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Publicado em

28/11/2023

Rumo à COP28: doações fomentam a ocupação de espaços de incidência política 

Juventudes brasileiras estarão em Dubai, na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, de 30 de novembro a 12 de dezembro com ações de comunicação, ativismo e advocacy.

Por Daniele Próspero

Imagem de divulgação da delegação da organização Engajamundo para a COP28, que acontece em Dubai, a partir de 30 de novembro. Foto: divulgação.

Enquanto você lê esta matéria, dezenas de brasileiros e brasileiras – ativistas, pesquisadores, governantes, investidores sociais, empresários, cientistas…- de diferentes regiões do país estão a bordo de um avião, rumo à Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

Eles e elas irão participar da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP28, que acontece entre os dias 30 de novembro e 12 de dezembro. A proposta é chegar a um acordo sobre políticas para limitar o aumento da temperatura global e considerar os impactos associados às mudanças climáticas. Entre as negociações, pretende-se criar um novo fundo internacional destinado a combater os efeitos da destruição causada pelas mudanças climáticas, como secas, inundações e elevação dos mares. (Veja o histórico dos principais marcos da luta ambiental no Raio-x da 7ª edição da Revista Casa Comum).

As expectativas estão grandes sobre as definições e acordos que sairão nesta COP, afinal, depois de meses de recordes sucessivos de temperatura, o ano de 2023 irá se configurar, certamente, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), como o ano mais quente desde que os registros começaram a ser coletados.

Entre o contingente de participantes que terão papel fundamental para dar novos rumos ao curso da vida no planeta estão as juventudes, atores essenciais nas discussões sobre o clima, uma vez que vivenciam na pele e no dia a dia as consequências e os impactos desta era de “ebulição global”. (Leia a matéria de destaque Revista Casa Comum, que dedicou a sua 7ª edição ao debate sobre ecologia).

Porém, estar num espaço como este e, em um país tão distante – só para termos ideia, a previsão de voo é de mais de 15 horas para percorrer mais de 12.226 km (7597 milhas), se o ponto de partida for a cidade de São Paulo, por exemplo -, exige muitos recursos financeiros. Não só para a compra de passagem, que pode chegar a quase 10 mil reais, mas também os custos com alimentação, hospedagem, transporte, seguro-viagem e tantos outros gastos, além de imprevistos que podem ocorrer.

Se viabilizar recursos como esses não é tarefa fácil para quem irá representar organizações, empresas ou governos, imagina então para as juventudes? E não é que tem jovem se movimentando em todo o Brasil e conquistando a oportunidade de ocupar espaços políticos de tomada de decisão e incidência, como a COP, a partir de doações?

É assim que 14 jovens que fazem parte da delegação da organização Engajamundo irão participar e fazer valer a voz das juventudes brasileiras em Dubai, mais uma vez. Há anos, a organização liderada por jovens e com iniciativas relacionadas às temáticas de mudanças climáticas, cidades sustentáveis, biodiversidade, gênero e desenvolvimento sustentável, busca formas de viabilizar o engajamento politico de jovens brasileiros em iniciativas.

Assim, além de apoios institucionais por meio de programas e projetos, a organização lança sempre uma uma campanha de doação virtual – as famosas vaquinhas online – para que todas e todos possam doar recursos para também permitir a ida da delegação para as Conferências do Clima.

Neste ano, os 26 mil reais arrecadados via vaquinha online irão cobrir os custos de hospedagem de 14 jovens que fazem parte da delegação, entre 20 e 29 anos, de quatro regiões do Brasil (Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste), durante as duas semanas da Conferência. A proposta é que eles possam levar as agendas prioritárias da organização para a COP28, que são: transição energética justa, educação climática e Acordo de Escazú – Defesa de Defensores, por meio de estratégia de comunicação, advocacy e ativismo.

Foto: Arquivo pessoal

“A vaquinha foi algo criado pelo grupo de voluntários, há anos, quando começamos a perceber que os recursos institucionais não davam conta. Essa forma de doação é importante para nós, pois é um recurso livre, para que possamos fazer o pagamento de hospedagens, por exemplo, ou para custos emergenciais, que sempre acontecem. Só para ter ideia, o valor total para os 14 jovens, mais os seis membros da diretoria, gira em torno de 250 a 300 mil reais. A vaquinha foi se consolidando ao longo dos anos, e hoje, para além de ser estratégia de captação, se tornou uma ótima forma de divulgação da própria existência do Engajamundo e sua influência na COP”, comenta Larissa Pinto Moraes, 27 anos, diretora-executiva da organização e moradora de Rio Branco (AC). 

