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Publicado em

29/01/2025

Muito além da proibição: os desafios do uso de celulares e a desigualdade de acesso à internet nas escolas brasileiras

Artigo para a editoria Em Perspectiva da 11ª edição da Revista Casa Comum.

Por Fernanda K. Martins*

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Criança faz uso de celular, tablet e computador em escola. Foto: Fabio Rodrigues / Agência Brasil

A preocupação com a presença de tecnologias na sala de aula não é recente. Cada nova ferramenta introduzida gera, de um lado, o receio de que educadores(as) possam ser substituídos(as) e, de outro, o medo de que o desenvolvimento e a aprendizagem dos(as) estudantes sejam comprometidos. Além disso, as críticas ao modelo educacional tradicional, especialmente nas escolas públicas, também não são novas. Há uma percepção de que esses espaços permanecem pouco alterados em relação ao que era concebido como escola no início do século XX, o que significa o distanciamento geracional entre educadoras(es).

Esse distanciamento se torna ainda mais evidente quando analisamos o papel das tecnologias, como o celular, no ambiente escolar. Se o debate sobre o uso de aparatos tecnológicos já vinha se intensificando, a pandemia de 2020 e, a subsequente dependência das ferramentas digitais para a manutenção do ensino, tornaram essa discussão ainda mais urgente. Nesse contexto, o celular, que durante os anos de 2020 e 2021 foi visto como um possível aliado para a continuidade das aulas, passou a ser encarado, no período pós-pandemia, com crescente desconfiança, sendo frequentemente tratado como um “vilão” na educação.

Contudo, tratar tecnologias, em geral, como “vilãs” ou vê-las apenas como “salvadoras” da educação ignora as nuances dessa questão. O uso das tecnologias no ambiente escolar envolve uma série de decisões e políticas que não podem ser reduzidas a proibições. Pesquisas desenvolvidas pelo InternetLab, por exemplo, têm demonstrado que há confusão entre o que seriam tecnologias educacionais e o que são tecnologias de vigilância.

Na pesquisa “Tecnologias de vigilância e educação: um mapeamento das políticas de reconhecimento facial em escolas públicas brasileiras”, realizada em 2023, pelo InternetLab, foi identificado que gestores escolares têm sido pouco críticos ao apostarem em tecnologias de reconhecimento facial como aliadas no combate à evasão escolar e como ferramentas para garantir a segurança no acesso à escola. Preocupações sobre privacidade de alunas(os), riscos imanentes a esse tipo de tecnologia e a busca por outros meios de combater os problemas mencionados não são citados.

Outro estudo produzido pelo InternetLab, em parceria com Rede Conhecimento Social, chamado “Usos e impactos de plataformas de vídeos curtos por adolescentes do Brasil”, lançado em 2024, sobre o comportamento de adolescentes de 13 a 17 anos em plataformas de vídeos curtos, revelou divergências entre os(as) professores(as) sobre o uso de celulares.

Alguns acreditam que essas plataformas podem ser incorporadas ao ensino, enquanto outros(as) demonstram resistência, opondo-se à presença de celulares nas salas de aula. Já os(as) jovens têm uma visão mais complexa: para eles(elas), questões como ansiedade, uso excessivo de tela e contato com conteúdos inadequados não podem ser resolvidas apenas com proibições, mas sim com uma ação coordenada entre escola, família e o Estado. Além disso, atentam-se para o fato de que, se tivessem mais acesso a aparelhos de cultura pela cidade e a presença mais constante da família, gastariam menos tempo on-line.

Dados de 2023 da pesquisa TIC Educação, conduzida pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), mostram que, embora 99% das escolas particulares e 93% das escolas públicas possuam acesso à internet, essa conectividade é desigual, especialmente nas áreas rurais, onde apenas 85% das instituições estão conectadas. Além disso, a qualidade do acesso varia significativamente: 52% das escolas estaduais e 46% das particulares têm velocidades de 51 Mbps ou mais, enquanto apenas 29% das escolas municipais atingem esse nível de conexão. Esses dados mostram que proibir o uso de celulares sem considerar as desigualdades estruturais pode intensificar as disparidades educacionais existentes.

Se, por um lado, a proibição tenta combater malefícios do uso de celulares nas escolas, como distrações e problemas de saúde mental, por outro, ignora que há benefícios que a presença do celular pode trazer, especialmente em áreas onde a infraestrutura tecnológica é precária. Assim, uma lei federal que defenda a proibição não parece resolver o problema de todas(os) as(os) estudantes. Talvez a discussão deva se centrar em como garantir acesso significativo a essas tecnologias junto a uma educação midiática para todas(os) as(os) estudantes independentemente de seu CEP.

Fique por dentro

• Relatório “Tecnologias de vigilância e educação: um mapeamento das políticas de reconhecimento facial em escolas públicas brasileiras”: bit.ly/3Pa67AX

• Pesquisa “Usos e impactos de plataformas de vídeos curtos por adolescentes do Brasil”: bit.ly/41K89zc

• TIC Educação: bit.ly/40b9kGA


*Fernanda K. Martins é Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e antropóloga pela Universidade de São Paulo (USP). Atua como diretora de pesquisa e desenvolvimento do InternetLab, centro de pesquisas independente voltado para a intersecção entre direitos humanos e tecnologia.

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