Publicado em
24/04/2025
Por Susana Sarmiento
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“Antes da torre global,
Do Itaú Cultural,
Do metrô
E da metrópole,
Da parada gay
E do réveillon,
Era ele, o velho, belo e bom
Jequitibá do Trianon.”
Com esses versos, o letrista, compositor, escritor e jornalista Carlos Rennó, 68 anos, propõe uma reflexão sobre as transformações ambientais promovidas pela expansão urbana e a vida agitada das grandes metrópoles. Aqui, o Jequitibá do Trianon é a testemunha de todo esse processo ao mesmo tempo criativo e violento. O trabalho de Rennó é uma referência do “artivismo” na luta contra o desmatamento. Além de Jequitibá, essa luta está em muitas outras de suas canções como Demarcação Já – que fez parte da campanha do Greenpeace em 2017 –, Para Onde Vamos? – utilizada na campanha da Coalizão pelo Clima, de 2019 – e O Relógio do Juízo Final – usada na campanha indigenista da Boa Foundation, de 2022.
O termo artivismo tem ganhado destaque como a fusão da arte e ativismo político, configurando-se como uma forma potente de expressão e transformação social. Esse conceito reflete a utilização de manifestações artísticas – como teatro, música, grafite, cinema e performances – para mobilizar a sociedade, propor reflexões sobre o mundo, questionar estruturas de poder e promover mudanças.
O artivismo se diferencia por sua capacidade de sensibilizar e engajar as pessoas de maneira emocional e simbólica, ultrapassando as barreiras do discurso. Por meio de linguagens criativas e acessíveis, ele alcança diferentes públicos e contextos, provocando reflexão.
Rennó explica que a sua preocupação com a preservação dos recursos naturais teve início nos anos 1970: “Pelo que me lembro, o primeiro artista que começou a abordar esse tema foi o Bené Fonteles, cantor, compositor e artista plástico, há 40 anos. Um artista cujo trabalho criativo é muito ligado à natureza, ao meio ambiente e às religiões ligadas à natureza. Fui apresentado a ele pela cantora Tetê Espíndola e foi nesse período que comecei a também compor canções, na época chamadas de ecológicas.”
Para o músico, vivemos o Antropoceno, uma era geológica em que a ação humana é o agente de mudanças profundas nos sistemas naturais do planeta, impactando desde o clima e a biodiversidade até as estruturas do solo. “Numa era como essa, a arte precisa assumir o papel de refletir e revelar o que está acontecendo no mundo”, afirma.
Arte nos murais
A questão ambiental também é tema de diversas intervenções do artista plástico Thiago Mundano, 39 anos. Em 23 de outubro de 2023, por exemplo, ele inaugurou um mural, no centro da cidade de São Paulo, no qual utilizou mais de 100 kg de elementos retirados de desastres ambientais no Brasil: cinzas de queimadas na Amazônia, no Cerrado, no Pantanal e na Mata Atlântica; e lama das enchentes no Rio Grande do Sul. O mural tem mais de 1.500 m2 e reproduz o rosto da ativista indígena Alessandra Korap, que segura uma placa com a frase “Pare a destruição”, representando sua luta pela proteção das terras indígenas. Ao fundo, a floresta destruída pelas queimadas e pela lama.
Este trabalho faz parte do projeto Paredes Vivas Cinzas da Floresta, que utiliza a arte urbana como principal ferramenta para a conscientização ambiental, dispondo de cinzas de queimadas de florestas transformadas em tinta para a produção de murais colaborativos. Também ofereceram atividades de arte e educação a estudantes de escolas públicas ao entorno das empenas e contaram com a articulação de artistas locais nas cidades de São Paulo, Campo Grande, Goiânia, Fortaleza e Belém.
Mundano acredita “que as criações artísticas e estéticas de qualquer linguagem têm o poder de tocar o ser humano num lugar emocional, de nos fazer sentir muito mais forte o problema do que números.” Para ele, os dados são importantes, “pois com eles a gente consegue entender o tamanho e a dimensão do desafio, mas é com a arte que conseguimos mover as pessoas.”
Para o artista, existem diversas manifestações que usam a arte como ferramenta de transformação social, política e ambiental: “Vejo que o grafite tem muita relevância, em especial uma vertente chamada de papo reto, assim como os saraus periféricos, que têm uma força gigantesca dessa poesia contra o seu cotidiano, da denúncia ao racismo estrutural, à violência doméstica. Isso é muito potente. Também vejo que as crianças estão trazendo um artivismo digital de pôsteres e memes muito poderoso.”
Em 2012, Mundano fundou o projeto Pimp My Carroça, que tem como objetivo “criar e desenvolver ações criativas e colaborativas a fim de impactar positivamente no reconhecimento e remuneração justa das catadoras e catadores de materiais recicláveis”. Segundo ele, a organização comemora 12 anos, impactando, até o momento, 96 cidades, mais de 10 mil carroças e envolvendo mais de 2 mil artistas, ilustradores e grafiteiros. “Tudo que é criador de arte de rua que você possa imaginar já chegou junto com as carroças”, afirma.
