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Publicado em

03/05/2023

O futuro indígena é hoje, enfatiza Acampamento Terra Livre

Movimento convocou nova mobilização contra o Marco Temporal, cujo julgamento no STF está previsto para junho
Por Elvis Marques*

Foto: @tukuma_pataxo

O futuro indígena é hoje: sem demarcação não há democracia. Sob esse tema, cerca de seis mil indígenas, de 200 povos, se reuniram em Brasília (DF) para a 19ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), entre os dias 24 e 28 de abril. A mobilização ocorre diante de alguns fatos inéditos, como a criação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), chefiado por Sonia Guajajara, e a primeira mulher indígena presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana.

Apesar da série de ineditismos, as pautas do ATL não mudaram em relação aos anos anteriores: os incessantes ataques físicos e morais contra os povos originários, a demarcação de Terras Indígenas (TIs), a luta contra o marco temporal, a invasão das terras por madeireiros, fazendeiros, pistoleiros e garimpeiros, além da tramitação de pelo menos 30 projetos de lei “anti-indígenas” no Congresso Nacional e até propostas para eliminar o MPI.

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Como denunciado no ATL, os casos de violência são recorrentes e incessantes. Um dia após o término da ação em Brasília e mesmo com toda a mobilização do Governo Federal na Terra Indígena (TI) Yanomami, em Roraima, três indígenas da comunidade Uxiú, que compõe a TI, foram baleados. Um deles, que era agente de saúde, foi atingido com um tiro na cabeça e morreu, os outros ficaram feridos. O crime foi cometido pelos garimpeiros, segundo comunicado da Hutukara Associação Yanomami.

Já na terça, dia 2 de maio, a Polícia Federal informou que, durante um sobrevoo na região, foram localizados mais oito corpos dentro da TI. De acordo com informações iniciais, esses mortos não seriam indígenas. As forças policiais na localidade foram reforçadas e investigam a série de mortes.

“A situação de invasores na TI Yanomami vem de muitos anos e mesmo com todos os esforços sendo realizados pelo Governo Federal, ainda faltam muitas ações coordenadas até a retirada de todos os invasores do território. A preservação da paz nesse território é primordial, por isso o enfrentamento àqueles que, por motivos ilegais e criminosos se recusam a sair do território, será intensificado”, manifestou, em suas redes sociais, a ministra Sonia Guajajara, ao saber do crime. 

Durante a primeira marcha do 19º ATL, havia cartazes e faixas contra o marco temporal. Foto: Verônica Holanda / Cimi

A nossa história não começou em 1988!”

Uma das principais pautas do movimento indígena nos últimos anos foi bastante debatida no ATL, o Marco Temporal. Em análise no Supremo Tribunal Federal (STF), a tese propõe que sejam reconhecidas, demarcadas e homologadas somente as terras indígenas que estavam ocupadas pelos povos indígenas na data de promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. Se a tese for aceita, pelo menos 800 TIs teriam sua demarcação inviabilizada

“O Marco Temporal aponta a continuidade de um genocídio e etnocídio dos povos indígenas, pois sem território não há saúde e nem educação para nós indígenas”, defende Maurício Terena, coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), uma das organizadoras do ATL.

De acordo com a avaliação de indigenistas, lideranças indígenas, juristas apoiadores da causa e do Ministério Público Federal (MPF) ouvidos pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), essa é uma tese considerada perversa, “porque legaliza e legitima as violências a que os povos indígenas foram submetidos até a promulgação da Constituição de 1988, especialmente durante o período da ditadura militar, momento em que ocorreu duras violências contra os indígenas e o esbulho de seus territórios.” 

Em recente encontro com a presidente do STF, ministra Rosa Weber, representantes da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) entregaram um documento em que pedem a interpretação e adoção correta da Constituição por parte da suprema corte. “Antes de 1500 a gente já estava aqui, não podemos estar submetidos a um marco temporal. A não aprovação da tese é importante para a manutenção dos direitos conquistados pelo movimento indígena ao longo da história.”

Durante o ato em Brasília, a Apib convocou os indígenas para uma nova mobilização contra o Marco Temporal no dia 7 de junho, quando o julgamento deve ser retomado na instância máxima do Judiciário.

Indígenas Guarani Kaiowá durante marcha contra o marco temporal e os PLs da morte, no 19º ATL. Foto: Marina Oliveira / Cimi

Emergência climática

Em um dos momentos mais emblemáticos da programação do ATL, no dia 26 de abril, milhares de indígenas caminharam pelas avenidas de Brasília até o Congresso Nacional, onde realizaram uma vigília contra o Marco Temporal e entoaram o decreto de emergência climática, o qual aponta para a importância das demarcações e dos povos indígenas no combate à crise climática.

“O planeta inteiro, a Mãe Terra está adoecida, clamando por cura. Ser salva das doenças que o modelo de desenvolvimento predatório, baseado na acumulação, no lucro e no consumismo insaciável causaram: inundações, secas, barramentos, furacões, aumento da temperatura do planeta em mais de 1% próximo à meta estabelecida pelos países de 1,5% até 2030. Tudo isso é chamado de crise climática, e tem piorado a precarização de amplos setores da população brasileira, sobretudo daqueles que como muitos de nós já viviam empobrecidos e marginalizados pelo atual modelo econômico vigente”, explica um trecho do documento.

Na declaração, os povos indígenas afirmam que fizeram e continuam a fazer a sua parte, contribuindo para a conservação de todos os biomas e ecossistemas, principalmente aqueles presentes nos territórios indígenas. “Os serviços ambientais oferecidos pelos nossos povos e territórios, no entanto, até hoje não foram reconhecidos e valorizados”, ressalta.

Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib, explica que a luta pela demarcação dos territórios indígenas não representa somente o direito ancestral às terras, mas também a luta pela sobrevivência dos povos indígenas e da humanidade. “Não há mais dúvidas de que os territórios indígenas contribuem no combate à crise climática. A demarcação é a solução para a justiça climática e para a manutenção da democracia.”

O documento apresenta 18 reivindicações a todos os poderes do Estado brasileiro. Confira alguns dos pontos: 

  • a demarcação das terras indígenas em todos os biomas, especialmente aquelas que aguardam apenas a fase de homologação; 
  • o fortalecimento do Ministério dos Povos Indígenas, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai); 
  • a atualização e implementação do Plano Nacional sobre Mudança do Clima, incluindo os planos de ação para a prevenção e o controle do desmatamento nos biomas e os planos setoriais de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas.

::. Acesse aqui a declaração de Emergência Climática na íntegra

Compromissos da presidência 

Foto: @scarlettrphoto / Apib

No dia 28 de abril, o presidente da República Lula participou do encerramento do acampamento e assinou a homologação de seis terras indígenas: TI Arara do Rio Amônia (AC); TI Tremembé da Barra do Mundaú (CE); TI Rio dos Índios (RS); TI Avá-Canoeiro (GO); TI Kariri-Xocó (AL) e TI Uneiuxi (AM).

O chefe do Executivo anunciou ainda a recriação do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI); a instituição do Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI); a aquisição de insumos e ferramentas e equipamentos para casas de farinha voltadas para a recuperação da capacidade produtiva das comunidades indígenas Yanomami no valor R$ 12,3 milhões; um pacote de medidas de fortalecimento institucional da Funai; e a criação do Comitê Interministerial Permanente para desintrusão de terras indígenas e do GT de enfrentamento ao tráfico em terras indígenas.

Saiba mais sobre o assunto:

*Com informações da Apib.

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