Publicado em
25/07/2023
Nestes Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra e Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, aproveitamos para refletir sobre a importância de “decolonizar” a educação por meio de práticas que visem a equidade étnico-racial e de gênero
Por Deborah Monteiro*
O processo de colonização do Brasil é pai de uma série de violências físicas, estruturais e epistêmicas. Desde a tomada dos territórios dos povos originários por europeus, ou seja, desde que o Brasil foi assim nomeado, a ideologia no poder é colonialista e, portanto, racista e patriarcal.
Os valores da colonização permearam os séculos e, até hoje, se manifestam pelas chamadas “colonialidades” (QUIJANO, 2002; WALSH, 2009). Elas estão presentes nas ideologias modernas e caem como luva às estruturas liberais e neoliberais, por isso, ficamos cada vez mais distantes dos conhecimentos indígenas e dos valores civilizatórios afrobrasileiros (BRANDÃO; TRINDADE, 2006), que são, por outro lado, fundantes e fundamentais para o nosso país.
Como nos explica Stuart Hall (2016), o Ocidente tratou de construir um discurso sobre si mesmo, colocando-o no centro e tornando todas as outras culturas como “resto”. Inclusive, o sistema educacional segue, até os dias de hoje, a mesma lógica, excluindo ou marginalizando o que não pertence às cosmopercepções do atual Norte Global. A educação formal nasceu como um dos braços da colonização, tendo tido como primeira versão a “educação jesuítica”, completamente baseada na suposição de superioridade europeia, fundamentalmente religiosa e impositora de crenças, valores e saberes ocidentais.
Para bell hooks (2013), uma educação libertadora deve ser engajada, ou seja, deve estar alinhada à consciência política e a propostas de transformação para uma sociedade mais justa. Dessa forma, uma educação libertadora precisa ser crítica às desigualdades, analisando as intersecções entre elas. A esse respeito, Akotirene (2018) coloca que a interseccionalidade é “uma ferramenta teórica e metodológica usada para pensar a inseparabilidade estrutural do racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado, e as articulações decorrentes daí, que imbricadas repetidas vezes colocam as mulheres negras mais expostas e vulneráveis aos trânsitos destas estruturas”.
Julho é o mês em que se celebram o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra e o Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, sancionados pela Lei nº 12.987/2014. Com isso, é essencial que as posições das mulheres negras na sociedade brasileira possam, então, ser tema de trabalhos interdisciplinares engajados.
>> Para conhecer um pouco da realidade que essas mulheres vivem em nosso continente, confira publicação organizada pelo Departamento de Informação Pública da ONU e o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
Infelizmente, no dia 25 de julho, muitas escolas do país estarão em recesso, mas a data é apenas um marco. O que nos importa é aproveitá-la para abordar a realidade das mulheres negras brasileiras, a partir de dados estatísticos, apresentando suas pautas, os movimentos de luta, suas artes e potencialidades, usando e abusando dos tempos e dos espaços da escola, tendo os valores civilizatórios indígenas e afrobrasileiros como base, promovendo atividades que envolvam, integralmente, estudantes e toda a comunidade escolar ampliada em torno da necessidade de justiça nas relações de raça e de gênero em nossa sociedade.
Uma educação decolonial não se faz apenas introduzindo saberes em eventos e projetos pontuais da escola. É preciso, primeiramente, que os conhecimentos indígenas, africanos e afro-brasileiros estejam presentes em todos os componentes, em todos os bimestres, integrando a rotina escolar, os planejamentos, as sequências didáticas, os seminários, as avaliações e as sequências didáticas, uma vez que estas últimas são espinha dorsal das práticas antirracistas e promovem educação integral, ao não dissociarem corpo-mente-espírito.
>> Confira Educação Antirracista e decolonial no chão da chão, publicação fruto da pesquisa de mestrado de Deborah Monteiro.
Decolonizar corpos, mentes e espiritualidades é urgente e essencial para transformar o nosso país. Para isso, compreender e valorizar as contribuições de mulheres negras é o mínimo a ser feito, numa sociedade que, sem elas, não existiria como tal. Que as conquistas de Tereza de Benguela e de tantas outras mulheres que a seguiram possam ser exaltadas o ano todo!
Referências bibliográficas:
AKOTIRENE, Carla. O que é Interseccionalidade? Entrevista à Carla Batista. Folha PE, 7 Set. 2018.
BRANDÃO, Ana Paulo; TRINDADE, Azoilda. Saberes e fazeres: modos de interagir. Rio de Janeiro: Fundação Roberto Marinho, v.3, 2006.
HALL, Stuart. O Ocidente e o resto: discurso e poder. Tradução Carla D‟Elia. Projeto História, São Paulo, n. 56, p. 235-290, maio-ago 2016.
HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: a Educação como prática de liberdade. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2013.
QUIJANO, Aníbal. Colonialidade, poder, globalização e democracia. Revista Novos Rumos, v. 17, n. 37, p. 4-25, 2002.
WALSH, Catherine. Interculturalidade crítica e pedagogia decolonial: in-surgir, re-existir e re-viver. In. CANDAU, Vera Maria (Org.). Educação intercultural na América Latina: entre concepções, tensões e propostas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009.
Deborah Monteiro é mestra em Educação, pela Universidade de São Paulo, na área de concentração: Cultura, Filosofia e História da Educação, onde defendeu a dissertação “Corpos negros e seus saberes: oralitura e escrevivência por uma educação decolonial”. É licenciada em Letras (Português e Inglês) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ingressou, por meio de concurso, em 2011, na rede municipal de educação de São Paulo, como professora de língua portuguesa. Entre 2013 e 2016, atuou como formadora de professores na Diretoria Regional da Penha, onde foi regente de cursos diversos relacionados aos direitos de aprendizagem do ciclo autoral, Trabalho Colaborativo de Autoria e Educação para as Relações Étnico-raciais. Atualmente, é professora na EMEF Saturnino Pereira, no bairro Cidade Tiradentes, na zona leste da capital paulista.
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