NOTÍCIAS >

Em Pauta

Publicado em

27/04/2022

Abril Indígena: lideranças denunciam aumento de 1.110% nas mortes indígenas

“Todas causadas por ação de garimpeiros”, afirma Centro de Documentação da CPT – Dom Tomás Balduino
Por Elvis Marques

Foto: Matheus Alves (@imatheusalves) / Reprodução APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

Em meio às mobilizações nacionais do Abril Indígena na 18ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília, a Cacica Francisca, 53 anos, relata, em áudio, um pouco da história da Terra Indígena (TI) Kariri, situada no município de Queimada Nova, a 560 quilômetros de Teresina, no Piauí. A fala da Cacica para a Revista Casa Comum é atravessada por  alguns fatores históricos que só uma liderança como ela pode conhecer.

Primeiro, a denominação “Cacica” em um universo que, em geral, o papel de líder dos povos indígenas é ocupado por homens, os caciques. Segundo, porque ela participou, neste ano, do ATL, que reuniu mais de 8 mil indígenas na capital federal, umas das maiores mobilizações indígenas da América Latina. E, por fim, Francisca vive na primeira terra indígena reconhecida pelo estado do Piauí.

Piauí e Rio Grande do Norte eram os únicos estados brasileiros sem o reconhecimento oficial de terras indígenas. A primeira demarcação só ocorreu no ano passado, em 19 de abril, quando é comemorado o Dia de Luta e Resistência dos Povos Indígenas. Apesar da demora no processo de reconhecimento do território, os povos indígenas desses estados nunca pararam de lutar pelo seu direito ao território. Segundo o governo estadual, existem pelo menos 5 etnias indígenas identificadas no Piauí: Tabajara, Tabajara Ipy, Tabajara Tapuio, Itamaraty, Kariri e Gamella.

“Nossos parentes estão enfrentando muitas dificuldades em suas terras indígenas, nós aqui da TI Kariri tivemos uma grande graça [com o reconhecimento da área], e o mesmo eu desejo para todos os indígenas do país, que tenham as suas terras regularizadas. Sabemos que mesmo tendo a documentação da terra indígena as perseguições são inúmeras, imagina as áreas que não têm”, analisa a Cacica Francisca.

A luta não termina na conquista do território

Foto: @oliverninja | @midianinja / Reprodução: APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

Demarcada há 30 anos, a TI Yanomami é a maior do país em termos de extensão territorial: possui 9,6 milhões de hectares, nos quais vivem os povos Yanomami e Ye’kwana. No território, há, ainda, pelo menos oito registros de povos em situação de isolamento, um deles já foi conhecido recentemente, o Moxihatëtëa.

É uma das TIs mais impactadas pelo garimpo ilegal, atividade que tem se expadindo a passos largos a partir de 2012, conforme análise da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que acaba de divulgar seu  relatório anual, Conflitos no Campo Brasil 2021.

Segundo a análise do Instituto SocioAmbiental (ISA) em texto publicado no relatório da Pastoral, dados da plataforma MapBiomas lançados em 2021 mediram a área ocupada pelo garimpo no Brasil entre 1985 e 2020, indicando que a exploração cresceu mais de seis vezes no período, foi de 31 mil hectares em 1985 para 206 mil hectares. 

À medida em que a atividade ilegal cresce, aumentam também as violências e violações de direitos humanos. Em 2020, o Centro de Documentação da CPT – Dom Tomás Balduino, registrou nove mortes em decorrência de conflitos no campo, a maior parte delas no estado do Amazonas, com seis casos. Já no último ano, o número aumentou para 109 nesta categoria, um aumento de 1.110% nas mortes indígenas. Desse total, 101 mortes foram de indígenas Yanomamis. “Todas causadas por ação de garimpeiros”, acrescenta a CPT.

O cenário é extremamente desfavorável para os povos indígenas, dado as posições do Governo Federal. Em outubro do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro (PL) visitou a região de garimpo ilegal na TI Raposa Serra do Sol, em Roraima. Na ocasião, usando um cocar, ele defendeu, novamente, os garimpeiros e o Projeto de Lei (PL) 191/2020. “Esse projeto não é impositivo. Se vocês quiserem plantar, vão plantar. Se vão garimpar, vão garimpar. Se quiserem fazer algumas barragens no vale do rio Cotingo, vão poder fazer.”

