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Publicado em

23/11/2023

Educação para a conversão ecológica: como educar no contexto atual?

A educação ambiental tem papel fundamental e precisa transmitir valores colaborativos, escutando o que as novas gerações têm a dizer.

Por Isadora Morena

Na encíclica Laudato si’, o Papa Francisco faz um chamado pela conversão ecológica, definida pelo Movimento Laudato si’ como “o processo de reconhecer nossa contribuição à crise social e ecológica e agir para cultivar a comunhão: curando e renovando nossa Casa Comum.” Para atingirmos esse estado de conversão, essencial para a continuidade da vida na Terra, a educação se faz fundamental.

Segundo o Papa, em seu Pacto Educativo Global, “todas as mudanças precisam de um caminho educativo para fazer amadurecer uma nova solidariedade universal e uma sociedade mais acolhedora.

Esse processo educativo não se realiza apenas no ambiente escolar, na chamada educação formal. Breno Herrera, educador ambiental e gerente regional do Instituto Chico Mendes, destaca que a educação ambiental “também deve ser processada em ambientes coletivos como instituições religiosas, conselhos de políticas públicas e reuniões comunitárias.”

Breno, que também é professor do Instituto Teológico Franciscano (ITF), em Petrópolis (RJ), e leigo na comunidade católica dos Manos da Terna Solidão (Matersol), acredita que a educação ambiental deve ser trabalhada sob a ótica do educador Paulo Freire, “que interpreta a educação como um processo político-pedagógico que visa a transformação da sociedade”, explica.

Além disso, em sua visão, essa educação precisa também ter uma perspectiva franciscana, ou seja, seguir os saberes e a prática tanto do santo Francisco de Assis, quanto do Papa Francisco. Segundo ele, esses três pensadores trazem em comum a necessidade do envolvimento comunitário.

Para Breno, “nós temos que caminhar rumo à cooperação comunitária, pois não resolveremos o problema ecológico com cada um fazendo a sua parte”. Nesse sentido, o educador defende que a educação ambiental vá além da conversão pessoal, da mudança dos nossos hábitos individuais, como usar menos recursos, reduzir, reciclar, cuidar da separação do nosso lixo doméstico etc., e avance para o sentido da conversão comunitária, a conversão social, ou seja, da transformação a partir da vida política em comunidade.

Como exemplo, o educador estimula que as pessoas se organizem nos seus bairros ou ocupem conselhos de políticas públicas locais. E, para que todas e todos possam atuar como cidadãs e cidadãos conscientes do seu impacto coletivo, defende um novo posicionamento das instituições de ensino.

A educação têm, portanto, a grande tarefa de trazer reflexões e práticas que visem a uma mudança uma mudança da compreensão da vida em sociedade, saindo do viés da competição, do individualismo exacerbado, do consumo intenso, que é a lógica do capitalismo, para a via da cooperação, da integração e da solidariedade, que é a lógica da ecologia.

Foto: Arquivo pessoal

Seguindo esse ideal colaborativo, a psicanalista Carmen Silveira de Oliveira, consultora internacional em direitos de crianças e adolescentes, aponta para a importância das pessoas encontrarem também uma forma de conexão com os animais e com as plantas.

Carmen traz o pensamento da antropóloga e bióloga americana Donna Haraway que fala em formar parentesco, “que é justamente esta ideia bem ameríndia de que parentes são todos os que habitam aquele ambiente. Não necessariamente partindo de uma filiação biológica ou de uma filiação restrita a uma determinada espécie”. Para a psicanalista, “isso é um aprendizado importante que esta crise climática está nos trazendo, de nos levar a uma outra forma de produção do nosso humano.”

Sob o aspecto pedagógico, Carmen defende que, muito mais do que ensinar as crianças e adolescentes sobre as questões ambientais, é preciso ouvi-los. Como exemplo, ela apresenta uma pesquisa feita pelo Comitê de Direitos Ambientais da Criança na Organização das Nações Unidas (ONU), em 2022.

O formulário foi respondido por crianças de 103 países e traz duas sinalizações importantes que chamaram bastante a atenção de Carmen: “uma é de que as crianças e adolescentes reconhecem a crise climática. 88% dos meninos e das meninas que responderam esses questionários veem as mudanças climáticas como uma ameaça para o seu futuro. Ou seja, elas identificam esse risco.”

A segunda sinalização importante é a de que “eles e elas reconhecem a desigualdade desse risco, ou seja, a justiça ambiental, o racismo ambiental. Mais de dois terços dos respondentes da pesquisa reconhecem que o impacto será desigual entre as pessoas. E de que vai afetar especialmente os que vivem já em áreas vulneráveis ou aqueles que dependem diretamente da natureza.”

Carmen afirma que, a partir dessa realidade que está posta, o mais importante, no momento, é perceber como as crianças estão produzindo sentidos. É portanto, segundo ela, “mais uma escuta desses significados que estão sendo dados para as crianças”. Para isso, “a educação ambiental seguramente vai precisar ser revisada, não só, digamos, sobre os temas, sobre as atualizações de informações necessárias, como também no próprio formato”, diz a psicanalista.

Para ela, reconhecer a gravidade da situação climática não é entrar numa lógica catastrófica. “Tanto o negacionismo quanto o catastrofismo, do ponto de vista psicológico, nos levam a uma falta de ação sobre a situação. O fato é que o jogo não acabou, não tem game over agora. Então é hora de que a gente também, diante do que já está acontecendo, produza algumas diferenças”, ressalta Carmen.

De acordo com a psicanalista, “temos uma tarefa comum que é ‘precisamos ficar com o problema’, como diz a antropóloga Donna Haraway. Ou seja, não negar o problema, não adiar, mas precisamos ficar com este desafio. E suscitar respostas potentes.” Segundo Carmen, essas respostas além de materiais, políticas, também são da ordem subjetiva, pois “nós precisamos dar também algum tipo de acolhimento ao sofrimento psíquico que está inerente a esse processo.”

Com tom de esperança, Carmen acredita que a humanidade será capaz de promover uma intervenção possível, porque estão todas e todos aprendendo a como lidar com isso. “Acho que uma grande oportunidade que temos com esta situação dramática que se apresenta é o reconhecimento de que nós precisamos uns dos outros em colaboração”, pontua.

Foto: Arquivo pessoal

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