Publicado em
27/03/2024
Cada vez mais, as juventudes das quebradas ocupam espaços de debate político; “a vida do jovem é atravessada pela política, mas não necessariamente a tradicional”, diz ativista.
Por Jacqueline Maria da Silva (redação) e Sarah Fernandes (edição) da Agência Mural*
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Rafael Cyríaco. Foto: Arquivo pessoal
Em 2024, os brasileiros voltarão às urnas para escolher prefeitos e vereadores de seus municípios. Nesse momento fundamental da democracia, um grupo deve fazer a diferença: os jovens periféricos, que seguem na vanguarda das lutas democráticas.
Eles estão em movimentos populares, partidos políticos ou trabalhos comunitários, provando que a política está em diferentes espaços e que são interessados em defender pautas em que acreditam.
“O jovem participa bastante da política porque a sua vida é atravessada pela política, mas não necessariamente ele vai fazer parte da política tradicional, ingressando em um partido ou sindicato”, comenta o estudante de Letras Rafael Lucas Leonel Cyríaco, 25, cofundador do coletivo Maloka Socialista, em Cidade Dutra, zona sul da capital paulista.
Cada vez mais, os jovens periféricos ocupam espaços, institucionalizados ou não, para fazer debates políticos – incluindo as redes sociais, onde conseguem dar visibilidade aos discursos. O fato é que essa participação política, com os anseios, desejos e questionamentos próprios da idade, é fundamental para o desenvolvimento da sociedade e da democracia, como concordam especialistas.
Política partidária
Nas eleições de 2020, a vereadora de Mogi das Cruzes – cidade da Região Metropolitana de São Paulo – Maria Luiza Fernandes (Solidariedade), 23, se tornou uma das pessoas mais jovens a assumir o cargo nas Câmaras Municipais de São Paulo.
Conhecida como Malu e moradora do Bairro Ponte Grande, ela atribui a vitória ao engajamento na política desde cedo, que a tornou uma referência entre jovens da sua geração na cidade.
A situação reflete uma realidade da Grande São Paulo: apenas 10 das 39 cidades da região elegeram candidatos de até 24 anos para ocupar uma cadeira no parlamento municipal entre 2020 e 2024.
Dentro dos partidos, a situação não é diferente. Na cidade de São Paulo, não chega a 1% o total de filiados entre 16 anos, idade mínima para ingressar em um partido, e 24 anos. O distrito de Pedreira, na zona sul, tem o maior número absoluto de jovens filiados: 237. Na sequência, vem Parelheiros (186), também na zona sul, e Perus (174), na zona norte.
Maria Luiza Fernandes. Foto: Diego Barbieri / Câmara de Mogi da Cruzes
“Não me identificava com a questão do jovem na política até que, em 2019, decidi me candidatar para poder contribuir com Mogi. Na época, eram 23 vereadores e somente uma mulher. Não havia nenhum jovem.”
Ativismo periférico
Nica Gonçalves. Foto: Arquivo pessoal
“Não fazia sentido ‘atravessar a ponte’ quando minha intenção era estar com os meus. Tudo que eu faço é pensar no meu território”, relata a socioeducadora Nica Gonçalves, 21, que optou por atuar em coletivos da zona norte de São Paulo. Aqui é muito potente.“
Sem pretensão de concorrer a cargos políticos, Nica se filiou a um partido de extrema esquerda para participar de debates sobre questões que considera importantes para as juventudes periféricas, em especial o combate ao racismo e às políticas higienistas, duas pautas nas quais está bastante envolvida.
A falta de representatividade dos bairros mais afastados em espaços políticos também levou o estudante Rafael Lucas a se afastar dos movimentos de esquerda. “Trabalhamos com pautas de quebrada, como as eleições do Conselho Tutelar, por compreender que este é um espaço importante para a gente ocupar. Também atuamos com questões de negritude, LGBTQIA+, mulheres, trabalhadores, leis culturais e hip-hop.”
A defesa e valorização dos territórios periféricos são temas que também permeiam as atividades cotidianas de Rafael. Morador da Vila da Paz em Cidade Dutra, zona sul, ele escuta outros jovens de periferias. Com seus relatos, ajuda a produzir o podcast “Memórias Quebradas”, criado por ele e outros estudantes da Universidade de São Paulo (USP), onde também estuda, com o objetivo de trazer discussões e histórias de distritos do extremo sul da capital paulista.
O engajamento de Nica e Rafael reflete um comportamento comum entre os jovens das periferias: ocupar espaços políticos, tanto institucionalizados quanto informais, para dar visibilidade às pautas que defendem. As redes sociais, em particular, desempenham um papel significativo nesse processo, oferecendo uma plataforma ampla para divulgar suas causas e alcançar um público maior.
“A juventude pode identificar demandas comuns dos jovens no Brasil e equacionar débitos de governos com as periferias”, comenta o cientista político Rafael Araújo.
Desinteresse em política?
Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que 2,6% das pessoas que ocupam cadeiras em cargos legislativos no mundo têm menos de 30 anos. Aproximar esse público da política se tornou um desafio para as democracias globais, que devem estar representadas por todos os setores da sociedade.
Jovens ouvidos pela reportagem concordam que o desafio não está relacionado ao desinteresse, mas sim à rigidez dos ambientes ligados à política institucional, que são percebidos como pouco atrativos e acolhedores, além de muito burocráticos, especialmente para os periféricos.
