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Publicado em

03/10/2024

Inteligência Artificial e política: uma mistura que demanda atenção

Apesar de contribuições positivas do uso de IA no sistema eleitoral, a prática deve ser observada de perto com o início das campanhas para as eleições municipais de 2024.

Por Letícia Karine, da Pulso Público

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Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

O fenômeno da Inteligência Artificial (IA) vem sendo discutido em diferentes instâncias da sociedade. Vários setores já adotaram em suas práticas diárias o uso desse recurso para melhorar a eficiência de seus processos e, assim, automatizar tarefas antes muito demandantes. 

Com a aproximação das eleições municipais, que acontecem em outubro deste ano, o uso da Inteligência Artificial tornou-se um ponto central para debater temas como ética, legalidade, técnica e democracia. 

As notícias falsas – as chamadas fake news -, têm um potencial nocivo, com impactos diretos da manipulação de conteúdos divulgados durante campanhas eleitorais. Para entender esse fenômeno, é preciso ter em mente a capacidade de notícias e informações – verídicas ou não – em influenciar resultados eleitorais e, consequentemente, democracias. 

A disseminação de informações em redes sociais permite a interação sobre os conteúdos entre atores humanos e não humanos. Segundo McNair (2017), a proliferação de fake news seria fruto de um “caos cultural”, resultante da combinação de tendências políticas, tecnológicas e culturais.

Esse assunto ganhou destaque em relação à democracia desde 2016, com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, após o escândalo do vazamento de dados de usuários do Facebook, revelado pela Cambridge Analytica, uma consultoria política britânica. Gonzalo (2018) argumenta que essa empresa pode ter utilizado os dados de aproximadamente 87 milhões de usuários da plataforma, a maioria dos Estados Unidos, para favorecer a vitória de Donald Trump nas eleições de 2016, por meio de uma “estratégia de micro-targeting baseada em técnicas militares de manipulação psicológica” (Gonzalo, 2018, p. 25).

Traduzida como micro-segmentação, micro-targeting é uma forma de publicidade online direcionada a um público ou indivíduo específico que analisa dados pessoais para identificar os interesses a fim de influenciar suas ações (SIMCHON; EDWARDS; LEWANDOWSKY, 2024).

No caso do Brasil, o tema ganhou destaque nas eleições de 2018. Reportagens e análises aprofundadas mostraram como a campanha presidencial de Jair Bolsonaro fez uso intensivo de fake news como estratégia eleitoral. O contexto levou à criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, conhecida como “CPMI das Fake News“, no Congresso Nacional em 2019, além de incentivar a formulação de várias propostas para regular esse fenômeno. Assim, mesmo antes da ampla adoção da inteligência artificial, o processo democrático brasileiro já enfrentava a manipulação de informações, com discussões acadêmicas sobre o impacto das tecnologias nas eleições.

Nesse momento, a preocupação é compartilhada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que se adiantou em regulamentar o uso de IA nas campanhas, coligações, federações partidárias e candidaturas nas eleições municipais de 2024. 

A apreensão diz respeito aos riscos da Inteligência Artificial em interferir no processo democrático com o pleito municipal deste ano, que promete campanhas acirradas com uso em larga escala das mídias sociais e ferramentas de comunicação com os eleitores.

O TSE determinou um conjunto de regras para campanhas na internet. São práticas  que permanecem proibidas, como:

  • Divulgar informações falsas;
  • Disseminar acusações falsas, ofensas pessoais e difamação;
  • Propagar discurso de ódio;
  • Espalhar desinformação contra o processo eleitoral;
  • Usar anonimato para ocultar a identidade;
  • Promoção paga de propaganda eleitoral por parte de eleitores e empresas para apoiar partidos e candidatos;
  • Promoção paga de conteúdo com propaganda negativa contra oponentes políticos;
  • Contratar influenciadores digitais para promover conteúdo publicitário; 
  • Enviar mensagens em massa; 
  • Usar telemarketing para influenciar eleitores.

As novas regras envolveram a aprovação de 12 resoluções sob a relatoria da ministra Cármen Lúcia, vice-presidente do TSE, introduzidas no processo eleitoral deste ano. 

Entre as principais mudanças na Resolução nº 23.610/2019 que regulamenta a propaganda eleitoral, destacam-se as seguintes: 

  • Proibição do uso de deepfakes (Segundo Westerlund (2019) são vídeos alterados com sobreposição do rosto de alguém que se queira prejudicar);
  • Obrigatoriedade de informar o uso de IA nas propagandas (atendidos como “conteúdos sintéticos multimídia”); 
  • A restrição ao uso de robôs para simular diálogos com eleitores, evitando que campanhas finjam interações com candidatos ou outras pessoas; 
  • A responsabilização das grandes empresas de tecnologia (ou bigtechs) que não removerem imediatamente conteúdos que promovam desinformação, discurso de ódio, ideologias nazistas e fascistas, além de materiais antidemocráticos, racistas e homofóbicos.

