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Publicado em

17/05/2023

Dia de Luta contra a Homofobia: “Um dia caminharemos em união”, deseja Ruth Venceremos

A Revista Casa Comum conversou com a artista drag queen que obteve mais de 31 mil votos para deputada federal em Brasília. Esperança a faz caminhar.

Por Elvis Marques

Lançamento da candidatura de Ruth Venceremos no Acampamento 8 de Março, Planaltina, 2022. 

Planalto central, sede dos três poderes da República, Executivo, Legislativo e Judiciário, onde obras do importante arquiteto nacional, Oscar Niemeyer, constaram com as árvores retorcidas do Cerrado, avenidas largas, quadras e superquadras que remetem o desenho da cidade em um avião. 

Lugar criado para os veículos, de clima seco e vento forte. Brasília, no Distrito Federal, apesar de abrigar a “Casa do Povo”, com representantes de todos os entes federativos no Congresso, vê realmente o rosto da diversidade do povo brasileiro quando esses lotam as ruas em manifestação.

É neste território que uma bicha preta, sem terra, nordestina, educadora popular, pedagoga, artista drag queen, ativista de direitos humanos e petista desenvolve a sua arte, faz a sua voz ecoar e dá vida à Ruth Venceremos. Os adjetivos anteriores são alguns dos quais Ruth ou Erivan Hilário dos Santos, nascido em 19 de agosto de 1984, se identifica.

Ruth nasceu no município de Belém de São Francisco, situado a 450 quilômetros da capital pernambucana do Recife. A cidade integra a Bacia do Rio São Francisco, e o clima do semiárido não difere tanto com o da capital federal. Nesta região, começou a trajetória de uma criança formada nos assentamentos sem terra. “Fui forjada como lutadora. Não conheço outra realidade”, enfatiza. 

Integrante de uma família de 14 irmãos e irmãs, Ruth começou a trabalhar logo cedo, aos 10 anos, para ajudar na alimentação dos seus, uma vez que a fome batia à porta. Ela viu e ajudou a sua família a conquistar um pedacinho de chão no assentamento Santa Maria da Boa Vista, fruto das reivindicações por reforma agrária.

Sexualidade

Com 14 anos, vestiu-se pela primeira vez com roupas femininas, em virtude de uma apresentação teatral sobre HIV. Mesmo estando em um espaço plural como o Movimento dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), Ruth sentiu na pele a dor do preconceito, mas isso não a parou. A arte e a educação sempre foram ferramentas importantes na luta contra a LGBTfobia, data celebrada neste dia 17 de maio.

“A transfobia, a lesbofobia, a homofobia, e todas as formas de opressão para além dessas, que hoje chamamos de LGBTfobia, mata, interrompe vidas, potências. Sobretudo das pessoas pretas e pobres. Nós precisamos erguer na sociedade como um todo uma agenda permanente de combate às violências, mas também de celebração das nossas potências, saberes e culturas”, explica Ruth.

A ativista se formou em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), fez mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e já dirigiu a Escola Nacional Florestan Fernandes, referência em formação pedagógica e política, fundada e mantida pelo MST. Essas e múltiplas outras conquistas são resultado do trabalho coletivo do qual Ruth pertence, como ela mesmo gosta de apontar.

“É claro que sendo quem sou, minha presença pessoal diz muito. Além da representatividade, acredito que ocupar os espaços que ocupamos é sempre pedagógico para levarmos as mensagens que temos em nós.”

Violência contra a comunidade LGBTQIA+

– O último relatório anual da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) mostra que, pelo 14º ano consecutivo, o Brasil é o país com maior número total de homicídios de pessoas travestis e transexuais. Em 2022, 131 foram mortos, tendo a maioria das vítimas entre 18 e 29 anos;

– O Brasil também continua a liderar outro ranking, o dos países que mais matam pessoas LGBTQIA+. Segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB), pelo menos, 256 lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros foram mortos em 2022. Ainda conforme o GGB, ocorreram 242 homicídios e 14 suicídios ao longo do ano passado, ou seja, uma morte a cada 34 horas.

Vida pública

36.800 pessoas acompanham o cotidiano de Ruth Venceremos pelo Instagram. 4.423 seguidores leêm suas postagens no Twitter. No TikTok são mais de 16 mil seguidores e meio milhão de curtidas em seus conteúdos, e os seus vídeos no canal no Youtube têm mais de mil inscritos. Ainda falando de números, a pedagoga recebeu, nas eleições de 2022, 31.538 votos para deputada federal pelo Distrito Federal, o que a deixou na primeira suplência do PT.

São números que não são só números (com o perdão da redundância). É muito suor, luta, trabalho, apoio e força que levaram Ruth até a propaganda eleitoral veiculada em milhares de lares brasilienses, que a colocou em evidência em reportagens de portais e de canais de TV. A candidatura de Ruth foi uma confluência de projetos de vida com o político. “Foi um momento importante para mostrar o Erivan Hilário dos Santos e a Ruth Venceremos como uma unidade que é artística e política ao mesmo tempo”, explica ela.

E assim como outros caminhos trilhados por Ruth, neste ela também esteve com muitas pessoas amadas e companheiras de movimento social. “Esses mais de 31 mil votos nos deram muita alegria, confiança nas propostas e no diálogo que estabelecemos por todo o DF, e me deram, pessoalmente, uma profunda esperança em candidaturas semelhantes à minha. Ver pessoas muito diversas declarando voto em uma bicha preta, de peruca e salto alto, que luta por justiça social, terra, pão, paz, e trabalho, fortaleceu a mim e a todas as pessoas envolvidas nesse processo, que não acabou com as eleições de 2022, porque não se resume a mim ou a um cargo político.”

Após as eleições, Ruth foi convidada pelo ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Paulo Pimenta, para ocupar a assessoria de participação social e diversidade, cargo que ocupou até março deste ano. A pedagoga deixou o Palácio do Planalto para continuar a somar forças às entidades, colegiados e movimentos sociais que têm agendas intensas para o próximo período. “São trabalhos que fazem uma coalizão ampla e profundamente sustentada nas bases da nossa sociedade”, justificou.

Seja Ruth candidata novamente ou não, ela entende que esse processo político é de constante diálogo, construção social e coletiva, no campo e na cidade.

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Passado e futuro

“Senti medo por mim, por minhas amigas trans e travestis, por minhas amigas drag queens, por minhas companheiras lésbicas. Enfim, por toda a comunidade LGBTQIA +. Mas o medo logo se transformou em matéria-prima de luta. É assim que nossa comunidade vive. Não seria diferente durante o período nefasto que vivemos de 2019 até o fim de 2022”, manifesta Ruth, ao se lembrar dos últimos anos, de intensos ataques ao regime democratico e o enfraquecimento dos direitos humanos no Brasil. 

Neste Dia Internacional de Luta contra a Homofobia, Ruth confia na chegada de um dia em que nós, humanos, caminharemos em união, a despeito de todas as nossas diferenças. Pode demorar, mas essa certeza me faz caminhar. 

“Nosso país é profundamente violento e intolerante, machista e racista. Então, o 17 de maio sempre será importante. Até que um dia, num futuro mais ideal, deixe de ser uma data de luta e seja uma data para se lembrar”, deseja Ruth.

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