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Publicado em

17/09/2024

Rumo a 2025: os 10 anos da carta encíclica Laudato Si’

Retrospectiva e impactos da carta ecológica do Papa Francisco

Por Isabel Gnaccarini*

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A Carta Encíclica Laudato Si’ (Louvado Seja, em português) foi lançada em 24 de maio de 2015, sendo distribuída mundialmente no mês seguinte com grande repercussão de mídia e em eventos com bispos, ativistas de grandes movimentos ambientais e membros de governos em várias partes do mundo. Apesar das encíclicas sociais serem escritas desde o fim do século 19 e de outros textos católicos tratarem do tema ambiental a partir da década de 1960, essa primeira encíclica do Papa Francisco constitui um marco em mil anos de Igreja Católica – é a única dedicada exclusivamente aos desafios ecológicos do nosso tempo. O “cuidado da Casa Comum” é o tema central do documento, indicando a universalidade da questão.

Laudato Si’ veio à luz alguns meses antes da 21ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP 21), que se realizou no final daquele ano de 2015 na capital francesa, denotando o envolvimento direto do Vaticano nos bastidores do Acordo de Paris, que foi aprovado pelos 195 países participantes. O Acordo tem o objetivo de reforçar a capacidade dos governantes em lidar com os impactos das mudanças climáticas, estabelecendo metas globais para reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEE) e propostas de mitigação dos efeitos do aquecimento sobre as pessoas.

Durante o período pré-COP 21, houve grande repercussão entre líderes de diferentes crenças, suscitando declarações oficiais de judeus, mulçumanos, budistas, adeptos de religiões africanas e cristãos de diferentes matizes. Ao lado deles, movimentos ambientalistas não governamentais pediram urgência e coerência contra o aquecimento do planeta, todos apoiados pelo carisma da voz de Francisco.

A presença do Papa Francisco na Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova York, em setembro de 2015, foi marcada por declarações importantes. Ao mesmo tempo em que se lançavam os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e a Agenda 2030 da ONU, Francisco alertava seus pares que “o mundo exige dos líderes governantes vontade política para a adoção de medidas imediatas para a preservação ambiental e para acabar com a exclusão econômica e social e suas tristes consequências.”

Nesse contexto político efervescente, o Vaticano buscou ativamente levar a mensagem da comunidade científica mundial aos políticos e negociadores da ONU, e procurou criar ambientes de entendimento, ecoando também ambições expressas pela esfera econômica. Assessores diretos do Papa Francisco promoveram encontros de cientistas de alto renome internacional com dirigentes da ONU, de governos e ambientalistas de grande destaque.

Prestes a comemorar seus 10 anos em meados de 2025, a Laudato Si’ tornou-se a principal ferramenta da Igreja Católica na defesa de nossos ecossistemas junto a todos aqueles que buscam a preservação da vida e do meio ambiente.

O Movimento Católico Global pelo Clima (MCGC) rapidamente ganhou importância ao reverberar a encíclica junto a outras organizações – no início, o movimento teve o apoio de 17 entidades, todas comprometidas com o lançamento da encíclica na COP 21 de Paris. Em 2019, a rede climática católica já contava com 300 parceiros, e uma vasta rede de apoiadores individuais voluntários. Hoje, são 900 aliados e milhares de jovens ativistas. Nesse ano, a jovem sueca Greta Tumberg foi recebida pelo Papa, aderindo à mensagem do pontífice por uma ecologia da vida.

Ainda em 2019, o Sínodo da Amazônia foi outro momento-chave para o ambientalismo católico, sempre inspirado em Laudato Si’. Realizado no Vaticano entre 6 e 27 de outubro, o Encontro ocorreu após um ano de consultas a 80 mil pessoas nos 9 países sul-americanos que integram a floresta amazônica. O “Sínodo para a Amazônia: novos caminhos para a Igreja” teve como missão definir a reforma evangelizadora a ser implementada nessa parte do mundo, a partir do que desejam os povos tradicionais e ribeirinhos para o meio ambiente onde vivem e cuidam. Para o Papa, “a Amazônia é um problema do mundo.”

Em 2021, ano do 6º aniversário da encíclica, a rede de fiéis pelo clima passou a se chamar Movimento Laudato Si’ (MLS). Nesse período, o MLS ganha uma plataforma digital – a Plataforma de Ação Laudato Si’ –, garantindo a mobilização de paróquias, escolas, hospitais, empresas, organizações sociais etc. em um processo que não tem prazo para acabar. O estilo de vida simples, a educação e espiritualidade ecológicas, além do engajamento comunitário são o tripé do movimento.

A realização do filme “A Carta”, que mostra o diálogo intercontinental entre quatro ativistas e o Papa Francisco sobre a recepção da Laudato Si’, foi um evento que marcou o 7º ano da encíclica. Desde seu lançamento mundial, em 4 de outubro de 2022, o filme acumulou 8,5 milhões de visualizações no YouTube. O filme também foi exibido durante a COP 27 do Egito. No ano seguinte, mais 1,5 milhão de jovens presentes na Jornada Mundial da Juventude realizada em Lisboa, em agosto, viram o documentário.

