Publicado em
28/03/2024
Para se pensar a pauta socioambiental nas periferias urbanas, há que se planejar e realizar políticas em escala global e local, onde, de fato, o governo municipal pode incidir.
Por Tiaraju Pablo D’Andrea*
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Pensar a pauta socioambiental nas periferias urbanas é urgente. Para tanto, há que se planejar e realizar políticas em escala global e local, onde, de fato, o governo municipal pode incidir. Isso porque nem todas as tragédias socioambientais ocorridas nas grandes cidades são originárias desses lugares, ainda que a precária condição metropolitana tenda a agravar esses fenômenos.
Esse debate deve começar pela certeza de que, no Planeta Terra, está tudo conectado. Um exemplo: o aquecimento dos oceanos, juntamente ao desmatamento na Amazônia, produz o aquecimento da atmosfera, alterando diretamente os regimes de chuva. Como desdobramento, alguns locais viraram desertos, enquanto outros sofrem com tempestades cada vez mais violentas.
É nesse ponto que a desigualdade social potencializa desarranjos ambientais, uma vez que, em periferias urbanas e favelas, as enchentes mostram seu lado mais cruel. Esses territórios, compostos por pessoas pobres, em sua maioria negras, estão cada vez mais adensados, com maior densidade demográfica, casas sobrepostas e aumento de barracos no fundo dos vales ao lado de córregos.
Nas periferias de São Paulo, por exemplo, é urgente a criação de piscinões e parques lineares que possam dar conta da vazão da água em épocas chuvosas. Em paralelo, é necessária uma política habitacional séria que realoque famílias moradoras de beira de córregos para habitações com condições dignas.
Se, por um lado, há enchentes, em momentos de aumento da temperatura, são os territórios periféricos e as favelas os que mais sofrem. Nesses locais, há a conjunção de pouca quantidade de árvores por metro quadrado com padrões de urbanização onde o cimento e o vergalhão se impuseram. A resultante são as ilhas de calor.
As periferias e as favelas necessitam de parques e praças, áreas verdes onde se possa brincar e respirar. Vento e ar que ocupe as casas e seque as paredes mofadas onde não bate sol e, consequentemente, aumentam as chances de incidência de tuberculose, por exemplo.
Outro debate fundamental a ser feito se refere à produção alimentar. Hoje, essa produção é hegemonizada pelo agronegócio e por empresas transnacionais que produzem alimentos de má qualidade, com altos índices de gorduras e agrotóxicos. Do mercadinho ao bar da esquina, é nas periferias urbanas e favelas onde mais se consome esse tipo de alimento.
Não é à toa que, nesses territórios, há um alto índice de diabetes, pressão alta e infarto. Enfim, doenças de pobres. Doenças de pessoas que passaram 60 anos se alimentando mal, trabalhando duro horas a fio nas piores condições, perdendo horas no deslocamento casa-trabalho-casa e dormindo pouco.
Cabe aos governos municipais aprofundar políticas de compra de alimentos produzidos pelos assentamentos da reforma agrária e pelas hortas urbanas. Há que se construir programas públicos de financiamento dos assentamentos e das hortas, para que estas possam produzir alimentos orgânicos, sem pesticidas ou agrotóxicos. Os alimentos devem ser comprados por programas públicos para alimentar escolas e hospitais. O município também pode estimular a criação e a manutenção de postos de venda desses alimentos em periferias, comercializados a preços baratos e subsidiados para a população que mais precisa.
Essas políticas trariam, pelo menos, quatro benefícios: por um lado, diminuiria a força da cadeia econômica gerida pelos oligopólios do alimento; por outro, atacaria a ideologia de que somente os ricos e a classe média podem se alimentar com alimentos orgânicos; em terceiro plano, o mais importante dos benefícios: comendo bem e de forma saudável, a população mais pobre ganha em saúde e qualidade de vida. Por fim, a boa alimentação diminuiria o nível de adoecimento da população mais pobre, que passaria a onerar menos o sistema público de saúde. Cabe reforçar: a boa alimentação é política pública de saúde.
Se tudo está conectado, é necessário unir as lutas de populações ribeirinhas, povos originários, sem terras, quilombolas e moradores de periferias urbanas e favelas na pauta socioambiental contra a ação devastadora das grandes corporações capitalistas.
Do mesmo modo, periferias urbanas e favelas de distintas cidades devem sentir como suas quaisquer tragédias que atinjam pobres urbanos de qualquer localidade: da seca do Rio Negro na cidade de Manaus, no Amazonas, às enchentes no município de Nova Iguaçu, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Do avanço das mineradoras afetando a população da Serra em Belo Horizonte, em Minas Gerais, até a fumaça das queimadas que assola o pulmão dos moradores de Cuiabá, no Mato Grosso. Sem esquecer do afundamento de parte da cidade de Maceió, em Alagoas, também causado pelo capitalismo predador. Só a força organizativa desses territórios pode construir um futuro de paz e comunhão com o meio ambiente.
*Tiaraju Pablo D’Andrea é professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), coordenador do CEP (Centro de Estudos Periféricos) e membro do Programa de Pós-Graduação em Mudança Social e Participação Política (ProMusPP), da Universidade de São Paulo (USP). É formado em Sociologia, músico e morador da periferia Leste de São Paulo.
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