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Publicado em

24/04/2025

Legislações em tramitação no Congresso Nacional buscam valorizar e proteger os fazedores da cultura popular brasileira

"Os saberes e fazeres dos mestres e mestras torna a sociedade muito melhor: faz bem para a alma, para a natureza e para a nossa convivência. Valorizar os mestres é dar um não para o racismo."

Por Daniele Próspero

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O movimento e a força das danças tradicionais ganham destaque sob as luzes do palco, celebrando a ancestralidade durante o Festival das Culturas Populares e Tradicionais de Cananéia (SP), 2024. Foto: Mauricio Velloso

“Os saberes e fazeres dos mestres e mestras torna a sociedade muito melhor: faz bem para a alma, para a natureza e para a nossa convivência. Valorizar os mestres é dar um não para o racismo. Essa lei me remete a algo muito importante que é a reparação social que precisamos fazer nessa sociedade racista.”

A fala de Gilberto Augusto da Silva, mestre jongueiro e presidente do Fórum para as Culturas Populares e Tradicionais ecoa a luta de milhares de fazedoras e fazedores de cultura popular do Brasil que, há 14 anos, estão em busca da aprovação do PL 1.176/2011, a Lei das Mestras e Mestres, para criar um marco legal de proteção e promoção dos conhecimentos e das manifestações culturais. O PL é analisado pelos parlamentares em conjunto com o PL 1.786/11, que institui a Política Nacional Griô para proteção e fomento à transmissão dos saberes e fazeres de tradição oral.

“Somos resistência e merecemos respeito pela nossa história. É simples. Basta implementar. Eles ajudaram a construir o nosso país. O conhecimento que eles têm das raízes é tão fundamental”, complementa Iara Aparecida Ferreira, mestra do Congado e criadora do Ponto de Cultura Moçambique Estrela Guia.

Os depoimentos de Gilberto e Iara foram apresentados durante audiência pública realizada no final de novembro de 2024, na Câmara dos Deputados em Brasília, como mais uma ação para pressionar os legisladores para a aprovação do projeto de lei que cria o Programa de Proteção e Promoção dos Mestres e Mestras dos Saberes e Fazeres das Culturas Populares. Ao longo de todos esses anos de tramitação, diversas ações foram realizadas pelos defensores dessa causa, mas, até o momento, a lei não saiu do papel. Atualmente, o PL 1.176/11 está na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

A proposta prevê o pagamento de um auxílio financeiro de, pelo menos, dois salários mínimos a pessoas que reconhecidamente representem a cultura brasileira tradicional, de acordo com critérios do Conselho Nacional de Política Cultural.

“O ecossistema das culturas populares inclui diversos atores como brincantes, gestores, pesquisadores, fotógrafos, cinegrafistas e produtores culturais. Programas, políticas, editais públicos e privados normalmente contemplam esses profissionais que revelam e fomentam atividades culturais necessárias para divulgar as manifestações em variados espaços, para toda a nossa sociedade. O PL 1.176/2011 é uma das poucas ações em que o dinheiro público chegará diretamente para mestras e mestres, os grandes protagonistas das transmissões dos saberes e conhecimentos das comunidades e povos tradicionais. Por isso, a sua aprovação é urgente e uma resposta real do poder público para o reconhecimento dos formadores das culturas populares do Brasil”, ressalta Thereza Dantas, integrante do Pontão de Cultura Rede das Culturas Populares e Tradicionais e diretora do Fórum para as Culturas Populares e Tradicionais.

Histórico das legislações

O antropólogo Marcelo Simon Manzatti explica que a aprovação desse projeto vem atender a uma demanda que está presente na Constituição de 1988, que, no seu artigo 215, faz referência às fontes da cultura nacional e, no seu artigo 216, fala dos bens do patrimônio material e imaterial, e da importância dos portadores de referência da identidade. Porém não há ainda uma legislação em nível nacional ou política de Estado que garanta que essas ideias se concretizem.

“É quase unânime que uma das fontes mais importantes são as expressões das culturas populares e tradicionais. São as manifestações, práticas e fazeres gigantescos que estão contidos nesse universo, a principal fonte da nossa identidade, da onde a gente busca as referências do que seriam as identidades
de ser brasileiro”, comenta.

Segundo Marcelo, o debate não começou em 2011, com a criação do projeto de lei, mas bem antes, quando o Brasil passou a acompanhar mais de perto as discussões internacionais sobre o tema. Em 1989, por exemplo, foi criada a Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular, dentro da da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), sendo o primeiro grande documento que faz referência à proteção das culturas tradicionais e populares.

Já em 2003, surgem as Diretrizes para a criação de sistemas nacionais aos tesouros humanos vivos, que são os guardiões desses saberes e fazeres nas diversas comunidades que os praticam. Marcelo explica que havia a recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU) para que os países criassem políticas e cuidassem desses saberes, tendo em vista o avanço da globalização, e a possível perda que poderia ocorrer, e das vulnerabilidades sociais que atingem as pessoas dessas comunidades.