Em 2023, a Semana Laudato Si’ comemorou os oito anos da encíclica em uma programação que durou 15 dias, culminando com uma grande comemoração on-line de aniversário, no dia 24 de maio. Em outubro, às vésperas de outra Conferência do Clima, a COP 28, o Papa lançou o documento Laudate Deum, uma Exortação apostólica para detalhar a questão climática e reforçar a posição do Vaticano. O primeiro ministro da Santa Sé, Cardeal Pietro Parolim, discursou nessa Conferência, em Dubai, divulgando o documento. Com a exortação Laudate Deum, a Igreja propôs-se a ensinar de maneira muito clara o que os cientistas vêm dizendo há décadas: é preciso agir, e agora!

No Brasil, o impacto de ações ambientalmente corretas no Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida alcança anualmente entre 8 e 12 milhões de visitantes, e abrange uma variedade de projetos de sustentabilidade: a recuperação de 250 hectares de mata nativa de Mata Atlântica com mais de 500 mil mudas; o monitoramento das águas do rio Paraíba do Sul entre Aparecida do Norte e Guaratinguetá; o tratamento da água do complexo da Basílica em Estação própria, com ações de economia e reúso em paralelo; o tratamento de todo o lixo produzido, com coleta seletiva dos recicláveis, além da reciclagem da parafina usada nas cerimônias e pelos devotos. Para comemorar os 10 anos de Laudato Si’, o Santuário planeja inaugurar no próximo ano uma usina de geração de energia fotovoltaica que irá suprir 70% de sua energia elétrica, e até 2026, ter a maior usina de compostagem da região.

O Vaticano deu um outro grande impulso à missão de conscientizar educando: lançando em 2021, em meio à pandemia de Covid-19, o Pacto Educativo Global, mais um dos chamados do Papa Francisco. Ele incita a instituições, igrejas e governos que priorizem uma educação humanista e solidária como modo de transformar a sociedade.

O Pacto conta com 7 compromissos: 1) colocar a pessoa no centro de cada processo educativo; 2) ouvir as gerações mais novas; 3) Promover a mulher; 4) responsabilizar a família; 5) se abrir à acolhida; 6) renovar a economia e a política; 7) cuidar da casa comum. A educação ambiental passa por essa rede de canais católicos, notadamente pela articulação dos cursos de teologia com as escolas não religiosas de ensino médio.

O impacto da Laudato Si’ nas universidades católicas dá-se de maneira direta, pois os cursos têm disciplinas de Teologia, em que o tema ecológico é uma abertura para a Igreja discutir a Modernidade. Em escolas de ensino fundamental e médio, religiosas ou leigas, a formação de crianças e jovens entra através do tema das mudanças climáticas. No Brasil, universidades católicas formaram grupos de estudo da Laudato Si’, e pastorais da ecologia foram impulsionadas nas paróquias. A encíclica chegou a ser estudada na maior universidade leiga do país: na Faculdade de Arquitetura da USP (FAAU-USP) e, no Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP), foi debatida por economistas, filósofos e sociólogos especialistas em Sustentabilidade.

No país, há também um movimento de reitores da rede de ensino superior católica para definir como melhor implementar ações ecológicas em seus estabelecimentos, além de o Fórum de Reitores da Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (ANEC) estar trabalhando em uma Agenda para a Amazônia, com pesquisa e projetos de extensão. A ANEC congrega 1.031 escolas de educação básica (800 mil estudantes) e 101 institutos de ensino superior (400 mil estudantes), e está engajada com a Plataforma Laudato Si’ e com o Pacto Educativo Global.

Outro exemplo de impacto foi o Encontro entre Reitores de Universidades Latino-Americanas e Caribenhas: Organizando a Esperança, encabeçado pela Rede de Universidades para o Cuidado da Casa Comum, ocorrido entre 20 e 22 de setembro de 2023 no Vaticano. A Rede conta com mais de 200 instituições públicas e privadas no continente e congrega mais de 4 milhões de estudantes, sem contar professores, pesquisadores e funcionários administrativos. A missão dada foi a de conscientizar o maior número de estudantes, resgatando a esperança em criar um mundo humano para se viver.

Agora, rumo a 2025, quando se comemoram os 10 anos Laudato Si’ e os 800 anos do Cântico das Criaturas, poema de São Francisco de Assis, o Brasil será a sede da 30a Conferência do Clima, a COP 30 de Belém, no Pará, em plena Amazônia. Uma belíssima oportunidade de fechar um ciclo de atividades voltadas à proposta sinodal da Igreja de Francisco e à visão de uma ecologia integral.

*Isabel Gnaccarini é jornalista e trabalha desde 1999 com a comunicação ambiental. Doutora pela Universidade de Campinas (Unicamp) com a tese “Articulações entre Ciência, Religião e Política: Afinidades Eletivas nas narrativas ecológicas da Encíclica Laudato si’ e da Agenda ambiental da ONU”.


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