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Papo reto

Publicado em

13/06/2023

Enquanto direito humano, o acesso a dados e informações tem vínculo estreito com a garantia de direitos

Em entrevista a Revista Casa Comum, Fernanda Campagnucci, diretora executiva da Open Knowledge Brasil, comenta sobre como a transparência e fácil acesso a dados públicos tornam possível a democracia

Segundo o Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, “Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.” 

Já a Constituição Federal brasileira traz, no inciso XXXIII do seu art. 5º, que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.” 

Não resta dúvidas, portanto, que o acesso à informação corresponde a um direito fundamental, com sua importância reconhecida nacional e internacionalmente. Qual é a relação, entretanto, entre dados abertos e participação social? Qual é o papel da transparência em uma sociedade democrática? Como a sociedade civil, com acesso a informações de qualidade, pode interferir nas políticas públicas

Para compreender mais a fundo como a pauta de direitos e o acesso a dados se relacionam, a Revista Casa Comum conversou com Fernanda Campagnucci, diretora executiva da Open Knowledge Brasil, que aponta a transparência e o acesso à informação como aspectos que tornam possível a democracia.

Confira:

Revista Casa Comum: De que forma o acesso a dados abertos e informações confiáveis e de qualidade se relaciona com a pauta do acesso a direitos? Existe uma relação direta entre ‘menos dados abertos, menos possibilidade de acesso a direitos’? 

Fernanda: Ao mesmo tempo em que o acesso à informação é um direito fundamental em si, ele ajuda a acessar outros direitos e permite que as pessoas não só conheçam informações sobre como realmente acessar o direito à educação, a saúde, a moradia, como que conheçam dados para avaliar a efetividade e a qualidade das políticas públicas. Nesse sentido, é um direito transversal e fundamental para a plenitude da cidadania.

Revista Casa Comum: Qual seria, então, um exemplo dessa relação entre acesso a dados e informações e acesso a direitos? 

Fernanda: Se você pensar que há, por exemplo, uma fila de um programa de moradia de habitação popular que não é transparente, as pessoas podem estar sendo privadas do seu direito. Se tiver uma situação de corrupção e desvio de recursos, a pessoa será afetada porque ela não está, nesse momento, com acesso à informação. Tem muitos casos em que descobrimos que um direito não está sendo plenamente atendido porque conseguimos nos debruçar sobre os dados daquela política pública. 

Importante dizer que existem várias formas de acessar a informação. Há, por exemplo, os microdados da saúde e da educação que são registros muito detalhados em formato de dados abertos que permitem que pesquisadores e profissionais que manejam dados possam compreender, de forma mais aprofundada, como uma política está sendo executada e, com isso, verificar eventuais desigualdades, como de raça, cor, gênero, de região, e, às vezes, dentro de uma mesma escola. Embora não seja qualquer pessoa que consegue manejar uma base de dados de milhões de linhas, esse detalhamento é fundamental para compreender se o Estado está cumprindo com o seu dever de garantidor de direitos. 

Revista Casa Comum: O que é importante ter em mente quando o assunto é acesso à informação? 

Fernanda: Existem duas dimensões muito importantes nesse tema. Por um lado, a  transparência, ou seja, informações amigáveis para que as pessoas possam compreender como acessar os seus direitos. Por outro, a divulgação de dados de qualidade e informações detalhadas também é importante para democratizar o acesso. São políticas que devem acontecer em paralelo, de forma concomitante.

O QUE SÃO DADOS ABERTOS?

Fernanda explica que a expressão dados abertos não significa somente publicar dados, mas um processo que envolve uma série de conjuntos técnicos que determinam esse formato. 

“Quando se fala sobre dados abertos, estamos falando de algo mais específico, é sobre um padrão, um conjunto de princípios reconhecidos internacionalmente, que determinam se uma base de dados está no formato adequado para favorecer o seu uso, sua disseminação e seu consumo. Isso significa que ela deve estar em formato estruturado, legível por máquinas e com uma licença livre, que determina que as pessoas podem utilizar sem ter que pedir autorização.” 

Revista Casa Comum: A Open Knowledge Brasil vem investindo em funcionalidades que facilitam o acesso a informações públicas, como a ferramenta Querido Diário, lançada em 2021 para reunir os diários oficiais de municípios brasileiros. O que está por trás da crença de que esse acesso mais facilitado a esse tipo de informação possibilita mais participação social? 

Fernanda: O Querido Diário é um bom exemplo dessas duas dimensões da transparência: facilitar o acesso à informação e disponibilizar dados de qualidade em formato aberto. 

A ferramenta parte de um princípio de que as informações sobre as cidades e sobre suas políticas são difíceis de acessar, porque ainda temos uma política pouco desenvolvida de portais de transparência nos municípios. Quanto menor o município, mais difícil é encontrar informação. Então a única fonte confiável é o Diário Oficial, que deve publicar tudo da vida política da cidade. Entretanto, eles são muito inacessíveis, tanto pelo formato, quanto pela linguagem. Então o Querido Diário transforma um PDF fechado em um formato aberto, seguindo os princípios de dados abertos, o que permite que, de uma vez só, se consiga buscar e identificar informações em todos os 69 municípios que já estão na plataforma.

Revista Casa Comum: De que forma o Querido Diário pode ser utilizado? 