Ela destaca, inclusive, que a meta de captação da vaquinha neste ano foi logo atingida, devido a uma intensa mobilização por parte dos jovens voluntários com diferentes estratégias de divulgação, todas elas com linguagem simples, memes e vídeos, além de uma periodicidade constante. Hoje, o Engajamundo conta com 350 jovens voluntários ativos e mais de dois mil membros de todo o Brasil que circulam pela rede da organização.

“Muitos jovens que acessam os espaços políticos vêm de um lugar privilegiado. A nossa questão sempre é: como fazer para que as várias juventudes acessem esses espaços e garantir que não sejam sempre as mesmas, discutindo as mesmas coisas?”, problematiza Larissa, que completa:

Barbara Gomes, 27 anos, engenheira de Energias pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e moradora da cidade de Santo Estêvão, no interior da Bahia, foi um dos novos rostos participantes da delegação do Engajamundo na COP do ano passado, realizada em Sharm el-Sheikh, no Egito. A jovem, que sempre esteve envolvida em iniciativas juvenis e passou a fazer parte do “Engaja” em 2019, conta que mobilizar as pessoas da sua cidade para que doassem para a vaquinha foi um desafio, devido à falta de conhecimento por parte da população sobre o que é uma Conferência do Clima e também da importância de as juventudes se engajarem politicamente.

“Foi muito difícil explicar, principalmente no meu território, e as pessoas entenderem que precisamos acessar esses espaços. E, se elas desconhecem, não há interesse em colaborar. O pessoal é muito desconfiado. A gente tentava fazer a divulgação na internet, no WhatsApp, em eventos. Mas percebemos que o que dava mais resultado era pessoalmente porque tinha como explicar o projeto. Só conseguimos ir à COP porque as pessoas colaboraram. Se fosse com o meu recurso, nunca teria condições”, destaca a jovem.

Barbara relembra essa primeira experiência internacional como um momento marcante em sua trajetória enquanto ativista, principalmente porque teve a oportunidade, na ocasião, de ser a representante das juventudes em uma mesa organizada pela sociedade civil, que inclusive contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando entregou ele a reivindicação da criação do Conselho de Juventudes pela Ação Climática, que foi criado, inclusive, este ano.

Foto: Arquivo pessoal.

Se o apoio para sua ida ao Egito não foi tão fácil, o retorno à sua cidade depois da COP se tornou um marco, sendo reconhecida por sua participação. “Para mim foi uma felicidade e uma surpresa muito grande. Foi a primeira vez que meu trabalho foi reconhecido pelas pessoas de minha cidade. Foi bonita a minha volta, colocaram plaquinha na minha rua, me chamaram para falar em um podcast da cidade, vários professores começaram a me chamar para conversar com alunos sobre a temática ambiental e queriam levar o meu exemplo de jovem ativista para as escolas. Foi o máximo poder falar para eles que estudei a vida toda em escola pública, me formei e fui para uma COP. Muitos políticos nem sabem o que é isso e eu estava lá. Fiz uma rede de contatos para dialogar com as juventudes a partir dessa perspectiva. Espero que alguém tenha sido tocado com isso”, conta Barbara.

Acervo pessoal

Atualmente, além de ser voluntária no Engaja e em outras redes e atuar profissionalmente na organização The Climate Reality Brasil, a jovem iniciou também um projeto numa escola da rede pública para falar sobre sustentabilidade, meio ambiente, participação e educação de jovens para alunos do Ensino Fundamental.

Apoio para fomentar transformação social

Assim como Barbara, foi por meio de diversos apoios que a jovem Amanda Costa, 27 anos, moradora da zona Norte de São Paulo, embaixadora da ONU, conselheira do Pacto Global da ONU e cofundadora do Instituto Perifa Sustentável já esteve presente em quatro edições da COP. Neste ano, embarca para a sua quinta conferência com mais 10 mulheres negras, com apoio da Anistia Internacional por meio do projeto Vozes Negras pelo Clima, que visa pautar o tema da crise climática.

Entre as várias mobilizações que Amanda já realizou para conseguir embarcar para uma Conferência Climática, uma das mais marcantes foi a de 2021, quando conseguiu a credencial para participar do evento em Glasgow, no Reino Unido, mas não tinha recursos para viabilizar a sua ida. Faltando um mês, a jovem decidiu lançar em suas redes sociais um pedido de doação, solicitando que as pessoas pudessem apoiá-la para a COP26. Muita gente foi doando e doando. O que ela não esperava é que o engajamento seria tanto.