“O que existem nessas leis é, primeiro, o reconhecimento oficial por parte do Estado da importância desses mestres, da importância estratégica desses saberes para a cultura nacional como um todo, que o Estado registre esses saberes em livros, vídeos e disponibilizem amplamente para a população e faça circular. E, segundo, o apoio financeiro para que essas pessoas possam continuar com suas práticas e possam fortalecer o processo de transmissão para as novas gerações. Isso é a base.”

Segundo o antropólogo, o Brasil até saiu na frente e, por meio do decreto 3551, de 2001, criou o Registro dos Bens Culturais de Natureza Imaterial, que são 4 livros: dos saberes, das celebrações, das formas de expressão e dos lugares (veja mais no Raio-X, na página 22). Infelizmente o quinto livro foi esquecido, ele seria sobre os tesouros vivos, ou seja, os mestres.

A partir de 2000, vários estados do Brasil começaram a criar suas leis de mestres estaduais. O primeiro foi Minas Gerais, em 2002, mas não foi adiante em termos práticos, ao contrário de Pernambuco, que, desde 2002, também tem adotado ações de proteção. Em seguida, outros estados, principalmente do Nordeste, passaram a criar suas leis: 2003, Ceará e Bahia; 2004, Alagoas e Paraíba; 2007, Rio Grande do Norte; em 2008, o Piauí; entre outros. Também os municípios, em 2007, como São Luís do Maranhão e, em 2009, Laranjeiras, no Sergipe. E hoje já há dezenas de municípios que adotaram mecanismos.

Tramitação sem fim

Mas, afinal, por que a demora na aprovação desses projetos de lei? Segundo a avaliação de Marcelo, há vários fatores. O primeiro é o fato de que as pautas de cultura não sensibilizam e não são prioridades no Congresso, sendo muito raro deputados que abracem essa causa. Outro ponto é que o Ministério da Cultura, ao longo dos anos, não se envolveu nas ações para a aprovação dos projetos. E, por fim, o tema da cultura popular é uma pauta marginal dentro da própria cultura, mesmo sendo um segmento muito amplo.

“Não é um tema que está na primeira prateleira. E deveria ser, pois esse é o grande segmento da cultura. É só olhar tudo o que está envolvido com samba, capoeira, congada, festas populares religiosas etc. Porém é sempre vulnerável do ponto de vista social, grupos sempre excluídos. Assim, a cultura que eles produzem nunca foi uma marca importante, que não merecia a gestão. Só que a gente sabe que não é isso, tem uma diversidade gigantesca”, comenta.

Marcelo destaca que, ao longo dos anos, as leis locais também foram se modificando. Porém não se sabe ao certo como estão tais legislações. Atualmente, inclusive, está sendo realizado um levantamento, do qual Marcelo está participando, para se criar um panorama real da situação das legislações e os benefícios para os mestres e mestras.

Próximos passos

O texto do PL, depois de passar por várias comissões, está agora na Comissão de Constituição e Justiça e, se for aprovado, vai para o Senado, não precisando ir para o plenário. Um passo importante, na avaliação de Marcelo, é que os cidadãos pressionem seus deputados a votarem a favor da lei.

Outro caminho possível, tendo em vista a atual realidade brasileira – depois de 14 anos em tramitação – seria a criação de um novo projeto de lei, pautado pelo Ministério da Cultura, com novas discussões que estão acontecendo. O MinC, por meio da portaria 151, de agosto de 2024, criou um Grupo de Trabalho com o objetivo de produzir subsídios para a elaboração e implementação da Política Nacional para as Culturas Tradicionais e Populares, com a participação de diversas secretarias e outros ministérios, uma prioridade votada na Conferência Nacional de Cultura.

“A questão dos mestres vai ser uma das prioridades. O ideal seria realmente a criação de uma lei votada pelo Congresso Nacional, o que garante que seja estabelecida. Se não, vira programa de governo e não uma política de Estado. Se for lei ordinária, é outra garantia”, comenta Marcelo.

Como participar

>> Você pode colaborar assinando o abaixo-assinado. Além de assinar, é possível também compartilhar para que mais pessoas possam aderir e se engajar na causa.

>> Mais informações podem ser obtidas também com a Rede das Culturas Populares e
Tradicionais pelo e-mail: pontaodeculturarcpt@gmail.com ou www.instagram.com/rededasculturas

>> A audiência pública sobre o PL 1.176/2011, no canal da Câmara dos Deputados, pode ser conferida pelo link:

Fique por dentro

>> PL 1.176/2011, a Lei das Mestras e Mestres: bit.ly/RCC_12_38
>> PL 1786/11: bit.ly/RCC_12_39

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