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Vozes em Ação

Publicado em

24/04/2025

Vozes em Ação 12ª edição: Bixarte e Preto Michel

Vozes em Ação que integra o Em Destaque da 12ª edição da Revista Casa Comum apresenta as histórias de Bixarte e Preto Michel

Por Susana Sarmiento

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“A poesia marginal me tornou artista e me mantém viva, como um pulmão fora do corpo.”

Bixarte. Foto: João Arraes

A arte sempre fez parte da construção social de Bianca Manicongo, conhecida como Bixarte. Aos oito anos, em João Pessoa, na Paraíba, teve acesso a aulas de circo, teatro e música pela organização da sociedade civil “Para o Dia Nascer Feliz”, onde permaneceu até os 16, apaixonando-se pelo teatro. “Na arte, entrei num processo de curar aquilo que não tinha cura”, relembra. Aos 18 anos, descobriu o slam e a literatura marginal, que lhe deram voz para denunciar situações de violência e desrespeito.

Atriz, cantora e poeta trans, Bixarte tem uma trajetória marcada por uma diversidade de projetos no campo da cultura. Em 2023, participou da terceira temporada da série Cine Holliúdy, da Rede Globo, como a personagem Perversa, e, em 2023, estreou com Renata Sorrah a peça Ao Vivo na Cabeça de Alguém, da Cia Brasileira de Teatro. Também é cofundadora da Casa da Baixa Costura, organização paraibana que acolhe e capacita pessoas trans, travestis e não-binárias, promovendo oficinas de dança, eventos independentes e produções musicais.

Bixarte começou a lançar músicas em 2019, com o EP (Extended Play) Revolução, seguido pela mixtape Faces (2020)*.

[*O EP é um formato intermediário entre single e um álbum e pode ter de quatro e seis faixas com uma duração total de 30 minutos, como um mini álbum. E o mixtape é como um compilado de canções, em geral com direitos autorais e fontes alternativas, e possibilita o artista experimentar novas versões musicais sem o custo de um álbum.]

Em 2023, produziu o primeiro álbum de estúdio, Traviacado, patrocinado pela Natura Musical. O trabalho, que reúne participações de artistas como Bia Ferreira e Urias, alcançou mais de dois milhões de plays. “Faço arte para contemplar minha mulheridade. Quero criar a arte da mulher que sou, não daquela que colocaram sobre o meu corpo”, reflete.

Bianca acredita no papel transformador da arte: “Os artistas geram opiniões e têm o poder de transformar a sociedade. Precisamos ocupar espaços e gerar impacto. Não podemos ficar apenas criando arte seletiva”. Sua causa é focada nas mulheres trans em vulnerabilidade social: “O Brasil é o país que mais mata mulheres trans. Minha música é para mostrar a elas que há propósito na vida.”

Os números são alarmantes. Segundo o Ministério da Saúde, em 2022, 19 pessoas trans foram agredidas, em média, por dia. Mulheres trans e travestis negras são as principais vítimas: 64% dos casos de violência contra pessoas trans envolvem mulheres, e 60% das travestis atacadas são negras. “É o 17º ano consecutivo que o Brasil lidera esses assassinatos”, afirma.

Bixarte busca criar narrativas para seu público. Hoje, escreve um monólogo sobre uma mãe negra que perdeu sua filha travesti para a polícia. Também está em turnê com um espetáculo da Cia Brasileira de Teatro e se prepara para o lançamento do seu segundo álbum. “Será um disco sobre amor. Travesti falando de amor é um ato político. Já casei, chorei, fui corna. Agora quero explorar o afeto.” Entre suas referências está Maju, uma travesti negra baiana.

O slam segue como pilar de sua trajetória. “A poesia marginal me tornou artista e me mantém viva, como um pulmão fora do corpo. Não consigo mais ficar calada diante de tanta desigualdade, racismo e transfobia.” Desde o início, sua arte tem como público mulheres de comunidades marginalizadas. “Fazia poesia para minha mãe, uma mulher preta que não se reconhecia como negra. Minha intenção nunca foi ser compreendida pela academia, mas mostrar às mulheres de favela que podem lutar pelos seus direitos, denunciar violências e enfrentar o racismo.”


