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Publicado em

29/08/2023

O diálogo inter-religioso e a defesa pela vida

Por Gilbraz Aragão*

Plantio de baobá: ação educativa promovida no Terminal de Xambá. Recife (PE), 2018. Foto: Unicap

Religião é busca de transcendência, entre e para além de nós, que interpretamos como manifestação poderosa e mais-que-natural de uma realidade criadora que nos antecede e ultrapassa. Essa experiência é comunicada por símbolos e rituais, com consequências éticas e interditos morais. Uma primeira matriz religiosa é a dos povos originários: a busca do encontro com as forças da natureza e os antepassados, através de oferendas e do êxtase místico. As pajelanças indígenas são xamânicas, nas quais o pajé realiza curas através dos espíritos da floresta, no compasso dos maracás e nas baforadas dos cachimbos. A elas se misturam, com traços mais afro, a jurema, o candomblé ou xangô e a umbanda.

Outra matriz religiosa se relaciona com as meditações dos monges brâmanes do Oriente, com o hinduísmo e com o budismo (e ao espiritismo ou “nova era”, hoje em dia). Nesse meio, desenvolveu-se a crença na reencarnação ou transmigração das almas entre as pessoas e/ou seres vivos, devido a uma lei “natural” de causa e efeito ou karma.

De modo que nossa anima, alma ou animação da vida, provém de um espírito universal e para ele retornará, após se ter aperfeiçoado por sucessivas encarnações neste mundo. A morte, assim, é apenas uma estação na roda dos renascimentos. No final da peregrinação pelas existências e com ajuda dos processos de meditação ou iogas, encontra- se a união com o Absoluto.

A matriz bíblica de religião, que se originou na Palestina, abarca o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, com todas as suas ramificações, e tem como base comum a imagem de Deus apresentada na Bíblia hebraica, buscando a sua adoração ou aliança como caminho de salvação. Os elementos comuns dessa tradição são as crenças de que existe um ser supremo que é o criador e supervisor da vida e da história, a mais elevada atividade humana é a adoração e a obediência a esse Deus, que estabeleceu comunicação com a humanidade por profetas, como Abraão, Moisés, Jesus e Maomé. A ressurreição é a crença em uma vida além: no dia de sua ira, Deus virá julgar os vivos e os mortos – que terão a sua “carne” pessoal ressuscitada para um banquete em sua presença.

Então, temos muitas religiões no mundo: cerca de oito mil, mas várias sofrem intolerância social, o que, no Brasil, é muito classista e racista, ao ponto de cristãos chegarem a transformar a “liberdade religiosa” em direito de fazer proselitismo violento nos Terreiros Afro-indígenas. Portanto, precisamos avançar em nossas legislações e, sobretudo, na educação para o respeito à diversidade religiosa. O diálogo entre religiões e convicções é um movimento despertado pela consciência moderna da pluralidade religiosa, criando relações entre participantes de tradições espirituais distintas, em vários níveis.

Independentemente da maneira como se concretiza, a prática dialogal traduz um espírito de hospitalidade e cuidado. Uma forma importante acontece no âmbito da cooperação em favor da paz: um diálogo fraterno pela justiça socioambiental, envolvendo ações em defesa da Casa Comum. Uma outra forma de diálogo ocorre no nível dos intercâmbios teológicos, envolvendo especialistas das várias tradições, com o objetivo de aprofundar e enriquecer os respectivos patrimônios simbólicos. Mais profundamente, encontra-se o diálogo da experiência mística, no qual pessoas enraizadas nas suas religiões se reúnem para compartilhar com outras as experiências de oração e fé.

Os santos de todas as tradições espirituais se reconhecem e descobrem sonhos humanos comuns em meio aos sons culturalmente diferentes das suas rezas. Para estimular essa coexistência, a pauta da liberdade religiosa e de crença ou de convicção está presente desde o início do movimento de Direitos Humanos e é geralmente assumida como condição inerente ao modelo de Estado liberal, dominante nas sociedades ocidentais. A liberdade religiosa, que visa o respeito e o reconhecimento da pluralidade de religiões, crenças, convicções e estilos de vida, é direito fundamental de cada pessoa ou grupo para acreditar, celebrar e expressar eticamente sua religião ou crença (ou não crença, ou convicção filosófica, ou espiritualidade pós ou não religiosa também), bem como o direito de mudar de opinião de modo livre, com a garantia de que isso não prejudique outras dimensões de suas vidas.

Como pauta dos Direitos Humanos, o respeito à diversidade religiosa insere-se na garantia da liberdade de religião e crença, expresso no artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nesse sentido, o respeito às espiritualidades da humanidade e a defesa da liberdade religiosa implica, simultaneamente, no combate à intolerância religiosa e na proteção da diversidade que compõe o pluralismo religioso e cultural, reconhecendo a reverência àquilo que as pessoas e grupos consideram sagrado como de importância fundamental na promoção de uma cultura de serenidade. Precisamos avançar nas leis de liberdade religiosa e na educação para ver a diversidade espiritual não como resultado de um pecado original, mas da bênção das origens.

*Gilbraz Aragão é doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e trabalha como professor e pesquisador no campo dos estudos de religião na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), onde coordena o Observatório Transdisciplinar das Religiões. Acesse: bit.ly/RCC_E6_24

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