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Publicado em

21/06/2024

Cidades vivas: a cultura como expressão do bem comum

Especialista ressalta que é pela cultura que a cidade cria significado e pertencimento, mostra sua história e identidade.

Por Isadora Morena

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Foto: José Cruz/Agência Brasil

“É tudo!”. É dessa forma enfática que Inti Queiroz, artista, produtora, pesquisadora e militante da cultura, responde sobre o que é cultura e sua importância para o Bem Viver nas cidades. Segundo ela, “é por meio da cultura que a gente vive, se posiciona, se manifesta, somos humanos, e somos alguém no mundo”.

Inti Queiroz. Foto: Arquivo pessoal

Segundo a “fazedora”, como ela mesmo se intitula, a cultura não está só nas produções artísticas em suas diversas linguagens, mas nas práticas cotidianas, individuais e coletivas, que constroem as nossas identidades. Portanto, cultura é também “a dona Maria lavando roupa, ali na pedra, no lago do lado da casa dela”, exemplifica.

Assim, ela explica que a cultura também pode estar ligada a ações e pensamentos negativos, nocivos à sociedade, como é o caso da cultura do estupro ou da cultura racista. “Precisamos fomentar e regar a plantinha daquela cultura que nos faz feliz, que traz uma identidade que nos dê força para continuar nossa labuta, que nos permita melhorar o mundo”, defende.

Para regar a plantinha que promove o bem comum, é essencial não só compreender a cultura como um direito humano, mas que políticas públicas sólidas cheguem na ponta: nos municípios, bairros e distritos. 

Esse representa um desafio enorme para um país continental, desigual e diverso como o Brasil, em que boa parte das cidades sequer têm uma pasta específica para o setor.

O Sistema Nacional de Cultura

É para driblar essa questão que o governo federal tenta implementar o Sistema Nacional de Cultura (SNC), um modelo de gestão e promoção das políticas públicas de cultura democráticas e permanentes, que prevê a ação conjunta entre os entes da Federação – União, Estados, DF e municípios – e a sociedade.

O SNC foi pensado para funcionar em um processo similar ao Sistema Único de Saúde (SUS), com um regime colaborativo, descentralizado e participativo. O “SUS da Cultura”, como vem sendo chamado popularmente, tem por objetivo “promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais”, como afirma a lei que o decreta. 

Previsto desde 1991 com a criação da Lei Rouanet, grande marco da política cultural nacional, o SNC foi instituído apenas em 2012 por meio da Emenda Constitucional nº 71, que acresce à Constituição Federal o Art. 216-A. Esse artigo prevê que os entes federados organizem seus respectivos sistemas de cultura a partir de leis próprias.

Para criação dos sistemas de cultura municipais e estaduais são necessários: 

– a criação de uma secretaria de cultura ou órgão equivalente; 
– a criação de um conselho de política cultural; 
– conferências de cultura; 
– a elaboração de um plano de cultura; 
– um sistema de financiamento à cultura com existência obrigatória de um fundo de cultura.

Em 2021, conforme dados da Secretaria de Economia Criativa e Diversidade Cultural, 85,6% dos municípios brasileiros já tinham publicado o Acordo de Cooperação Federativa para desenvolvimento do Sistema Nacional de Cultura, mas apenas 23,2% tinham criado lei para elaboração do Sistema Municipal de Cultura.

Fonte: Secretaria de Economia Criativa e Diversidade Cultural

Esse ano, todos os estados e municípios que pleitearam verba da Lei Paulo Gustavo – outro marco da política nacional de cultura, criada durante a pandemia e regulamentada em 2023 – têm até 11 de julho para implementar seus sistemas locais de cultura.

Desafios políticos

Segundo Inti, até o momento há um baixo número de prefeituras que conseguiram implantar o sistema. “Uma coisa é fazer adesão ao sistema, mas implantar é outra. No estado de São Paulo, dá para contar nos dedos. Nós temos um verdadeiro problema político”.

Ela explica que estados e municípios têm autonomia para aderir ou não ao SNC, mas a partir do momento que assinam o termo de compromisso da Lei Paulo Gustavo, os entes federativos obrigatoriamente devem implantar o sistema local de cultura.