Fernanda: Temos dois tipos de aplicação. Uma delas, que está para ser lançada, é o Diário do Clima, com um filtro de tudo que é relacionado ao meio ambiente. E tem também o Tecnologias na Educação, uma forma de monitorar tudo que as prefeituras estão fazendo para adotar tecnologia nos municípios. Quem acompanha educação, acompanha muito o Ministério da Educação e os programas federais, mas a política que acontece no dia a dia nas redes municipais fica um pouco invisível para a população em geral. A ideia é facilitar esse acesso.

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Revista Casa Comum: Por que esse tipo de ferramenta é importante para incentivar o controle social e o monitoramento de políticas públicas, bem como combater a desinformação, um desafio tão presente no Brasil principalmente nos últimos anos? Como isso pode se reverter em mais participação?  

Fernanda: A Digital Public Goods Alliance e o PNUD [Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento] fizeram uma chamada de soluções de código aberto que ajudam no combate à desinformação no mundo todo e o Querido Diário foi reconhecido, durante o Nobel Prize Summit 2023, realizado em maio nos Estados Unidos. 

Há outras soluções de tecnologia que ajudam a identificar robôs ou a encontrar informações falsas, mas o Querido Diário foca em outro aspecto da desinformação, que é o acesso a informações de qualidade. Para combater a desinformação, precisamos de uma abordagem multifatorial e melhorar a acessibilidade da informação pública certamente é uma delas. Além disso, ele ganha destaque pelo fato dele ser colaborativo. Há universidades colaborando, voluntários e é código aberto, então as pessoas podem ajudar a desenvolver. 

Tudo isso pode se reverter em mais participação, pois é importante reconhecer que existe essa nova forma de participação no ambiente digital que é ajudar a construir as plataformas e ferramentas. Temos que passar da ideia de sermos meros usuários de dados e das plataformas fechadas, e passarmos a ser também construtores dessas plataformas e de tecnologia. O primeiro aspecto, então, é compreender que participação digital é uma forma de participação. Mas, além disso, há todo o campo da sociedade civil, de pesquisa e jornalistas que podem se engajar mais em discussões públicas locais se tiverem mais acesso à informação.

Revista Casa Comum: Iniciativas como o Índice de Dados Abertos para Cidades 2023 têm a chance de incentivar tanto o acesso a dados por parte da população, como o aprimoramento por parte do poder público na disponibilização e abertura das informações? Qual é a importância desse processo a nível municipal, considerando que o Brasil ainda não tem uma política nacional de dados abertos? 

Fernanda: Em um sistema federativo como o nosso, a União tem esse papel de articular as políticas, como faz com educação e saúde, por exemplo. Com a transparência também deveria ser feito, mas políticas de acesso à informação ainda são muito incipientes. Na falta de legislação, a sociedade civil precisa levantar informação e fazer diagnósticos, como a Open Knowledge Brasil fez durante a pandemia. 

O Ministério da Saúde se absteve de desempenhar esse papel de dizer aos municípios e estados aquilo que deveriam publicar e termo de informação. Nós, então, criamos o Índice de Transparência da Covid-19 para ajudar os gestores locais a entender que tipo de informação seria importante disponibilizar, e isso foi fundamental. Compilamos toda essa experiência no e-book Emergência dos Dados.

Revista Casa Comum: Há a possibilidade de replicar a experiência a outras áreas? 

Fernanda: Sim, pretendemos levar essa experiência que foi tão importante na saúde para as outras áreas de políticas públicas nas cidades. Serão 15 áreas, como infraestrutura urbana, administração pública, habitação, esporte, cultura, e outras, além de uma área que é a própria governança de dados. Vamos avaliar se a cidade conta com um portal de dados abertos, se tem legislação local e se protege os dados pessoais. Será uma primeira “fotografia em alta resolução”, digamos assim, da situação dos dados abertos nas capitais brasileiras. 

A metodologia vai estar disponível para a sociedade civil fazer esse mesmo processo em outras cidades. Além de ser um diagnóstico inédito de todos esses temas de política pública, vai ser muito importante para pautar o debate nas eleições municipais do ano que vem sobre a importância da abertura de dados e de transparência, com a sociedade podendo dizer exatamente quais áreas precisam melhorar e quais bases de dados precisam ser abertas, e não ficar só uma discussão genérica sobre transparência.

Revista Casa Comum: Você avalia que ainda faltam iniciativas “formativas” para que a população esteja cada vez mais capacitada para saber acessar e “ler” dados? E, nesse sentido, as ferramentas e funcionalidades da Open Knowledge contribuem para esse cenário? 

Fernanda: Certamente faltam experiências formativas. A própria educação básica deveria nos capacitar e nos dar instrumentos para ler e compreender gráficos, a produzir informação a partir de tabelas, ou seja, ler o mundo dos dados. Então, fortalecer a educação básica pode fazer bastante diferença. 

Além disso, também vemos a importância de iniciativas de educação popular e da própria sociedade civil. Temos um programa, a Escola de Dados, que já formou mais de 20 mil pessoas de todos os setores, inclusive do poder público, ao longo dos últimos oito anos. Se por um lado ainda faltam dados de muitas áreas, por outro já temos muitos dados que podem ser usados. É importante que a gente invista nos processos de abertura de dados, mas também capacite as pessoas para usar os dados que já estão abertos e que são muito ricos para a sociedade entender as várias áreas de políticas. 

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