NOTÍCIAS >

Em Pauta

Publicado em

12/09/2023

Pacto Nacional quer tornar o combate às desigualdades uma prioridade de todo o país 

Recém-lançada, a iniciativa reúne 70 organizações da sociedade civil e atua junto ao congresso nacional, realiza um mapeamento das desigualdades e premia boas práticas

Por Maria Victória Oliveira

De acordo com o Mapa das Desigualdades de 2022, a expectativa de vida na cidade de São Paulo pode variar, a depender da região, mais de 20 anos. Enquanto no distrito Jardim Paulista, na zona Oeste, a média de idade é de 80 anos, em Iguatemi, na zona Leste da cidade, é de 59 anos. Quando o assunto é população preta e parda, os números também são bastante distantes: 8,5% é a proporção de pretos e pardos no Jardim Paulista, versus 50,9% em Iguatemi. 

Os dados demonstram que, dentro de uma mesma cidade, existem vários mundos, e em todos eles a população preta sofre os efeitos do racismo que estrutura a sociedade brasileira e nega direitos básicos

Considerando, portanto, que a nível nacional as desigualdades são ainda maiores do que em uma única cidade, acaba de ser lançada uma nova iniciativa: o Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades. A proposta é reunir organizações que representem e somem esforços de toda a sociedade para tornar a promoção de um país mais justo e equitativo, uma prioridade de todo o Brasil. 

Renata Boulos, coordenadora executiva da Ação Brasileira de Combate às Desigualdades (ABCD), organização que coordena o Pacto, explica que em 2022 foram realizadas diferentes ações pontuais de combate às desigualdades. Porém, com a mudança no cenário político ocasionada pelas eleições presidenciais, a ABCD e seus membros deram início a algumas conversas entre si e com o governo nacional para realizar uma ação mais articulada e conjunta, resultando, então, na criação do Pacto. 

Frentes de atuação 

O Pacto atua em quatro frentes para combater as desigualdades: 

  1. Observatório Brasileiro das Desigualdades. 

Renata reforça que já havia uma compreensão sobre a importância de monitorar as políticas públicas do governo, para que de fato o combate às desigualdades esteja no centro de todos os interesses, e também entender qual é o tamanho do desafio. Nesse sentido, uma das frentes de atuação do Pacto é o Observatório Brasileiro das Desigualdades

A iniciativa tem como objetivo monitorar, anualmente, indicadores em nove áreas: educação; saúde; renda, riqueza e trabalho; segurança alimentar; segurança pública; representação política; clima e meio ambiente; acesso a serviços básicos; e desigualdades urbanas; sendo que as desigualdades de raça/cor, gênero e entre regiões brasileiras serão eixos transversais de análise para todos os temas.

Começando os trabalhos 

O primeiro relatório do Observatório, Um Retrato das Desigualdades no Brasil Hoje [link], lançado em agosto de 2023, traz uma seleção de 42 indicadores organizados em oito temas para medir as desigualdades, e entre os principais achados está: 

– Os 10% mais ricos do Brasil obtinham, em 2022, um rendimento médio mensal per capita 14,4 vezes maior do que os 40% mais pobres; 
– Os 10% mais pobres pagam 26,4% da sua renda em tributos, enquanto os 10% mais ricos apenas 19,2%; 
– Mulheres negras ganham, em média, apenas 42% do que recebem homens não-negros (brancos ou amarelos); 
– As pessoas negras representam 76,9% das vítimas de mortes violentas intencionais e são 83,1% das vítimas das mortes decorrentes de intervenções policiais; 
– 30,6% dos óbitos no país ocorrem por causas evitáveis, o que representou, em 2022, 561 mil mortes. 

  1. Prêmio de Combate às Desigualdades nas Cidades

“Nós entendemos que apenas o Observatório não seria o suficiente, já que também gostaríamos de ver políticas municipais de combate às desigualdades, justamente considerando que apenas um esforço coletivo e contínuo a nível nacional pode mudar o cenário. Então, a partir de uma parceria com a Frente Nacional de Prefeitos e a Associação Brasileira de Municípios, criamos o Prêmio de Combate às Desigualdades nas Cidades”, explica Renata. 

Ainda em fase de estruturação do regulamento, que será lançado em outubro, o Prêmio tem como objetivo mobilizar as prefeituras de todo o país a mapear as desigualdades em seu território e implementar políticas para reduzi-las. 

Na primeira edição, serão premiadas as cidades que, nos últimos três anos, mais tenham reduzido desigualdades em quatro áreas: educação, saúde, renda e acesso a serviços básicos. 

  1. Frente Parlamentar de Combate às Desigualdades 

“Conversando com o governo, percebemos que um gargalo para caminharmos nessa direção são os poderes Legislativo e Judiciário. A partir de conversas com deputados e deputadas, decidimos criar a Frente Parlamentar de Combate às Desigualdades. Ela é suprapartidária, porque acreditamos que o combate às desigualdades precisa ser suprapartidário, não adianta ficarmos ‘pregando para convertidos’ já que queremos que essa seja uma prioridade nacional. E também é uma frente mista, o que significa que envolve o Senado e a Câmara.” 

