Publicado em
13/05/2022
Eliane de Moura Martins*
Inicio a escrita deste artigo como se estivesse em um encontro presencial, desses que sentimos falta, porque neles também há abraços. Começo por dizer quem lhes escreve e por que, seguindo por uma observação sobre as reações comuns das vozes da classe trabalhadora nos últimos oito anos e, por fim, aponto alguns desafios sobre a decisão de retorno a nossa Casa Comum.
Quem lhes escreve é uma mulher de 48 anos, vinda do interior agrário do Rio Grande do Sul, de uma comunidade de poucos recursos materiais e grande em solidariedades. A Teologia da Libertação chegou nesse pedaço do Brasil profundo e tocou nossas almas. Desde lá, é toda uma vida de relações, maternidade, militância, lutas, de descansar jardinando, onde faz sentido a humanização e o equilíbrio com a natureza.
E por ser parte dessa caminhada herdada e honrada, estamos nos encontrando na primeira edição da Revista Casa Comum, para uma conversa inquieta desde nossas corresponsabilidades com as ações de resistência e dos rumos da estratégia do esperançar. Nessa inquietação, compartilho algumas observações repetidas nas vozes de uma multidão de pessoas que, historicamente, viveram uma situação de exploração, exclusão e violação.
Nos últimos anos, se repetem duas ideias: precisamos retomar o trabalho de base e a formação com organização política, em reuniões e atividades de espaços sindicais, partidários, eclesiais, pastorais, dos movimentos populares. Se precisamos retomar, é porque os tivemos e os deixamos. E por que os deixamos? As respostas em geral estão localizadas nos outros, institucionalizados, corrompidos, burocratizados e pouco no caráter da luta de classes.
Há três décadas, vivemos sob o capitalismo neoliberal, que tornou a crise um meio de prosseguir sua trajetória sem limitações, compensações, compromissos ou contrapartidas, sob seu rastro de destruições desta vida humana e ambiental. Esse meio mutila e comprime a vida no egoísmo social, organiza uma ordem de sofrimentos, adoecimentos e nos divide entre indivíduos fracassados e bem-sucedidos, enfraquece a solidariedade, as políticas públicas de redistribuição e as formas organizativas da classe trabalhadora.
Resulta em uma classe cindida, sob uma estrutura antidemocrática que assegura o desmonte dos espaços de negociação das regras da exploração e produtora de cerca de 70 milhões de pessoas, como excedente de força de trabalho, cuja gestão envolve a superexploração, o encarceramento em massas e a eliminação física, sobretudo da juventude negra. Tudo sob a mensagem de que a sobrevivência é um problema individual.
Esse mesmo modelo de mortes e infelicidades, impõe o desmantelar das leis e códigos que colocavam barreiras às explorações indiscriminadas e às devastações dos bens naturais e coletivos. Trata a natureza como uma força inimiga a ser “domada”, como ativos a serem explorados, não importando que tenha passado do ponto limite de sua regeneração. Por isso, se combinam os esforços em priorizarmos tanto o trabalho de organização e conscientização popular como o da criação das condições ecológicas para o regenerar de nossa casa comum.
Nesse sentido, observamos o nosso desafio de organização, consciência e força popular adequadas para resistirmos no “hoje” e esperançarmos o “amanhã”. Acolhemos o desafio de fazermos algo, as convocações do Papa Francisco, revisitamos o pensamento de Paulo Freire e, nisso, percebemos nossas contradições. Em geral, temos propostas, cartilhas e agendas prontas e parece só faltar pessoas e grupos organizados para levá-las em frente e, sem querer, alimentamos a lógica de fazer para o povo, o caminho do atraso ao retorno à Casa Comum, porque o trabalho com o povo é mais lento, sensível e passa pela superação das fragmentações da esquerda e o acerto do passo no rumo da estratégia política desse retorno.
Acertar esse passo implica em uma agenda de (re)conexões com o nosso povo e, possivelmente, isso passa por ações de solidariedade, como valor, e práticas que disputam a luta pela sobrevivência, como uma cultura política coletiva. A solidariedade abre uma porta inicial de encontro entre diferentes grupos humanos, com seus conhecimentos e experiências a serem sintonizados na metodologia da práxis, porque as ações são refletidas em como as fazemos, o que estão nos ensinando para atualizarmos o trabalho de base de caráter emancipador em nosso país.
O desafio de concebermos o trabalho de base como educação popular, feito por uma nova geração de pessoas e grupos preparados sob a cultura da política vivida não como privilégio, e sim como construção de formas de participação, de tomada de decisões em conjunto, de divisão de tarefas e corresponsabilidades, de avaliação e reflexão dos processos, ou seja, de uma práxis de poder popular.
Devemos conceber trabalho de base como educação popular, porque é ferramenta de des-silenciamentos do povo brasileiro, de enfrentamento da posição de espectador da política para a posição consciente da participação crítica e integral, como caminho sustentável para retornarmos à nossa Casa Comum. Esse retorno requer outras posturas e modos de vivermos em sociedade, em uma transição de combates à liberdade do lucro, da produção desenfreada de mercadorias, do descarte de coisas, pessoas e natureza.
A estratégia de retorno à Casa Comum é a reorganização da produção e da vida em sociedade, na qual o equilíbrio entre as reais necessidades humanas e as da natureza passam a ser o centro. Isso não significa propormos uma vida de escassez, significa lutarmos por uma vida sem alienações, sem falsas necessidades. Uma vida integral, com sentidos, em que a resistência alimenta a esperança, esse jardim que está em mim, em você, está em nós, germinado a mística da agrofloresta das transformações dessa caminhada encantadora em direção à nossa Casa Comum.
(*) Eliane de Moura Martins é graduada em História, com mestrado e doutorado em Sociologia, militante do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD)
Por Bruno Ferreira, jornalista, mestre em Ciências da Comunicação e especialista em Educomunicação
Publicado em
24/08/2022
Por Fabio Luis Barbosa dos Santos, professor da Unifesp, escritor e doutor em História Econômica pela USP.
Publicado em
24/08/2022
Por Bianca Pedrina, jornalista correspondente da Agência Mural de Jornalismo das Periferias
Publicado em
13/05/2022