NOTÍCIAS >

Em Pauta

Publicado em

13/05/2022

Repensar o sistema de justiça e envolver juventudes são passos fundamentais

Eventos temáticos do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre (RS), pautam os papéis das novas gerações e organizações da sociedade civil na construção de uma sociedade mais justa e equitativa para todos

Debater sobre justiça e democracia é sempre fundamental. Porém o contexto atual torna esse diálogo ainda mais urgente e improrrogável. Afinal, estamos falando de um cenário de caos: uma crise sanitária global que adoeceu mais de 448 milhões e vitimou 6 milhões de pessoas ao redor do mundo; ascensão e multiplicação de movimentos autoritários de extrema direita; eclosão de uma guerra envolvendo potências nucleares que acende o alerta para novas ondas de migração, com milhares de refugiados abandonando suas casas; entre tantos outros desafios. 

Para trazer à tona essas reflexões, a cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, foi palco de dois eventos temáticos como parte do Fórum Social Mundial (FSM): o Fórum Social das Resistências (FSR) e o Fórum Social Mundial: Justiça e Democracia (FSMJD), ambos pautados pela urgência de repensar, dialogar e criar novas relações sociais; realizados entre 26 e 30 de abril.

O primeiro teve como objetivo criar um espaço de articulação, divulgação e ampliação de todas as formas de resistências criadas pelos movimentos culturais, ambientais, políticos e sociais no Brasil e na América Latina, dialogando sobre os direitos dos povos e do planeta. 

Já o segundo, por entender que há um cenário de desequilíbrio social, reuniu movimentos e organizações da sociedade civil (OSCs) com o objetivo de promover conexões e diálogos para a construção de um sistema de justiça de combate às desigualdades, garantia de um meio ambiente equilibrado e, com isso, promoção de uma vida social plena para todos. 

Esses encontros são muito importantes, porque pensam a base da sociedade que se mobiliza, que expressa o seu sofrimento, seus sonhos e utopias, e a forma que o Estado responde ou não a tudo isso. A justiça e a democracia sempre estiveram no horizonte de um outro mundo possível”, reflete Rita Freire, membro da Comissão Internacional do Fórum Social Mundial pela rede Ciranda.net e integrante de coletivos facilitadores do FSM e FSMJD.  

Com a permanência da pandemia em 2022, o início de uma guerra e ainda novas eleições em diversos países do mundo, André Leão, defensor público federal, membro do Coletivo Defensores/as pela Democracia e do comitê facilitador do FSMJD, enfatiza: “Debater justiça, democracia, direitos dos povos e do planeta, nesse momento, é essencial para começarmos a desenhar o modelo de sociedade em que viveremos nos próximos anos ou, como prefere Ailton Krenak [líder indígena, ambientalista, filósofo e escritor brasileiro], para adiarmos o fim do mundo.” 

Justiça para quem? 

“Eu acredito que hoje o mundo está se perguntando o que é e para quem é a justiça, porque o direito pode ser usado para produzir o efeito inverso daquilo que se deseja”, expõe Rita Freire. Segundo ela, inúmeros acontecimentos políticos no Brasil, na América Latina e no mundo têm usado leis e constituições, ou seja, instrumentos legais para justificar ataques ao próprio estado democrático. 

Os dois fóruns fazem justamente esse debate sobre como resistir a partir da força dos movimentos sociais e da sociedade civil para incidir no modo como o Estado e as relações funcionam, inclusive propondo outros e novos modelos de organização da sociedade, do Estado, da política e das comunidades”, afirma. 

O método pode ser chamado de Lawfare, isto é, uma guerra travada com e pelo Judiciário para afastar do espaço do debate democrático todas as pessoas apontadas como inimigas ou adversárias políticas”, completa André sobre a ação de articulações conservadoras.  

A importância de pensar o sistema de justiça também é reforçada por Manoela Silva, advogada e ativista idealizadora do Corona Amor, um projeto que, desde março de 2020, auxilia a população em situação de rua, que aumentou exponencialmente em razão da pandemia de Covid-19: um crescimento de 31% no número de pessoas desabrigadas de São Paulo durante o período, segundo dados do Censo encomendado pela prefeitura.

A atuação dos sistemas de justiça deve ser analisada para que, a cada dia, possamos dar a todos um acesso digno, justo e equânime ao judiciário. Não se pode fechar os olhos à realidade do processo penal brasileiro, onde a imensa maioria dos réus não possui condições de arcar com os honorários de um advogado constituído, passando a ser patrocinados pela Defensoria Pública, que tem inúmeras demandas.” 

Para Manoela, é somente realizando esses debates que se poderá atenuar desigualdades e promover a igualdade, o acesso à cidade pelas populações periféricas, quilombolas, ribeirinhas, pretas, indígenas e pela população que vive em situação de rua, bem como a garantia de direitos e acessibilidade de pessoas com deficiências.  