Mensagem postada por Amanda para solicitar doações para sua ida à COP26
Falta cerca de um mês para a conferência e ainda não consegui recursos, apesar de ter conseguido o mais difícil: a credencial para viabilizar a minha participação nesse espaço de representação e decisão global!
Aqui está uma média dos gastos:
✈️ €700 Passagem aérea
???? €600 Hospedagem
???? €500 Alimentação
???? €200 Seguro de vida

Te convido a uma oportunidade de contribuição, topa?
– Escreva nos comentários ideias de captação;
– Marque pessoas, instituições ou empresas interessadas na luta climática;

Sei que é ousado, mas foi assim que cheguei até aqui! Construir novas narrativas a partir da minha perspectiva enquanto jovem negra periférica internacionalista é o que almejo e te convido a fazer parte desse processo.


“Quando eu me atrevo a ser poderosa, a usar a minha força a serviço da minha visão, o medo que eu sinto se torna cada vez menos importante”, em “The Cancer Journals”, Audre Lorde

Foto: Johnny Miller.

“Conversando com a minha mentora Egnalda Cortes, ela me provocou positivamente: o que você pode fazer neste lugar de influência e de visibilidade? E se apoiasse outras mulheres negras que não podem participar também para irem? Em 2021, com os quase 120 mil reais doados, foi possível irmos em quatro mulheres negras. Já em 2022, na COP do Egito, foi praticamente o mesmo processo. Faltando uma semana para a conferência, o Greenpeace me convidou para ir como comunicadora e produzir vídeos que pudessem ‘furar a bolha’, e falar com quem não está envolvido nesse universo de discussão e debate. Foi uma ótima experiência”, relembra Amanda.

Aliás, a participação e a orientação da mentora têm sido fundamentais não só para Amanda, mas para diversos jovens que contam com o apoio de Egnalda e da sua empresa, a Côrtes e Companhia, a primeira agência de criadores de conteúdo negros da América Latina. Egnalda apoia financeiramente diversos jovens para ocuparem espaços de incidência política e também mobiliza toda a sua rede de contatos para viabilizar mais recursos.

“Tem a ver com a crença de que podemos mudar o mundo, mas é preciso de recurso para isso, afinal, vivemos em um mundo capitalista. Hoje eu sou empresária e apoio vários movimentos. Outros empresários apoiam, mas não querem ou não podem aparecer. Eu vou continuar apoiando os movimentos, porque não é sobre eles, mas sobre a nossa sociedade. E eles só vão continuar a existir caso se tornem sustentáveis”, enfatiza.

Para ela, apoiar as juventudes, como tem feito, é a possibilidade de poder dar continuidade a um sonho, que já foi dela, quando jovem, e que vê nestas juventudes a oportunidade de mudanças de rumo para o país e para o mundo.

Os desafios para conquista de doadores

Se por um lado, tais histórias ressaltam as oportunidades criadas para as juventudes por meio das doações, principalmente vindas por meio digitais – o que enfatiza que a tecnologia ajudou a criar um ambiente ainda mais propício à doação -, o processo de conquista de novos recursos nem sempre é um caminho fácil e certeiro, como trouxe Barbara em sua fala.

E isso é o que aponta, inclusive, a Pesquisa Doação Brasil de 2020, realizada pelo IDIS (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social), no qual 41% dos entrevistados disseram que a doação online pode ser insegura. E o botão de doar, em redes sociais, só era usado por 5% dos entrevistados. Além disso, 82% disseram não ter usado nenhuma forma de doação online.

Já a pesquisa de 2022 destacou que o Pix, instrumento de pagamento lançado em 2020, já conquistou a preferência de 39% dos doadores, enquanto a doação em dinheiro vivo ficou em segundo lugar, com 33%.

Larissa, a diretora-executiva do Engajamundo, ressalta que a organização tem estudado como, cada vez mais, receber doações via operações de Pix, tendo em vista que se trata de um recurso que é uma doação direta para a organização, sem vinculação a projetos, feito por pessoas físicas e sem tantas burocracias. 

Foto: Arquivo pessoal.

“As organizações sempre tiveram vinculadas com sites que fazem a intermediação das doações de pessoas físicas, como Pólen, Catarse, entre outros. Só que para conquistar doadores para estes sites, você precisa anunciar que a organização está nessas plataformas, precisa ter campanha recorrente, com cadastros etc. E o Pix se popularizou. Acreditamos que o processo de convencer as pessoas a doarem é encurtado e tem mais chances de se interessarem. Ter esse dinheiro livre para a organização é fundamental. Se acontece alguma emergência, de transição entre projetos, por exemplo, quando um acaba e outro não entrou ainda, isso ajuda a manter a organização. Já aconteceu de não conseguirmos pagar o salário das pessoas, pois o processo de negociação de um novo projeto atrasou e não tínhamos dinheiro suficiente no fluxo de caixa. Isso é muito ruim”, relembra Larissa.