Em pauta na política: legislações atacam direitos indígenas

Foto: Matheus Alves (@imatheusalves) / Reprodução APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

Dois PLs têm estampado cartazes, camisetas, pinturas e falas dos povos indígenas e de organizações da sociedade civil. São eles: o PL 191/2020, de autoria do Executivo federal e em tramitação na Câmara dos Deputados, regulamenta a exploração da mineração e de recursos hídricos e orgânicos em reservas indígenas.

E o PL 490/2007, de autoria do deputado federal Homero Pereira (PR/MT), prevê a demarcação de áreas indígenas por meio de leis específicas. Na avaliação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), se aprovado, o projeto vai inviabilizar as demarcações, permitir a anulação de TIs e escancará-las a empreendimentos predatórios, como garimpo, estradas e grandes hidrelétricas.

“Todos esses PLs tratam de violações contra os nossos territórios, que são sagrados. Por isso eu vejo uma importância enorme”, avalia Elisa Pankararu, de Pernambuco. O secretário executivo do Cimi, Eduardo de Oliveira, avalia que o atual governo federal “se coloca sistematicamente contra os povos indígenas”, análise que dialoga com o relatório da CPT.O documento final do ATL, realizado entre os dias 4 e 14 de abril, destaca, ao citar os PLs acima e outros vários, que no Congresso Nacional, o atual presidente e sua base de sustentação no governo, maioritariamente ruralista e evangélica, defendem uma série de iniciativas legislativas que “representam retrocessos aos povos indígenas brasileiros.”

Foto: Renan Khisetje (@renankhisetje) / Reprodução APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

Para ler:

  • O jornal impresso Porantim foi criado pelo Cimi em 1979. A histórica publicação na língua de nação indígena Sataré-Mawé significa remo, arma, memória.
    >>Acesse todas as edições
  • Outra série histórica de publicações é Povos Indígenas no Brasil, que começou a ser publicada em 1980 pelo Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi).
    >> Veja os exemplares

Para ver:

  • Aprecie as imagens dos povos indígenas registradas pela fotógrafa Ana Mendes, baseada na região amazônica.
    >> Veja já
  • Edgar Kanaykõ é indígena da etnia Xakriabá, de Minas Gerais, além de ser um fotógrafo pautado pelos registros de seu povo e parentes.
    >> Confira seu trabalho
  • Com o celular em mãos, Samela Awiá mostra, aos seus 56 mil seguidores no Instagram, o seu trabalho como  artesã, ativista, apresentadora, colunista ou comunicadora. Acompanhe a Samela.

Para ouvir:

  • O podcast Amazônia Indígena, realizado pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), apresenta notícias sobre as movimentações dos povos da floresta amazônica.
    >> Confira
  • No episódio 155 do podcast Guilhotina, do Le Monde Diplomatique, Bianca Pyl e Luís Brasilino conversam com o historiador Yussef Campos, autor, juntamente com Ailton Krenak, do livro Lugares de origem.
    >> Ouça esse diálogo

Destaques:

::. Na Revista Casa Comum, acesse as editorias Radar e Conhecimento e confira outras curadoras de conteúdos para Ler, Ver e Ouvir.

::. Leia também a reportagem especial: Resistir e esperançar – o desafio por direitos no Brasil de 2022

Outros conteúdos:

Povos de Resistência

Retrato Brasil da 1ª edição da Revista Casa Comum – Por Andressa Cruz Zumpano

Publicado em

17/05/2022

Terras Indígenas e direitos dos povos originários

Ativistas e representantes de OSCs acusam Governo de promover o “Pacote de destruição ambiental”

Publicado em

24/08/2022

Abril Indígena: lideranças denunciam aumento de 1.110% nas mortes indígenas

“Todas causadas por ação de garimpeiros”, afirma Centro de Documentação da CPT, em 2021

Publicado em

27/04/2022

Inscreva-se


Botão do whatsapp

Entre para nossa comunidade!