Protagonismo jovem 

Existem duas formas de participar dos fóruns sociais em Porto Alegre: individualmente ou via um coletivo ou organização. Isso facilita que todos os interessados possam se engajar nos debates e assistir aos painéis e atividades. André explica que uma das principais características desses eventos é a horizontalidade, que não permite qualquer tipo de hierarquia, seja de idade ou de experiência. 

Historicamente, a juventude foi o verdadeiro motor das grandes transformações sociais. Se é mesmo possível construir um outro mundo, essa construção não pode ser realizada sem a participação dos jovens, que é fundamental não apenas no encontro presencial, mas, especialmente, na construção de todo o Fórum”, expõe. 

O defensor comenta, ainda, que o fórum permite identificar projetos comuns de construção de um novo modelo de sociedade, mais fraterno, solidário, social e ambientalmente responsável.

Já de acordo com Manoela, apesar de a juventude ser competente e estar sempre equipada de ideias, pensamentos e muito conhecimento, é necessário promover espaços de escuta para eles. “Suas ideias, medos e anseios precisam ter voz nas conversas e em todas as rodas de decisão. As juventudes se preocupam com os direitos fundamentais e protetivos, que garantam o mínimo necessário para o indivíduo existir de forma digna dentro da sociedade e do país em que vivemos, com uma sensibilidade para as diferenças”, expõe. 

A advogada reforça, ainda, que essa geração não pode ser perdida. A afirmação é comprovada por trecho da pesquisa Jovens: Percepções e Políticas Públicas, da FGV Social, que aponta: “O tamanho da população jovem brasileira nunca foi, e nunca será, tão grande quanto o de hoje, correspondendo a cerca de 50 milhões de pessoas na faixa entre 15 e 29 anos de idade, cerca de 26% de nossa população.” 

Cerca de 50 milhões de pessoas estão na faixa entre 15 e 29 anos de idade no Brasil, o que corresponde a 26% da população 

Vivemos em um país estrutualmente racista, machista, preconceituoso, homofóbico e transfóbico, e essa geração tem se comprometido a fazer trabalhos de escuta, principalmente, ir à luta para que seja ouvida. Sabemos que nas periferias, muitas vezes, essas conversas não chegam, e a juventude tem se preocupado em fazer os movimentos tanto nas áreas periféricas, quanto levar essas vozes para outros lugares, para outros espaços. É imperioso que tenhamos um trabalho de continuidade e de atenção a isso. Até porque, se não fizermos a troca de falas e de escutas, não poderemos buscar uma equidade e uma justiça social”, afirma Manoela. 

Aprendizado conjunto 

Para Rita Freire, a realização dos fóruns, ao longo dos anos, possibilitou o aprendizado conjunto. Ela explica que muitas organizações não se davam conta de que atuavam na mesma área ou tema, e passaram a se conhecer e se articular a partir das vivências nos eventos. 

O Fórum Social Mundial foi relevante, por exemplo, para a articulação entre as mulheres com o movimento feminista e também para os movimentos indígenas, que inclusive organizaram e foram protagonistas do fórum em Belém [em 2009]. Mesmo vivendo próximos na mesma região, não tinham contato, não compartilhavam seus interesses e não tinham uma avaliação de como estavam sendo tratados no país como um todo. O fórum foi importante para isso”, pontua. 

A integrante da comissão internacional do evento também ressalta o valor dessa articulação para os meios de comunicação. Segundo Rita, o que vinha sendo construído no sentido de cobrar do poder público uma organização democrática do sistema de comunicação e também garantia de autonomia para a comunicação pública sofreu um processo de desmonte. 

Nós precisamos de uma mídia diversificada que seja controlada pela sociedade. O fórum é muito importante para travar esse debate, pois o evento é composto não só por organizações da comunicação, mas por instituições dos diversos setores da sociedade, que estão reivindicando esse direito de fala não contaminada pelo governo ou pelo mercado e a necessidade de lucrar com a informação.” 

Rita completa ao afirmar que movimentos e organizações sociais devem tirar dos eventos de Porto Alegre elementos para o debate do mundo político e cobrar que as recomendações criadas nos fóruns sociais sejam consideradas e de fato implementadas. 

Roda de conversa no FSM 2018, em Salvador, Bahia. Foto: Mídia Ninja

Outros conteúdos:

Juventude na política: como os jovens se engajam nas redes?

Estudo aponta rejeição a conteúdos declaradamente partidarizados

Publicado em

08/04/2022

Engajamento e participação desde cedo: porque política é assunto de crianças e jovens

Dicas de vídeos, artigos, reportagens e exemplos de iniciativas que atuam com democracia

Publicado em

06/07/2022

CESE recebe projetos sobre juventudes e direitos digitais

Inscrições podem ser realizadas até o dia 17 de junho

Publicado em

30/05/2022

ASSINE NOSSO BOLETIM

Receba nosso conteúdo por e-mail, de acordo com nossa Política de Privacidade.

    Botão do whatsapp

    Entre para nossa comunidade!