Além dessas determinações, dois novos artigos foram adicionados à resolução para combater a desinformação e a propagação de notícias falsas durante o período eleitoral. 

O artigo 9º-C proíbe a utilização de conteúdo manipulado que distorça a verdade ou descontextualiza informações com o potencial de prejudicar a integridade do processo eleitoral. O artigo 9º-E, por sua vez, estabelece que os provedores de internet são solidariamente responsáveis, tanto civil quanto administrativamente, caso não removam de forma imediata determinados conteúdos e contas durante o período eleitoral.

Casos positivos

Vale lembrar que há casos de contribuições positivas do uso de IA no sistema eleitoral. Entretanto, essas se restringem ao processo de análise e organização administrativa, como o sistema Janus, implementado pela Corregedoria Regional Eleitoral (CRE) do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso (TRE-MT), com o objetivo de otimizar a prestação jurisdicional a partir do uso da IA. 

A atenção política e governamental diante do uso de IA vai além de contribuições usuais na administração eleitoral. 

O principal ponto que exige cuidado e vigilância diz respeito ao risco de manipulação, como no caso do candidato argentino Sérgio Massa, nas últimas eleições presidenciais na Argentina. Segundo o portal G1, em 2023 viralizaram vídeos falsos com a manipulação digital da imagem do candidato usando drogas. A prática é conhecida como deepfake.

Em casos como esse, que envolvem a divulgação de conteúdos difamatórios produzidos por IA, o TSE orienta a denúncia, com o objetivo de auxiliar o poder público na identificação de casos.

Para isso, é oportuno o lançamento do aplicativo Pardal 2024, da Justiça Eleitoral, para realizar essas denúncias de propaganda eleitoral ilegal. O app já está disponível para download desde 16 de agosto, quando também foi dada largada às campanhas municipais. A Portaria nº 662/2024 do TSE regulamenta o uso do aplicativo e a novidade é que o app também permite a denúncia de irregularidades nas campanhas realizadas pela internet, aptas a serem produzidas por IA.

A versão atualizada do Pardal 2024 pode ser baixada gratuitamente nas lojas de aplicativos móveis, como o Google Play e a App Store. Os serviços Pardal Móvel, Pardal Web e Pardal ADM estarão disponíveis para o recebimento e acompanhamento das denúncias e mitigação de irregularidades antidemocráticas. 

Além dessa ferramenta, há também o SOS Voto, um serviço de disque-denúncia do TSE já consolidado que funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 20h, e aos sábados, das 9h às 17h. O disque-denúncia é a ferramenta auxiliar do Sistema de Alertas de Desinformação Eleitoral (Siade), que concentra os relatos de desinformação eleitoral.

Confira abaixo alguns links consultados para a elaboração desse texto:

Almog Simchon, Matthew Edwards, Stephan Lewandowsky. The persuasive effects of political microtargeting in the age of generative artificial intelligence. PNAS Nexus, Volume 3, Issue 2, February 2024. Disponível aqui.

TSE. Pardal 2024 receberá denúncias de propaganda eleitoral irregular na internet. Disponível aqui.  

TSE. TSE proíbe uso de inteligência artificial para criar e propagar conteúdos falsos nas eleições. Disponível aqui. 

TSE. Informatização do voto. Disponível aqui.

TSE. Canal de denúncias. Disponível aqui.

TRE/PR. Conheça o SOS Voto, disque-denúncia do TSE. Disponível aqui. 

TRE/MT. TRE-MT implementa sistema de automação processual com uso de Inteligência Artificial. Disponível aqui.

G1. É #FAKE que vídeo mostre candidato argentino Sérgio Massa cheirando cocaína. Disponível aqui. 

GONZALO, Sara Suárez. Your likes, your vote? Big personal data exploitation and  media manipulation in the US presidential election campaign of Donald Trump in 2016. Quadernsdel CAC, Barcelona: Conselho do Audiovisual da Catalunha, v. XXI, n. 44, 2018. Disponível aqui. 

FOLHA DE SÃO PAULO. Campanha eleitoral começa com novas regras para redes sociais e IA; entenda. Disponível aqui.

McNAIR, Brian. Fake News: Falsehood, fabrication and fantasy in Journalism. New York: Routledge, 2017. Disponível aqui.

WESTERLUND, Mika. The emergence of deepfake technology: a review. Technology Innovation Management Review. v. 9, nº 11, nov. 2019. Disponível aqui.

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