro lado, os movimentos sociais e organizações da sociedade civil sempre organizaram-se em agendas paralelas aos eventos oficiais, para elaborar estratégias e fazer as denúncias dos inúmeros casos de violações de direitos que diferentes populações atravessam no mundo. Já são quase 30 anos desde a primeira COP. No entanto, organizações negras, periféricas e indígenas começam a ter efetivamente espaço para denúncias e demandas somente nessa última [edição].”
Brasil na contramão
O governo brasileiro atraiu para si holofotes indesejados ao se posicionar na direção contrária das decisões e do objetivo geral da COP. Logo no início da Conferência, o governo confirmou a entrada do país na OPEP+ (Organização dos Países Exportadores de Petróleo).
Outro fato que não foi visto com bons olhos: a realização de um leilão da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), realizado no dia 13 de dezembro, um dia depois do encerramento da COP de Dubai.
Apelidado de ‘leilão do fim do mundo’ por organizações de defesa do meio ambiente, a ANP arrecadou R$ 421,7 milhões no leilão de 33 setores com blocos exploratórios de petróleo nas bacias sedimentares de Amazonas, Espírito Santo, Paraná, Pelotas, Potiguar, Recôncavo, Santos, Sergipe-Alagoas e Tucano. Segundo a Agência Brasil, foram arrematados 192 blocos, que correspondem a uma área de 47,1 mil quilômetros quadrados, o que equivale a aproximadamente o tamanho do Espírito Santo.
Essas decisões ofuscaram, por exemplo, o acordo de 118 países – do qual o Brasil é signatário – anunciado no início da COP 28 para triplicar as capacidades para energias renováveis (como eólica, solar, hidroelétrica, entre outras) até 2030, o que contribuiria para a diminuição do uso de combustíveis fósseis.
De acordo com o estudo Triplicar as Energias Renováveis Globais até 2030: Difícil, Rápido e Realizável, da consultoria BloombergNEF, “triplicar a capacidade de energias renováveis até 2030 é um componente importante para colocar o mundo no rumo de alcançar emissões zero até 2050”. O documento também reforça que é necessário duplicar a taxa de investimento em energias renováveis para cerca de 1,1 trilhão de dólares por ano entre 2023 e 2030, se comparados com os 564 bilhões investidos em 2022.
Rumo à COP 30
Se esse ano a atenção mundial voltou-se à Dubai, em 2024 a COP 29 aterrissa no Azerbaijão, e, em 2025, dez anos depois do Acordo de Paris, é a vez de Belém, no Pará, receber a COP 30.
A decisão foi recebida com preocupação por diversos representantes da sociedade civil. Isso porque, estimativas apontam que a cidade paraense precisaria quadruplicar sua capacidade hoteleira para atender os cerca de 50 mil participantes do evento.
Já a Agenda Climática para Belém, documento propositivo elaborado pela rede Jandyras e a organização Mandí, mostra que a preparação da cidade para receber a Conferência do Clima em 2025 vai muito além de somente hospedagem. Entre as propostas do que deve ser feito está: preparação da população local para entender o debate; repensar a mobilidade urbana; universalizar o saneamento, ampliando o abastecimento de água e tratamento de esgoto, garantir o direito a habitações considerando o cenário climático, entre outras medidas.
De qualquer forma, os preparativos já começaram. No destaque da 7ª edição da Revista Casa Comum, Caetano Scannavino, coordenador do Projeto Saúde e Alegria, iniciativa da sociedade civil que atua desde 1987 na Amazônia brasileira, chama de ‘Belém a Belém’ a conexão entre a Cúpula da Amazônia, realizada em agosto deste ano, e a COP 30, em 2025.
Para Caetano, são dois anos que decidirão o século, e o Brasil pode estar à frente do debate. “O país tem uma oportunidade única de pautar, a partir do Sul Global, uma nova governança do clima, que seja mais justa, igualitária e pragmática. Precisamos discutir se queremos um desenvolvimento só para alguns e no presente, ou se para todos e para o futuro também. O governo brasileiro tem tudo para liderar esse debate global, colocando em pauta os países que mais emitiram gases até esse momento”, aponta.
Maíra, por sua vez, comenta que agora é a hora de os movimentos lutarem por um maior protagonismo na construção da Conferência, trazendo como pauta principal a importância de a transição energética ser feita a partir de ações que garantam a soberania dos povos do campo e da cidade. “Só assim teremos justiça climática com combate ao racismo ambiental, e mais financiamento dos países mais poluidores.”
Fique por dentro
Confira abaixo coberturas, conteúdos e falas de quem acompanhou, presencialmente ou à distância, a COP 28:
Amazônia Real classifica COP 28 como “muito barulho por ‘quase’ nada”
“O documento final da COP 28, resultado de uma negociação diplomática considerada dramática e resultado de muita mobilização dos movimentos ambientais e sociais, pode ser considerado um pequeno avanço para o fim da era dos combustíveis fósseis por ser um sinal inédito para o alcance desse objetivo. Apesar de ser um importante sinal para essa mudança, o Balanço Global do Acordo de Paris, principal documento desta COP, é considerado por especialistas do clima e lideranças dos movimentos sociais como insuficiente para garantir a estabilização do aquecimento do planeta em 1,5ºC, um objetivo ambicioso, porém extremamente necessário.”
Via Amazônia Real
Protagonismo e tomada de decisão
“Hoje, essa é uma demanda dos indígenas: que estejamos na mesa de decisão, para que esses fundos que já foram criados na COP cheguem diretamente às comunidades que estão na base. Nós sabemos gerir nossos territórios, nós podemos gerir esses recursos e nós sabemos o que é melhor.”
Txai Suruí à InfoAmazonia
O que podemos concluir sobre a COP 28?
Publicação do Instituto de Referência Negra Peregum traz balanço sobre o evento:
Repórteres da Agência Pública fazem balanço sobre o evento
Giovana Girardi, editora de clima, e a repórter Anna Beatriz Anjos estiveram em Dubai e acompanharam os debates da COP 28.
“A delegação indígena brasileira é a maior da história em COP’s — e a cada ano vem quebrando esse recorde. Também temos, por exemplo, uma delegação grande de quilombolas e movimentos periféricos que veio para cá. Essa presença da sociedade civil vem se intensificando ao longo dos anos em muitos eventos sobre racismo ambiental, justiça climática e desigualdade de gênero. O problema é que, muitas vezes, esses grupos, que são os mais afetados pelos efeitos da crise climática, não estão nos espaços de tomada de decisão, onde as negociações acontecem e os acordos são firmados, em última instância.”
Anna Beatriz Anjos via Agência Pública
Conteúdo do Nexo faz balanço do evento
Nexo Jornal aponta 7 chaves para entender o acordo do clima da COP de Dubai.
Via Nexo
Estudiosos, ativistas e defensores ambientais afirmam sobre a centralidade de um pensamento ecológico para desacelerar o contexto de emergências em razão das mudanças climáticas e o colapso ambiental.
Publicado em
23/11/2023
Enquanto você lê esta matéria, dezenas de brasileiros e brasileiras – ativistas, pesquisadores, governantes, investidores […]
Publicado em
28/11/2023
Nações de todo o mundo têm se mobilizado para reverter o quadro e minimizar os efeitos da ação humana na natureza. Confira os principais marcos do desenvolvimento socioambiental desde 1960.
Publicado em
23/11/2023