“Esses secretários assinaram com seus CPFs, inclusive. Eles podem responder judicialmente como pessoa física, não só como secretários e secretárias, não só como poder público. Não é condicionante a nada, mas é obrigatório”, explica Inti.

A efetivação dos sistemas locais de cultura implica, como afirma a lei, na criação e execução de planos e fundos de cultura, que também são grandes questões para as cidades.

Em 2015, quando Inti iniciou sua pesquisa de doutorado sobre o SNC, “não existiam nem 200 planos aprovados em lei ainda. Então, é um número muito pequeno, se a gente for pensar na totalidade dos municípios brasileiros”, que totalizam 5.570 cidades. 

Segundo ela, os números seguem baixos porque muitos lugares têm planos que são mencionados em lei, mas que não existem de fato. “Entre os planos que analisei, alguns eram maravilhosos, mas era um ‘plano-sonho’, porque aquilo nunca vai ser efetivado numa cidade que não tem orçamento”, lamenta.

A pesquisadora afirma, portanto, que um dos maiores entraves é a compreensão do que é um fundo. “Não há coerência entre o que é planejado para a cultura e o que se tem de recurso. As pessoas não entendem quais são as fontes e de onde vamos buscar dinheiro. E toda a efetivação da política depende da existência e funcionamento dos fundos”.

“Nós precisamos fazer fundos, mas também necessitamos da ajuda do Ministério da Cultura, junto com o Ministério da Economia, para pensar esses fundos. Nós somos  artistas, produtores, técnicos de som, dançarinos e dançarinas, guitarristas. Não somos contadores ou economistas”, destaca Inti.

Além da dificuldade de implementação dos sistemas locais, Inti Queiroz elenca ainda outros desafios na construção do SNC: “Com a legislação que nós temos do Pacto Federativo, como vamos garantir o bom uso do recurso? Qual é exatamente o bom uso do recurso nos mais de 5.500 municípios do Brasil, que têm demandas diferentes? E um terceiro ponto: com a mudança de governo e de prefeito[a], como vamos garantir que de uma gestão para outra, de um PPA [Plano Plurianual] para outro, se mantenha o que está prescrito?”, reflete. 

Conquistas históricas

Apesar de todos os obstáculos e desafios  para que a cultura esteja em todos os lugares, promovendo cidades vivas, Inti não deixa de comemorar os avanços e reafirmar o contexto atual como histórico para o país.

“Esse é o momento que nós esperamos por anos. Estamos com o nosso Sistema Nacional de Cultura regulamentado, com uma lei permanente de fomento à cultura aprovada, que é a PNAB [Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura], e acabamos de aprovar o nosso marco regulatório do fomento [Marco Regulatório do Fomento à Cultura] que é outra lei maravilhosa”, celebra.

Exemplos de sucesso

No cenário municipal, Inti destaca que existem políticas públicas exitosas na cidade de São Paulo que podem servir de exemplo para outras localidades, como é o caso do Programa VAI, o Programa para a Valorização de Iniciativas Culturais, que já está em sua 21ª edição.

A política apoia financeiramente, por meio de subsídio, atividades artístico-culturais, principalmente de jovens de baixa renda e de regiões do município desprovidas de recursos e equipamentos culturais.

“O maior sucesso desse Programa, e que muitas pesquisas, inclusive, já avaliaram, é que ele foi responsável pela consolidação, estabelecimento e fortalecimento das culturas periféricas da cidade de São Paulo, principalmente o hip-hop“, celebra. 

“Depois dele ainda veio a Lei de Fomento à Cultura das Periferias que é uma lei criada pelos próprios movimentos culturais periféricos. Então, o Programa VAI acaba levando a essa segunda proposta, que vem a partir de 2016 e que está aí até hoje, contemplando projetos e consolidando iniciativas ainda maiores”, completa.

Inti ressalta a importância dessas ações, já que “é pela cultura produzida pelas pessoas que a cidade cria significado, pertencimento, mostra suas cores, sabores, sua história, seus povos, sua identidade”.

Saiba mais

Para entender melhor o SNC, acesse.

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