“Eu sou um ser periférico e carrego meu território em meu corpo e em tudo o que faço.”

Preto Michel. Foto: Arquivo pessoal

Michel Jackson Morais Sarmento, natural do interior de Salinas, mudou-se para Belém do Pará aos quatro anos e possui 25 anos de trajetória na literatura. Começou a escrever aos 22, após uma juventude marcada por desafios. Dos 13 aos 18 anos, participou de gangues de rua e chegou a ser internado na Fundação de Atendimento Socioeducativo do Pará (FASEPA). Inspirado pelas letras do grupo Racionais MC’s, o rap transformou sua vida. Se envolveu com o movimento hip-hop, apaixonando-se pelo rap, o break e o grafite no final dos anos 1990.

Na periferia de Belém, atuou em movimentos juvenis, organizando eventos comunitários e estudando defesa de direitos e pautas sociais. Com participação ativa no Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa), fortaleceu sua identidade como homem preto e adotou o nome artístico Preto Michel. Sua transição da pichação para o grafite, o inseriu em contextos culturais e políticos mais engajados.

Em 2005, participou de um evento sobre mídias alternativas no Sesc Avenida Paulista, em São Paulo, representando o Movimento Hip Hop da Floresta, que unia o hip-hop à luta pela preservação da Amazônia. Nessa viagem, conheceu o movimento de literatura marginal e nomes como Sérgio Vaz, Alessandro Buzo e Ferréz, além de outros escritores da Cooperifa – um sarau com mais de 20 anos organizado por Sérgio Vaz no bar do Zé Batidão, zona Sul da capital paulista. Inspirado pelos saraus periféricos, começou a escrever poesias e contos.

Em 2007, retornou a São Paulo e participou de eventos com personalidades, como BNegão e Alessandro Buzo. Foi nesse período que começou a registrar suas poesias e contos, inspirando-se em vivências cotidianas, como a história de um menino conhecido como “Cochi”, que transformou em um conto ficcional chamado o Carequinha da Vila da Barca, relançado no livro O amor venceu a Guerra. Seu primeiro livro de contos, O Assobio da Matinta Pereira, surgiu após sua participação na coletânea Pelas Periferias do Brasil – Volume 4, em 2012.

Com 16 livros publicados, que vão de contos infantis a histórias de terror, Preto Michel busca retratar narrativas inspiradas na realidade de sua comunidade. Entre seus contos, um dos mais marcantes é O Catador de Sucata sobre um homem negro catador de sucata, que superou inúmeras dificuldades e suas filhas conseguiram estudar medicina na universidade pública.

Desde 2005, Preto atua como arte-educador, ministrando oficinas de grafite e promovendo a educação popular em organizações sociais. Em 2017, criou o projeto Escambo Literário, levando artistas e escritores para escolas em bairros periféricos, promovendo oficinas e palestras que incentivam a escrita e a oralidade. O projeto já passou por cerca de 300 escolas em Belém, resultando em publicações
feitas pelos próprios alunos, como na Feira do Livro Pan-Amazônica de 2023.

Além de sua produção literária, Preto fundou o selo editorial Letras Periféricas em 2014, publicando obras de quase 30 autores das periferias de Belém. Também empreende ao lado de sua companheira na empresa de roupas Nega Neguinha.

Neste ano, Preto Michel se dedica ao lançamento de seu próximo livro, com presença nas principais feiras literárias e, em maio, irá iniciar as oficinas educativas nas escolas com o projeto Escambo Literário. Ele também participará do projeto Arte da Palavra – Rede Sesc de Leituras, viajando por 10 estados com oficinas e palestras.

“A cultura salvou minha vida. O movimento negro, o hip-hop e a literatura me transformaram. Hoje sou um escritor conhecido nacionalmente, e isso me traz uma responsabilidade enorme. Tudo que conquistei veio da literatura. Eu sou um ser periférico e carrego meu território em meu corpo e em tudo o que faço”,
conclui Preto Michel.

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