Lançada com a assinatura de mais de 200 senadores, senadoras, deputados e deputadas, a Frente é um espaço destinado para que parlamentares possam propor e fiscalizar projetos de lei (PLs) e garantir que as propostas realmente contribuam com a missão do Pacto. 

Renata explica que as organizações membros da ABCD e do Pacto servirão como consultoras dos PLs. “Cada vez que chegar um projeto de lei que tange às desigualdades, a comissão responsável da Frente Parlamentar chama o Pacto, que, por sua vez, pode consultar outras organizações, como o Instituto de Defesa ao Direito de Defesa no caso de um projeto sobre segurança pública, por exemplo, e juntos analisam o PL.” 

  1. Guias 

Produzidos por organizações que integram o Pacto, os guias destinam-se a municípios, sindicatos e empresas que desejam atuar e desenvolver boas práticas no combate às desigualdades. 

O que é prioridade? 

Em artigo publicado na Folha de S.Paulo, Neca Setubal, presidente do conselho curador da Fundação Tide Setubal; Fabiana Pinto, coordenadora de Incidência e Pesquisa do Instituto Marielle Franco; Márcio Black, coordenador de projetos do Instituto de Referência Negra Peregum; e Oded Grajew, presidente emérito do Instituto Ethos e conselheiro do Instituto Cidades Sustentáveis, afirmam que as desigualdades são estruturadas a partir de decisões políticas, e que combatê-las é o único caminho para o Brasil ser um país que ofereça vida digna a toda a população. E reforçam a dificuldade da empreitada, que trata-se de redistribuir riquezas e poder

“Existem muitas urgências, por isso falamos de desigualdades no plural. Mas uma das coisas mais urgentes é a taxação de grandes riquezas e fortunas. Agora, pelo menos, já são taxados helicópteros e aviões, mas é um absurdo que uma pessoa de classe média pague os mesmos impostos que um milionário ou bilionário. 33 milhões de pessoas vivem em situação de insegurança alimentar enquanto tem gente que tem bilhões e não é taxado”, defende Renata. 

O Brasil é o nono país mais desigual do mundo. O 1% mais rico recebe 38,4 vezes mais que os 50% mais pobres.

Fonte: Mapa da Desigualdade 2022/Agência Senado; Pnad-Contínua, 2021 (IBGE)

Diante desses dados, Renata reforça que um dos objetivos do Pacto é mostrar que um país menos desigual beneficia a todos, inclusive as pessoas ricas. 

“Por que negros e negras são as pessoas que estão nas ruas? Porque foram escravizadas e tiveram a sua força de trabalho roubada. Os indígenas foram dizimados pelos europeus. Se eu tive acesso a escola particular e aprendi inglês, uma pessoa que nasceu na periferia trabalha muito mais do que eu e nunca vai conseguir acessar algumas coisas. É nessa tecla que queremos bater: é justo tudo isso?”, questiona.  

A coordenadora pontua, ainda, que nesse contexto, para realmente promover avanços e mudanças, é necessário o engajamento das organizações, do governo federal e do congresso. “Esse é um esforço coletivo que só está começando com o lançamento do Pacto, para que nos próximos anos as pessoas consigam se conscientizar sobre a distribuição de riquezas e que poderíamos estar vivendo de forma diferente, em um país justo para todos. Eu realmente acredito nisso.” 

Fique por dentro 

Atualmente com 70 membros, apenas organizações da sociedade civil podem integrar o Pacto; basta entrar em contato com a ABCD. Renata explica que já estão sendo desenvolvidas conversas para que, no futuro, empresas também possam assinar e participar da iniciativa. Mas a coordenadora reforça:

“Nós não queremos mais um nome na lista de apoiadores, mas sim um engajamento real nessa luta de combate às desigualdades, para que isso seja uma prioridade nacional, com cada organização fazendo a sua parte.” 

Acesse e siga o perfil do Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades no Instagram e no LinkedIn

Outros conteúdos:

“Papo Preto”: uma conversa sobre bem-estar da população negra

Podcast da Alma Preta Jornalismo debate o antirracismo sob diferentes pontos de vista

Publicado em

04/05/2022

“Brasil 200 anos de (in)dependência e dívida: o endividamento marca nossa história e perpetua desigualdades sociais”

Publicação da Rede Jubileu Sul reflete sobre as dívidas sociais acumuladas e chama atenção para as reparações necessárias e urgentes

Publicado em

11/01/2023

Branquitude: herança colonial a ser combatida

Por Paola Prandini, co-fundadora da Afroeducação e curadora da série #Decoloniza ([email protected])

Publicado em

12/06/2023

ASSINE NOSSO BOLETIM

Receba nosso conteúdo por e-mail, de acordo com nossa Política de Privacidade.

    Botão do whatsapp

    Entre para nossa comunidade!