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Publicado em

26/03/2024

Para além das eleições: a participação para a construção coletiva do bem comum nos territórios

Conheça diferentes experiências e possibilidades de influenciar a política local.

Por Isadora Morena

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Em muitos momentos, o universo político parece muito distante, com seu linguajar, rituais e protocolos próprios. Porém, são as decisões políticas, feitas no âmbito legislativo, executivo e judiciário, que definem o cotidiano e, também, o rumo da vida das pessoas, de suas famílias e das comunidades.

A política determina o preço do feijão e do arroz, da gasolina ou da passagem de ônibus, a quantidade de vagas na creche do bairro, o tamanho da fila do posto de saúde, o destino do lixo ou mesmo as relações de trabalho.

Assim, a política pode ser entendida como “a construção do destino comum”, como afirma o Papa Francisco na Carta Encíclica Fratelli Tutti, de 2020. Participar ativamente dela é, portanto, atuar no presente para colaborar na criação do futuro coletivo.

População de Manaus protesta pela preservação da APA Floresta Manaós. Foto: ACP Mídias

A fala é de José Antonio Moroni, integrante do colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e da Plataforma dos Movimentos Sociais por outro Sistema Político. Em entrevista exclusiva à Revista Casa Comum, José Moroni faz uma reflexão sobre a criação de sistemas de participação no Brasil, a elaboração da Constituição Federal de 1988 – que excluiu dos processos determinados grupos, como o de pessoas negras e pobres, por exemplo -, os debates em andamento para a criação de novos espaços participativos e a importância de incluir todos no debate público para uma mudança efetiva de contexto no Brasil.

“Há diferentes maneiras de participar da vida pública a depender da fase da sua vida, seus interesses e disponibilidade de tempo”, afirma o professor de administração pública da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Dr. Luiz Filipe Goldfeder Reinecke, que é também líder do Centro de Investigação em Governo Aberto e Transparência (CIGAT) e membro da Rede Brasileira de Conselhos (RBDC).

Segundo o professor, a Constituição brasileira possui mais de trinta artigos que citam a questão da participação e que criaram as chamadas instituições participativas ou canais institucionais de participação. São eles: os conselhos, as audiências públicas, as conferências, as ouvidorias, o orçamento participativo, e, mais recentemente, os conselhos de usuários.

Para Luiz Filipe, “há vários espaços que são criados e que podemos participar enquanto cidadãos, via organizações da sociedade civil ou individualmente, podendo questionar, trazer soluções e sugestões para que se construam políticas públicas mais plurais e acertadas, mais próximas de atenderem as necessidades da sociedade.”

Ele afirma ainda que esses espaços de opinião, crítica e fiscalização são conquistas sociais que oxigenam a democracia, pois renovam, fortalecem, aprimoram e expandem esse sistema político baseado na soberania popular.

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Encontro da Coordenação Estadual de Territórios da Bahia. Foto: Fabio Farani / Comunicação CET-BA

O estado da Bahia possui um modelo de gestão pública participativa que é referência para todo o país, a Política de Desenvolvimento Territorial do Estado da Bahia.

Em 2003, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MAD) dividiu os estados brasileiros em Territórios de Identidade, uma congregação de municípios com características comuns, para promover a participação popular e qualificar a execução das políticas públicas.

De acordo com Leninha Alves, coordenadora geral da Coordenação Estadual dos Territórios (CET) do estado da Bahia, “muitos estados não conseguiram fomentar a divisão territorial como ponto-chave para fazer as políticas públicas chegarem a todos os municípios. Aqui, isso funciona há 20 anos.”

Assim, os Territórios de Identidade são unidades de planejamento de políticas públicas do Estado. Atualmente, existem 27 territórios baianos. Cada um possui um colegiado composto pela sociedade civil – como movimentos sociais, associações, cooperativas, grupos de jovens, de mulheres, de povos tradicionais, igrejas, universidades e organizações não governamentais –, e o poder público, a partir das prefeituras e secretarias.

Esses colegiados são a instância que organiza o Plano Plurianual (PPA), ou seja, as diretrizes e os objetivos estratégicos do governo. “Nós definimos o que o território precisa, qual a benfeitoria que o estado ou o município vai fazer, se vai construir agroindústria, se vai fazer capacitação, se vai criar policlínicas, ou priorizar a educação, por exemplo”, afirma a coordenadora.