Outro ponto importante que a Pesquisa Doação Brasil de 2022 traz diz respeito a quem influencia nas motivações para a doação. Quando questionados sobre o que mais convenceu ou influenciou na decisão de doar em 2022, os participantes mostraram que o convívio social nos locais religiosos e nas comunidades tem o poder de influenciar o doador, assim como a família, vizinhos e amigos, além dos pedidos de doação recebidos diretamente na rua, por telefone ou por e-mail. Redes sociais e influenciadores digitais aparecem na quarta posição.

E, para quem escolheu a influência das redes sociais, o Instagram desponta como a principal mídia, ao contrário do que ocorreu, por exemplo, com a Amanda, que foi certeira no uso do LinkedIn.

Fonte: Pesquisa Doação Brasil de 2022

Porém, um obstáculo a mais a ser superado pelas juventudes e, principalmente, pelas organizações as quais essas juventudes estão conectadas, é a própria causa: a questão ambiental. 

Apesar de ser uma urgência do mundo atual, o meio ambiente/causa ambiental recebe, ainda, apenas 5% das doações, segundo a Pesquisa Doação Brasil de 2022.

Fonte: Pesquisa Doação Brasil de 2022

Na avaliação de Larissa, com o governo atual e a retomada, justamente, de várias iniciativas por parte do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, a agenda e o processo de enfrentamento às mudanças climáticas voltou a ser pauta prioritária e isso, de alguma maneira, precisa refletir na sociedade civil, o que significa também fomentar uma discussão sobre o financiamento de iniciativas nesse sentido.

“Estamos em processo de emergência. A seca do Amazonas é devastadora, rios não existem mais, as pessoas não respiram. Enquanto no Sul, os ciclones estão promovendo desastres absurdos. Existe hoje, infelizmente, uma situação concreta desta emergência. Precisamos dar as mãos e realizar ações urgentemente. Precisamos lembrar que teremos a COP30, em 2025 em Belém, no Pará. Nós temos, inclusive, um núcleo ativo na cidade, com vários voluntários. Precisamos estabelecer um processo de fortalecimento desse território, com as juventudes que já estão lá. E é fundamental também estabelecermos a articulação com os jovens de outros lugares do Brasil. O processo já está a todo vapor”, ressalta a diretora do Engajamundo.

A jovem Amanda Costa lembra também que estar nestes espaços de influência, como as COPs, é importante para garantir um lugar de fala das juventudes e suas demandas, mas é na ponta, nos territórios, que as ações precisam de fato ter impacto e serem implementadas, o que, em grande parte, não é possível justamente por falta de investimentos. 

Foto: Johnny Miller.

Os nossos esforços deveriam ser para fortalecer a nossa comunidade no trabalho de base. Quando a Anistia Internacional ou o Greenpeace, por exemplo, nos apoiam financeiramente para ir a uma Conferência, é para que a gente volte ao Brasil e faça pressão política para a emergência climática e pense em como vamos desenvolver projetos na comunidade e comunicar essa temática para as pessoas. O que eu percebo é que há uma abertura maior para dialogar com possíveis financiadores, mas não há o interesse em direcionar o recurso para a ponta. Tem muito dinheiro, mas para quais projetos? Tem abertura maior para o tema, mas não para investir em organizações na periferia, como a nossa, como se não tivéssemos legitimidade para apresentar resultados concretos. Não vejo isso se fortalecendo”, analisa.

Atualmente, toda a equipe do Instituto Perifa Sustentável é voluntária. A organização conquistou recentemente um edital do Fundo Casa Socioambiental para realizar o projeto Clima de Quebrada, uma iniciativa de educação ambiental na Brasilândia, bairro da zona Norte de São Paulo, que visa capacitar mais de 200 jovens e professores em mudanças climáticas, racismo ambiental e ações territoriais no CEU Paz (Centro Educacional Unificado). “Quando eu voltar da COP, a ideia é fortalecer o diálogo dos temas ambientais com a comunidade. Algo bem prático”, pontua a jovem.

Participe

Conheça essas e outras iniciativas para participar e se engajar na reportagem “De petições online ao voluntariado; da Mata Atlântica à Amazônia. Conheça causas para se engajar”, que integra o Mobilize-se da 7ª edição da Revista Casa Comum. 

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