“Não vejo ninguém que me represente de fato, que tenha vindo da favela para falar de um modo mais horizontal com os trabalhadores”, comenta a socioeducadora Nica. “Tem sempre alguém de fora querendo ensinar algo dentro da favela. Eu quero contar minha história, como muitos jovens merecem contar as suas.”
No Brasil, após uma intensa campanha promovida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e apoiada por diversas figuras públicas, o engajamento dos jovens na política aumentou em 2022, durante as últimas eleições presidenciais. O número de adolescentes de 16 e 17 anos que tiraram o título de eleitor saltou em 47,2% em comparação com as eleições de 2018, embora nessa faixa etária o voto seja facultativo.
O fenômeno pode ser explicado, em parte, pela adesão temporária à polarização política que marcou as eleições de 2022, quando os então candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) disputaram a presidência com propostas de governo opostas. Uma parte significativa dessa disputa se desenrolou no ambiente digital, influenciada pelos algoritmos das redes sociais e da mídia on-line.
Naquele ano, as candidaturas de mulheres bateram um recorde, representando 33% dos concorrentes, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Além disso, houve um recorde no número de candidaturas negras, indígenas e de pessoas trans.
Isso, entretanto, não significa necessariamente que os jovens estejam mais representados na política ou mais próximos dos espaços de decisão. Uma maneira de garantir essa mudança, como aponta o cientista político Rafael Araújo, é desenvolver projetos educacionais nas escolas, criando espaços de participação dos jovens em temas que impactam suas vidas, por exemplo, mas sempre levando em consideração suas demandas e vivências.
Foi justamente na escola que Nica teve mais contato com a política, por meio das aulas e de professores que a inspiraram, além do envolvimento com movimentos sociais. “Minha mãe sempre disse que poderiam tirar tudo de mim, menos o meu conhecimento.”
O mesmo ocorreu com a vereadora Malu, de Mogi das Cruzes. Ela participou do Programa de Participação de Jovens no Legislativo, do Grêmio Estudantil, de organizações não governamentais e do Conselho da Juventude da sua cidade. “A gente escuta muito que o jovem é futuro, mas a gente tem que entender que é o presente”, diz.
Política, pra que te quero?
Um dos avanços da atuação política de jovens periféricos foi a inclusão de debates historicamente importantes para as quebradas na esfera pública, tais como políticas de acesso à cultura, educação e emprego.
“Uma das pautas exitosas mais recentes foi a luta contra a privatização das Casas de Cultura em que estivemos muito próximos enquanto periféricos. Era uma das propostas da Secretaria de Cultura da Prefeitura de São Paulo, que, após pressão, foi suspensa, por enquanto”, lembra o estudante Rafael.
Pessoas filiadas a partidos políticos na cidade de São Paulo, por idade
Na Câmara de Mogi das Cruzes, a vereadora Malu também debate temas que impactam diretamente a vida dos jovens, como educação, transporte, violência de gênero, emprego e profissionalização. Muitas das demandas chegam até ela por meio dos jovens, já que a vereadora participa regularmente de debates e rodas de conversa nas periferias e escolas.
“Não conseguimos criar a tarifa zero [no transporte público] para os estudantes por falta de orçamento, mas aprovamos essa política nos dias das provas do Enem [Exame Nacional do Ensino Médio]. Se não tivesse um jovem na Câmara, um projeto como esse nem seria pensado”, explica.
“Os jovens são a ponte entre os adultos, que já estão no universo político, e as novas gerações”, diz Araújo. “Falar de juventude e política é falar em transformações benéficas para a sociedade.”
Como os jovens atuam politicamente?
Os jovens entre 16 e 24 anos são fortemente a favor do voto, mas não consideram que ele seja suficiente para promover mudanças estruturais na sociedade brasileira. Eles têm apreço pela política, mas olham com desconfiança para os partidos políticos.
Em geral, preferem se engajar em causas concretas, como defesa do meio ambiente, feminismo, desigualdades e luta pelos direitos LGBTQIA+.
Todos dizem sentir receio de ser enganados por fake news.
Apesar de considerarem a mídia hegemônica parcial, acreditam que a desinformação seja mais frequente no ambiente on-line. A maioria busca se informar por meio das redes sociais, especialmente no Instagram e no TikTok.
Parte dos jovens brasileiros começou a se interessar por política devido a comentários nas redes sociais de pessoas que seguiam ou influenciadores com os quais concordavam. Apesar de reconhecerem a importância de se manifestar para a saúde da democracia, a maioria declara nunca, ou quase nunca, ter participado de uma manifestação.
Fonte: Relatório Juventude e Democracia na América Latina (disponível em: bit.ly/RCC_08_25) e Tribunal Superior Eleitoral (dados de 2023).
Saiba mais:
*A Agência Mural de Jornalismo das Periferias é uma organização sem fins lucrativos que tem como missão ampliar a representatividade de comunidades periféricas na mídia brasileira, a partir da produção e difusão do jornalismo feito por uma rede de mais de 70 correspondentes locais.
As eleições municipais permitem que os cidadãos participem diretamente da escolha dos líderes que governarão suas comunidades, lidando com questões cotidianas como infraestrutura, serviços públicos, educação e saúde.
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