NOTÍCIAS >

Em Pauta

Publicado em

11/05/2023

Especialistas apontam que viabilizar a democracia passa pelo enfrentamento ao racismo e pensar a branquitude enquanto sistema de dominação

Por Daniele Próspero

O apoio à democracia aumentou no Brasil. Pelo menos sete em cada dez brasileiros (73%) consideravam em novembro de 2022, logo após as eleições, que a democracia é sempre a melhor forma de governo. Os dados são da 20ª edição da pesquisa Panorama Político do DataSenado.

Porém, para que a democracia de fato prevaleça no país será preciso, segundo especialistas que estiveram presentes no 12º Congresso GIFE, realizado em abril em São Paulo, enfrentar o mito da democracia racial brasileira, discutir sobre branquitude e desenvolver iniciativas com intencionalidade de fato para a busca da equidade.

Cida Bento, psicóloga e ativista brasileira, diretora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), destacou a importância de trazer o branco para refletir sobre a história de dominação com a escravidão, e pensar a branquitude como local de privilégios. Porém, destaca que, apesar dos avanços, esse debate ainda gera desconforto. “Somos todos descendentes de escravos ou de escravocratas. Trazemos essa herança. E é preciso falarmos e trazermos o tema em diálogo para mudar esse paradigma. A branquitude orienta os nossos olhares. Quando começamos a trazer luz sobre ele, a gente pode mudar a realidade”, acredita.

Para a especialista, um ponto fundamental para termos um país democrático é como os brasileiros vão lidar com o medo da multiplicidade e da diversidade, buscando principalmente mudar o perfil das instituições. “Se queremos um país democrático, a equidade é o coração. Só que a multiplicidade sempre ameaça, é assustadora, pois de outro lado está o pensamento único, a uniformidade. O medo desorganiza. Mas será preciso enfrentá-lo dentro de nós mesmos”.

Ver essa foto no Instagram

Uma publicação compartilhada por CEERT (@ceert)

Um espaço oportuno e fundamental para trazer esse debate, pondera Douglas Belchior, professor de história, cofundador da Uneafro Brasil e liderança da Coalizão Negra Por Direitos, é a escola. Além disso, acredita na importância de apoio às organizações populares de base do movimento negro, que lutou e luta diariamente para mudar as estruturas.

Em sua avaliação, a agenda racial é vencedora, com diversas conquistas ao longo dos anos, sendo este um momento histórico, pois nunca esteve tão em evidência, principalmente com a criação do Ministério de Igualdade Racial

Anielle Franco, Ministra da Igualdade Racial, ressaltou a importância das ações afirmativas, apontando a lei de cotas como a maior política de reparação histórica, que deve continuar sendo inegociável, e a necessidade de sua ampliação, com um plano mais abrangente, que possa garantir acesso à cultura, que debata o extermínio da população preta, pense sobre o acesso à terra, entre outras questões.

De acordo com a Ministra, o trabalho não será fácil, tendo em vista o recurso limitado do Ministério, mas que a estratégia é trazer o tema também de forma transversal para todo o governo. Uma das ações já realizadas, por exemplo, foi o movimento no Governo Federal que levou à assinatura de um decreto que garante até 30% de vagas para pessoas negras em cargos de comissão e funções de confiança na estrutura do Poder Executivo.

“Quando fomos propor o decreto, ouvimos que não era possível, que essa não era a melhor ideia. Porém, quando apresentei o decreto para o presidente, ressaltei que o ganho social era imensurável. Conseguimos implementar uma esplanada com pessoas negras em cargos superiores para mostrar que somos muito capacitados para estar em todos os cargos e lugares”, disse Anielle, ressaltando a importância destes movimentos.

“Sigo sonhando com um país no qual os negros consigam entrar nos espaços de protagonismo e permanecer. Sonho com que cada vez mais mulheres e homens negros possam se eleger. Quem sabe conseguimos um vice-presidente ou um presidente negro nesse país? Já está na hora”, completou.

>> No último dia 12, a Ministra Anielle Franco se reuniu com a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado para apresentar diretrizes e ações do Ministério da Igualdade Racial. Confira: 

Ver essa foto no Instagram

Uma publicação compartilhada por Anielle Franco (@aniellefranco)

Só uma onda?

“Conseguimos colocar a nossa agenda em um lugar importante, fruto da luta de décadas dos movimentos negros, mesmo quando ninguém se atentava ao tema. Mas, até quando estará na lista de prioridades do setor privado? Esse lugar de prioridade é prioridade mesmo? São perguntas para fazermos. Qual saldo vamos tirar deste período que o debate racial está na mesa? Pode ser que ele passe”, questionou Douglas Belchior.

Na avaliação de Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco, o Brasil corre sim o risco de viver apenas uma “onda” em que o tema está em evidência, mas que não produza de fato mudanças nas estruturas, pois as desigualdades persistem e se intensificaram nos últimos anos.

“Esse risco está associado ao fato de o Brasil estar de costas para si mesmo. E estar de costas para o racismo que estrutura a desigualdade social brasileira é a forma mais conveniente de não produzir afetos. Se não vejo, não estou implicado. É fundamental que, para além da empatia, todos se perguntem qual é a implicação individual e institucional que todos temos para essa agenda. Temos que superar a visão simplesmente inicial desse processo e de não trazer do ponto de vista da perspectiva da construção da sociedade brasileira de onde viemos e para onde queremos ir”, ressaltou.

Para Ricardo Henriques as democracias estão  em crise justamente porque não foram capazes de construir uma sociedade mais harmônica, gerando um ressentimento. “Quando uma sociedade começa a gerar uma mobilidade social, e gerou para as populações negras, as expectativas da população é que possam viver melhorias. Mas, seguimos encapsulados em uma estrutura radicalmente organizada pelo racismo e desigualdades. Por isso, a variável chave que precisamos conversar é qual a intencionalidade de produzir essa mudança. Se não, corremos o risco de essa sensibilidade ser uma onda, mas não contribuir para uma reconfiguração de um arranjo social do espaço público”.

Outros conteúdos:

“Toda essa desigualdade tem como base a colonização, que continua acontecendo até hoje”, afirma Edgar Villaneuva

Edgar trouxe suas percepções sobre o tema durante o 12º Congresso GIFE, realizado em abril em São Paulo, e teve como tema Desafiando Estruturas de Desigualdades.

Publicado em

09/05/2023

Advocacy é fundamental para garantir participação em uma sociedade democrática

Entenda o que é e conheça experiências de advocacy na defesa dos direitos humanos

Publicado em

24/08/2022

#Decoloniza, uma série especial em parceria com a Afroeducação

Série #Decoloniza traz reflexões sobre diferentes maneiras de de(s)colonizar o mundo

Publicado em

10/05/2023

ASSINE NOSSO BOLETIM

Receba nosso conteúdo por e-mail, de acordo com nossa Política de Privacidade.

    Botão do whatsapp

    Entre para nossa comunidade!