Publicado em
18/11/2024
Tiely Santos, ator, escritor e rapper, assina novo artigo da coluna Decoloniza, em parceria com a Afroeducação, e fala sobre a importância de fortalecer identidades a partir de diálogos, educação e cultura.
Por Tiely Santos
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Por que somos perseguidos/as/es, esculachados/as/es, violentados/as/es, chegando às vias de fato, quando o motivo são as nossas identidades e orientações sexuais? Identidades no plural, pois são várias as que nos rodeiam: étnicas, de gênero, sociais, culturais e que direcionam, marcam nossos corpos e nossas histórias passadas, contemporâneas e futuras.
Somos resultado de um processo histórico social marcado por inúmeros conflitos. Desde 1500, nossos corpos foram pressupostamente embasados com base em três matrizes étnico-raciais (ameríndia, africana e europeia) e foram edificados, por parte da matriz europeia, na base do “terrorismo colonial” ou do “genocídio colonial”, onde nossos antepassados tiveram que viver olhando para os pés descalços para que o opressor não se sentisse intimidado, a chibata não fosse usada e a morte fosse evitada.
Herdamos um ponto de partida binário. Ou seja, vivemos em uma sociedade vista a partir da divisão inicial entre mulheres e homens e, depois, a divisão étnica, cultural, religiosa, social, não necessariamente nessa ordem. Mas as pessoas LGBTQIAPN+ (pessoas lésbicas, gays, bissexuais, trans, queers, interssexo, assexuais, pansexuais e não bináries) também existem nesse processo e devem ser respeitadas.
Decolonizar ideias racistas e fóbicas para fortalecer nossas identidades vai muito além de publicar stories nas redes sociais sobre o tema ou gravar vídeos antirracistas ou antifascistas para as diversidades e afins.
Parece que o tempo parou para quem é preto/a/e, e parece que o tempo não avança para quem é LGBTQIAPN+, em um país onde decolonizar não pode ser apenas o mesmo que reparar, pois precisamos avançar para fortalecer.
Nosso passado recente ainda sangra momentos de dor e nossos documentos históricos são resultados da eugenia* melindrosa de poderosos racistas e lgbtfóbicos, que clarearam nossos/as/es mártires pretos, pretas, indígenas, e que travam nossos desejos e amores.
[*Eugenia é um termo criado pelo inglês Francis Galton no final do século 19 que dividia pessoas em grupos como ‘adequadas’ e ‘inadequadas’, o que contribuiu para o crescimento e disseminação de diferentes tipos de preconceito, como racismo, machismo, lgbtfobias, entre outros.]
Falar demais, nesse sentido, é necessário, sim. Pois falar de menos é o que o opressor quer: apagar nossa existência. Portanto, falemos de nós, mostremos quem somos, fortaleçamos as bases, com educação e cultura, para que – num futuro próximo (caso não inflamamos na agro-ganância) -, consigamos apresentar para o mundo que podemos ser melhores do que mostramos ser agora.
Que deixemos de ser o país que mais mata pessoas trans no planeta, que incendeia uma área equivalente ao estado de Roraima a cada nove meses, um país em que, só no ano passado, mais de 1500 mulheres sofreram feminicídio. Afinal, temos apenas 524 anos e muito que avançar!
Estamos em novembro, tempos de Consciência Negra, que, para mim, é todo dia. Para além dessa consciência que me habita, sigo com orgulho com mais essa camada em minha pele que já sentiu os olhares do segurança do mercado e seus passos no meu encalço (quem nunca?).
Meu corpo trans, preto e periférico segue na luta, decolonizando ideias, fortalecendo identidades.
Deixo, a seguir, uma poesia para fortalecer identidades, corporeidades, liberdades e afins.
INCÊNDIO
Sensação de queimada chegando…
A cada passo, um arrepio
A cada sílaba proferida no pé da orelha
minha vulva aperta, dilata, aperta…
é uma dança de prazer,
um encharcar de pele macia…escorregadia…
deslizando loucamente na sua pele indecente…
é um incêndio sem proporções
um emaranhado de confusões
ardências, essências, misturas finas
Um cheiro de incenso de baunilha anuncia…
Um amor que nunca passa,
que volta sempre…
e aquece minha cama vazia…
*Tiely Santos tem 49 anos e mais de 30 dedicados à cultura e aos esportes. Cria da zona leste de São Paulo, ainda adolescente, iniciou sua carreira como ator, dançarino, fotógrafo e rapper junto ao extinto grupo “Tribo Cerebral”, tendo sido considerado o primeiro homem trans do rap nacional. Como escritor, lançou, em 2021, o livro de poesia erótica: “Trans Corpo Ético”, pela editora Círculo Contínuo Editorial e, em 2023, sua versão bilíngue com o título: “Trans Poethical Body”, pela editora Amefrica Press, com lançamentos nos EUA e no Canadá.
Por Paola Prandini, co-fundadora da Afroeducação e curadora da série #Decoloniza (paola@afroeducacao.com.br)
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