Mundano acredita que o Pimp My Carroça atingiu importantes objetivos: “O App Cataki, por exemplo, tem dados e registros de mais de mil municípios com pessoas e catadores querendo reciclar. Estão vendo o artivismo se tornando ferramenta de aumento de renda para catadores de material reciclável, fazendo inclusive carrinhos e carroças elétricas para melhorar a vida e o trabalho dos catadores.”
Desde 2021, o Pimp My Carroça se uniu a diversas organizações da sociedade civil para criar a Coalizão Megafone Ativismo, que conta também com a participação do Instituto Socioambiental, Engajamundo, Sumaúma Jornalismo e Associação Intercultural de Hip-Hop Urbano da Amazônia (AIHHUAM). Uma das principais iniciativas da Coalizão é o Prêmio Megafone de Ativismo, que chega a sua 4ª edição neste ano para legitimar o ativismo em centros urbanos e espaço digital com foco no ativismo socioambiental, com 60 indicados e 14 premiados, em 14 categorias.
Artivismo literário: a palavra escrita e falada chega na Fuvest
Mel Duarte, 36 anos, é escritora, poeta, slammer e produtora cultural. Ela começou a escrever aos oito anos e conta que foram os saraus da cidade de São Paulo que a incentivaram a se dedicar à vida literária. Entre seus principais trabalhos estãos os livros de poesia Fragmentos Dispersos (2013), Negra Nua Crua (2016, Editora Ijumaa), As bonecas da vó Maria (2018, Itaú Leia com uma criança), Querem nos calar: Poemas para serem lidos em voz alta (2019, Editora Planeta), A descoberta de Adriel (2020, Itaú Leia com uma criança) e Colmeia: Poemas reunidos (2021, Editora Philos).
Mel também integrou o Slam das Minas e o coletivo Poetas Ambulantes. Ela explica que escrever é uma forma de se colocar no mundo e encontrou na poesia uma maneira de organizar o seu pensamento e de se fazer compreendida. Um de seus poemas, inclusive, o Bem-vinda!, que integra o livro Colmeia: Poemas reunidos, ganhou as páginas da prova da Fuvest de 2024.
“Eram faíscas suas palavras que me queimavam em
doses homeopáticas
durante todas as noites…
Foram longos anos, dia após dia perdendo um pouco
mais minha autoestima,
abrindo mão das roupas que gostava, dos estudos, do
trabalho e das amigas
fazendo de tudo pra evitar brigas,
mas ele sempre dizia que a culpa era minha.”
Os versos abordam um tema sempre presente no trabalho de Mel Duarte, que é a luta das mulheres contra os muitos tipos de opressão que sofrem ao longo da vida. Aqui, o tema é violência doméstica e relacionamento tóxico. “Eu descobri que o meu poema tinha caído na Fuvest porque comecei a receber mensagens de jovens que fizeram a prova. Isso me pegou de uma forma surpreendente, eu pensei: ‘Gente será que isso é verdade?’ Quando uma professora mandou para mim a prova,
fiquei extasiada!”, conta entusiasmada.
E explica: “Comecei um coletivo chamado Poetas Ambulantes, com alguns companheiros e companheiras. Quando a gente declamava poesia no metrô, nos trens e nos ônibus, falávamos para as pessoas: ‘Gravem bem esse nome, porque um dia nosso poema vai cair no vestibular’.”
A autora conta que o poema é claramente um exercício de artivismo: “O Bem-Vinda! é um poema que escrevi após ter um contato com a organização social Nova Mulher, que recebe mulheres que passaram por violências diversas e estão se recuperando. Quando recebi esse convite, ouvi muitos áudios de histórias de mulheres que enfrentaram diversos tipos de atravessamentos, mas ainda assim conseguiram sobreviver. É um texto que, quando declamo, a comoção é bem grande, porque é uma temática que infelizmente gira em torno da realidade de muitas mulheres.
Fique ligado
>> Carlos Rennó: carlosrenno.com
>> Mel Duarte: www.instagram.com/melduartepoesia
>> Mundano: www.instagram.com/mundano_sp
Giro de artivismo pelo Brasil
Batalhas de poesias para a ação
“E se o que está em jogo é lutar pela paz
Sejamos Mandela, sejamos Racionais
Pra pensar e cantar, coração em fúria
Que é feita de sangue, mas também de sol
Solidão e de fé e de dor
De irmandade e amor, é por isso que eu vou
E eu vou e eu vou….”
