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Publicado em

13/05/2022

[ artigo ] A periferia tem o rosto de uma mulher negra

Bianca Pedrina*

A periferia nasceu do ventre de uma mulher preta, que deu à luz, nutriu, amparou e cuidou de toda a comunidade. Mesmo sendo vista pelos de fora como o elo mais fraco, é a mão negra que sustenta a economia do cuidado e, apesar de marginalizada, impulsiona uma engrenagem econômica de poder.

Mulheres instaladas na base da pirâmide de direitos, mas que são suporte da estrutura que retira das mais pobres, para continuar perpetuando privilégios e mantendo riqueza. Mulheres expostas durante a pandemia para garantir a comida na mesa. Invisíveis pela cor da sua pele, mas imprescindíveis para o sistema que as explora.

Mulheres que são arrimo de família, que enfrentam, mesmo cansadas, a batalha diária de trabalhar fora e dentro de casa, sendo o segundo muitas vezes não reconhecido, e que chamamos de  economia do cuidado. Cozinhar, lavar, passar, amamentar, atividades que, entre várias outras, são invisíveis para a sociedade, mas são elas que garantem o crescimento da economia de qualquer país do mundo. Afinal, qualquer pessoa que produz riquezas teve alguém que garantiu seus cuidados da infância à fase adulta. Esse trabalho não visto equivale a pelo menos 11% do PIB (Produto Interno Brasileiro), que é a soma de todas as riquezas do país.

Os números comprovam que é ainda a mulher pobre, preta e favelada quem configura os piores índices de acesso ao básico. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), na pesquisa Síntese dos Indicadores Sociais (SIS), de 2019, um em cada quatro brasileiros era pobre. Mesmo esse número tendo caído nos últimos anos, as mulheres ainda são maioria (51,7%). Com o recorte de raça, as mulheres negras e pardas encontram-se mais vulneráveis, pois mesmo representando 28,7% da população, são as mais atingidas pela pobreza e representam 38,1% da população nessa situação.

Nas periferias, a falta de acesso regular aos alimentos, além da quantidade e qualidade insuficiente, tornou-se ainda mais comum nas casas no contexto pandêmico. Segundo levantamento feito pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), os mais pobres foram impactados pela alta dos preços dos alimentos em domicílios, energia elétrica, gás e medicamentos durante a crise sanitária e social. Em um ano, a inflação para famílias mais pobres chegou a 10,63%.

No cenário da pandemia, em que os números econômicos (como a alta dos preços dos alimentos) e sociais pioraram, ainda são as mulheres que seguiram sustentando e cuidando de alguém. Dados levantados pela Sempreviva Organização Feminista (SOF) e a Gênero e Número, veículo de jornalismo de dados, na pesquisa Sem Parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia, mostram que 50% das mulheres brasileiras passaram a cuidar de parentes nesse período em 2020.

Se, por um lado, tudo aponta para que as mulheres sejam o elo mais fraco, por outro, é delas que parte o movimento que é o retrato em muitas periferias brasileiras: o bom e velho “nós por nós”. Elas se uniram para distribuir cestas básicas e minimizar os impactos causados pela falta de dinheiro e alimento.

Um exemplo de organização liderada por mulheres é o Lar Maria e Sininha, associação sem fins lucrativos localizada no bairro Jardim Mata Virgem, extremo sul da capital paulista, que distribuiu cestas básicas para 80 famílias com um kit de alimentação e limpeza. Sem apoio do poder público, arrecadações e doações de pessoas físicas viabilizaram a ação.

Assim como o Quilombo da Parada, na zona norte da cidade de São Paulo, também coordenado por mulheres, se tornou ponto de apoio e acolhida a dezenas de famílias vizinhas do espaço, principalmente com a doação de cestas básicas.

Periferia é o lugar para onde vai quem está à margem de direitos. Uma geografia que define quem somos a partir de nossas vulnerabilidades e habilidades, advindas da sede de sobrevivência.

Sobreviver em meio a marcadores sociais tão perversos é também se mostrar frágil. Não somos super-heroínas. Cair em meio a tanta vulnerabilidade também compõe nossa trajetória. Nos chamam de guerreiras para justificar que o fardo continue sendo nosso. Sustentar a estrutura de opressão é pesado, mas falar de periferia é narrar a vida de quem aprende desde muito cedo o que é persistir para existir.

(*) Bianca Pedrina é jornalista graduada pela Unisant’Anna, atuou como correspondente da Agência Mural de Jornalismo das Periferias e com comunicação sindical. É cofundadora e gestora operacional do “Nós, mulheres da periferia”, redação jornalística de mulheres periféricas com olhar para temas importantes no Brasil e no mundo.

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