Leninha explica que a Coordenação Estadual dos Territórios (CET), articulação de todos os colegiados do estado, monitora esse plano junto aos governos e às secretarias, vendo o que está sendo feito ou não, e se não foi feito, é verificado o que ocorreu. “Quando definimos o PPA, elencamos cinco prioridades de execução para cada território e acompanhamos de perto se isso está sendo cumprido”, ressalta.

Outra experiência de atuação territorial é a Rede Nossas Cidades, promovida pela organização sem fins lucrativos NOSSAS. A Rede é composta por iniciativas locais que têm por objetivo realizar ações por cidades mais justas, inclusivas e participativas, mobilizando as pessoas para atuarem ativamente nos processos de decisão municipais.

“O Meu Recife, Minha Jampa e Minha Campinas funcionam de maneira independente e voluntária e contam com fontes de financiamento próprias, mas compartilham com o NOSSAS as tecnologias e metodologias. Já o Meu Rio, Minha Sampa, Minha BH e Minha Manaus fazem parte da incubadora do NOSSAS e recebem recursos diretamente na organização”, explica Alice Almeida, mobilizadora do NOSSAS e integrante do Minha Manaus.

Segundo Alice, o DNA comum desses projetos é fiscalizar o poder legislativo e executivo. “Ficamos de olho nas pautas quentes das cidades que dizem respeito a políticas públicas e aos direitos sociais, especialmente, à justiça climática, racial e de gênero, que são nossos três eixos maiores de atenção”, afirma.

Uma forma de atuação são as campanhas de mobilização, “geralmente aquelas de resposta rápida e mensurável”, explica a mobilizadora. Essa é uma forma de mostrar para a população como a participação na política tem resultados práticos.

Nessas mobilizações, os projetos locais se articulam com os movimentos sociais da cidade, coletivos, outras organizações e, também, com ativistas, atores que sejam estratégicos para aquela pauta. Essa coalizão realiza diversas ações para pressionar os tomadores de decisão – prefeitos, vereadores, secretários, deputados e governadores –, associando diversas formas de luta, como campanhas digitais, manifestações na rua e agindo pela via institucional, dialogando com diversas instâncias, para assim influenciar na aprovação ou derrubada de decisões políticas.

Um exemplo bem-sucedido foi a campanha “Salve a Floresta Manaós”, que ocorreu, em 2023, na cidade de Manaus. Um Projeto de Lei (PL) já aprovado na Câmara Municipal ameaçava a maior floresta nativa urbana do Brasil, a Área de Proteção Ambiental (APA) Floresta Manaós. A decisão reduzia a APA para a construção de um posto de gasolina.

“Identificamos uma série de irregularidades nesse projeto, tanto do texto em si, da forma como estava escrito, quanto na perspectiva ética e moral, pois além do desmatamento e delimitação da área protegida, falava-se também sobre a construção desse posto. Na ocasião, vimos que o próprio vereador, autor do Projeto de Lei, tem família ligada a esse comércio, à indústria de combustíveis”, conta Alice.

Como o PL já tinha sido votado, só o prefeito poderia impedir sua aplicação, vetando-o em até 15 dias úteis. Nesse período, foi articulada a campanha com muita mobilização popular e diferentes táticas de ação. “No último dia do nosso prazo, o prefeito soltou o posicionamento de que iria vetar. Mas a gente viu que era realmente muito fruto da nossa luta. A campanha articulou vários atores e agiu em muitas frentes. Então, acho que esse é um exemplo palpável de que a população precisa se posicionar e cobrar”, defende a mobilizadora.

Alice explica que há grandes desafios nessa atuação: um deles é o próprio acompanhamento das pautas públicas, pois apesar de as casas legislativas terem a obrigatoriedade de ter um site com a divulgação das discussões e votações, muitas câmaras e assembleias não publicam a tempo da população saber o que está acontecendo. Outro impeditivo é a dificuldade de compreender tanto o funcionamento das esferas do poder quanto os termos técnicos e jargões utilizados no meio político.

O professor Luiz Filipe afirma, porém, que a participação política é um processo pedagógico, um aprendizado. “A gente não vai sair de um nível zero de participação ali do sofá e sair desenvolvendo um milhão de coisas”. Ele aconselha que um caminho interessante é começar pelo que está próximo e é parte do dia a dia das pessoas, como a associação de moradores do bairro, o conselho de pais e mestres da escola dos filhos ou o da Unidade Básica de Saúde (UBS).

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