O trecho acima faz parte da poesia Revide, de autoria de Roberta Estrela D’Alva em Afoxé do Mangue, faixa do disco Afrofuturista de Ellen Oléria. Roberta é atriz, pesquisadora, produtora cultural e poeta, apresentadora do programa Manos e Minas e membro-fundadora do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos (primeira companhia de Teatro Hip-Hop do Brasil). Referência no movimento poetry slams, as conhecidas batalhas de poesias faladas no Brasil, Roberta foi uma das curadoras da mostra Gira da Poesia – 15 anos de slam no Brasil, no Instituto Tomie Ohtake:
“Slam é poesia popular, feita pelo povo e para o povo, que tomando para si de um lugar que é seu por direito, comparece em frente a um microfone para dizerem quem são, de onde vieram e trazer suas diversas poéticas, estéticas e seu ponto de vista sobre o mundo em que vive. É um espaço da escuta de vozes silenciadas. É a performance do corpo a corpo, do olho no olho, do ritual onde a palavra é comungada entre todos, sem hierarquias. Slam é educação não convencional, formação das quebradas, supletivo poético popular onde são repassadas as matérias que importam para enfrentarmos os difíceis tempos em que vivemos.”
Projeções em espaços públicos para protestar
Felipe Mozart é um dos idealizadores do Projetemos, uma rede nacional de projecionistas livres, que ilumina construções com projeções de mensagens sobre temas ambientais, sociais e culturais, convocando a sociedade para a ação.
“Minha arte mobiliza as pessoas no momento em que as ilumina com nossas luzes da democracia.”
Conheça: www.instagram.com/projetemos
Intervenção urbana traz histórias inviabilizadas
Soberana Ziza é uma artista com trabalhos de intervenção urbana e em espaços culturais sobre negritude, feminino e afrofuturista. Já foi indicada pelo Prêmio PIPA e ganhadora do Prêmio Pretas Potências, ambos em 2023.
“Minha arte busca mobilizar o público ao criar conexões entre memória, identidade e território, provocando reflexões sobre o apagamento da história negra nos espaços urbanos. Através de performances e oficinas, convido as pessoas a interagirem com as narrativas que resgatam e reconstroem histórias invisibilizadas. Minha causa no artivismo é enaltecer a presença negra, especialmente feminina, nos marcos históricos e culturais, criando diálogos que inspirem ações e que a rua, esse lugar democrático, seja o caminho para esse encontro e debate.”
Conheça: www.soberanaziza.com
Arte digital como ação política
Roberto Adrião é designer, VJ e DJ, com trabalhos
em vídeo mapping e decoração psicodélica. Atua na Conexão Puxirum, um coletivo de artistas em atividades socioculturais no Norte do país.
“A forma de atuação da minha arte digital conecta
artistas, fazedores de cultura, empresas e
profissionais independentes que trabalham
colaborativamente. Juntos fazem do vídeo
mapping uma ação política, especialmente
quando pensado em intervenções por um apelo
social sobre uma causa em questão. Essas ações
inspiram crianças, jovens e adultos. Com atuação
em Manaus, onde tenho a Conexão Puxirum, que
usa a tecnologia, o design gráfico e o motion, o
vídeo mapping e a decoração psicodélica como
ferramentas para transformar a vida das pessoas
em comunidades locais de Manaus e no interior
do extremo Norte do Brasil.”
Conheça: www.instagram.com/conexaopuxirum
Arte-educação como ferramenta de transformação
Rafael Moreira da Costa Lima é o Viajante Lírico, artista do estúdio @marginowmusic, arte-educador, poeta, escritor, MC, ator, fotógrafo e comunicador do @portalcomunicria.
“Minha arte é o caminho para a causa que eu acredito, que é a democratização do acesso à cultura e educação de qualidade, principalmente para crianças e jovens, de territórios populares. Utilizo poesia e rap como ferramentas de transformação social, levando atividades lúdicas e interativas para escolas, projetos sociais, museus e onde mais a arte permitir chegar. Acredito que arte e artivismo precisam andar lado a lado e colaborar na mobilização social, porque causa um impacto direto na sociedade, conscientiza, gera reflexão, empatia, faz o outro acreditar na possibilidade de fazer deste mundo um lugar melhor para se viver.”
Conheça: www.instagram.com/viajantelirico
Literatura traz as vozes da periferia
Adriana Santos de Oliveira, a Dri Reverso, é assistente editorial, produtora e faz parte da Edições Me Parió Revolução, um selo independente, organizado e criado por mulheres periféricas. Publica livros de autoras negras e periféricas e democratiza o acesso à literatura, com livros gratuitos e ações literárias em espaços públicos.
“Ao promover a literatura como instrumento de resistência, o selo editorial Me Parió Revolução contribui para a conscientização e a mobilização sobre questões cruciais, como o genocídio da população negra, o empoderamento feminino, o feminicídio e a luta contra o racismo estrutural. Através de suas publicações e ações culturais, como saraus e feiras literárias, a Me Parió cria espaços de visibilidade para as histórias e vozes periféricas, historicamente marginalizadas nas narrativas dominantes da sociedade. O artivismo da Me Parió Revolução engaja a comunidade em ações concretas de resistência e transformação, contribuindo para a mobilização política e social em prol da justiça racial, de gênero e de classe.”
Conheça: www.mepario.com