Publicado em
23/02/2023
Em 24 de fevereiro comemora-se o Dia da Conquista do Voto Feminino, oportunidade de reforçar a história de luta das mulheres por representatividade e participação política e refletir sobre os avanços e desafios ainda existentes. A Revista Casa Comum aproveita a data para retomar a história do voto feminino no Brasil e a importância da recriação do Ministério das Mulheres.
Por Dayse Porto
O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e a futura ministra da Mulher, Cida Gonçalves, durante anúncio de novos ministros que comporão o governo. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
“Nós vamos recriar o Ministério das Mulheres”, disse o presidente Lula em viagem ao Maranhão, ainda durante a campanha presidencial de 2022, do qual saiu vitorioso. Na ocasião, Lula defendeu que os homens, inclusive os que se entendem como progressistas, devem dividir as tarefas domésticas com as mulheres, em um claro aceno ao eleitorado feminino.
Os direitos das mulheres brasileiras foram gravemente prejudicados durante a gestão de Jair Bolsonaro, que extinguiu o Ministérios das Mulheres e incorporou a pasta ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Durante os quatro anos em que foi presidido por Damares Alves, aliada do ex-presidente, o órgão foi acusado por especialistas em direitos das mulheres e por movimentos sociais e organizações da sociedade civil de ter atuado para desmontar políticas públicas, extinguir orçamentos e retroceder em relação aos direitos historicamente conquistados.
O aceno do presidente ao eleitorado feminino não foi por acaso: a força das mulheres nas ruas e nas urnas foi elemento central para conter o bolsonarismo desde 2018. Além de representarem 53% do eleitorado brasileiro, as mulheres estavam desde a primeira pesquisa eleitoral indicando a preferência por Lula, que foi refletida no resultado das eleições de 2022: foram 58% dos votos no atual presidente, contra 42% de Bolsonaro.
A promessa de Lula foi cumprida e, no dia 3 de janeiro de 2023, foi restituído o Ministério das Mulheres, chefiado pela militante e ativista do movimento de mulheres e movimento feminista Cida Gonçalves (PT). Durante cerimônia no Centro Cultural Banco do Brasil, em 3 de janeiro de 2023, realizada em Brasília, a ministra disse que a destruição dos direitos das mulheres no último governo não foi uma eventualidade, mas um projeto político.
“Neste projeto de destruição, a mulher, como sujeito de direitos, só foi vista e pensada dentro de uma construção determinada de família, patriarcal, como se houvesse apenas um tipo de mulher e um tipo de família a ser atendida pelas políticas públicas.”
Cida Gonçalves reforçou o compromisso do Governo Federal com os direitos de todas as mulheres e anunciou que já estão sendo tomadas medidas visando o restabelecimento de ações e programas interrompidos na gestão anterior. A ministra das Mulheres afirmou que as políticas integradas com outros ministérios para atender às demandas das mulheres, que serão construídas de forma intersetorial e multidisciplinar, serão anunciadas no próximo dia 8 de março, data em que se celebra o Dia Internacional da Luta das Mulheres.
>> Confira na íntegra o discurso de posse da ministra das Mulheres, Cida Gonçalves:
Quem é Cida Gonçalves?
Cida nasceu no interior de São Paulo e viveu boa parte da vida em Campo Grande (MS). Sua atuação pelos direitos das mulheres começou na década de 80 e, nos anos 90, coordenou um processo de articulação e fundação da Central dos Movimentos Populares, organização que reúne movimentos sociais brasileiros de diversas lutas.
Durante os dois primeiros mandatos de Lula e também na gestão Dilma Rousseff, Cida ocupou o cargo de Secretária Nacional de enfrentamento à violência contra as mulheres. Foi ainda assessora da Coordenadoria à Mulher da Secretaria de Assistência Social, Cidadania e Trabalho do Mato Grosso do Sul e atuou como consultora em políticas públicas para mulheres. No final de 2022, Cida integrou a equipe de transição Lula-Alckmin.
MULHERES E POLÍTICA: A IMPORTÂNCIA DO MINISTÉRIO DAS MULHERES NA DEMOCRACIA
Antes de alcançar o status de Ministério de Estado, em 2010, o Ministério de Políticas para as Mulheres trabalhou, desde 2003, como secretaria. Ao longo de sua existência, a pasta trabalhou em diversas frentes, incluindo políticas públicas para combater a violência contra as mulheres, a promoção da igualdade de gênero na educação, saúde e no mercado de trabalho, promoção da participação política e de lideranças femininas, entrou outras pautas relacionadas aos direitos das mulheres.
Em 2016, o Ministério foi extinto por Michel Temer e incorporado ao Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário. Esta decisão foi criticada por muitos setores da sociedade, que argumentaram que a extinção do ministério poderia comprometer a luta pela igualdade de gênero e para conter a violência contra as mulheres no país.
Em 2020, a pasta foi incorporada ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos durante o governo Bolsonaro, política que foi fortemente criticada por especialistas em violência doméstica e sexual contra mulheres, crianças e adolescentes.
A criação do Ministério das Mulheres teve uma importância simbólica, pois demonstrou o compromisso da nação em diminuir as desigualdades de gênero, e foi considerada também um ato de reconhecimento da necessidade da participação política das mulheres como fator fundamental para uma democracia. Isso porque a atuação política de mulheres traz a perspectiva de gênero para a tomada de decisões e contribui para a construção de políticas públicas mais equitativas e inclusivas.
Em momentos de ameaças à democracia, a participação política das mulheres é ainda mais importante para garantir a representatividade e o Ministério das Mulheres deve atuar de forma transversal, fortalecendo a participação política das mulheres em todas as esferas da vida política.
LUTA POR PARTICIPAÇÃO E OS 91 ANOS DE VOTO FEMININO NO BRASIL
A luta das mulheres por representatividade na política, desde as primeiras manifestações pela conquista do voto até as mais recentes discussões pautadas em políticas públicas, foi fundamental para a ampliação das mulheres na vida pública. O lugar historicamente ocupado por elas – o do recato e da domesticidade – foi acusado de retirar das mulheres possibilidades de participação política e, com isso, restringi-las a um lugar de menor participação.
Mas, foi apenas com o Código Eleitoral de 1932, que as mulheres conquistaram efetivamente o direito ao voto, fato que contribuiu gradualmente para a entrada das mulheres na vida pública e política institucional do país. O Dia da Conquista do Voto Feminino no Brasil passou a ser comemorado em 24 de fevereiro, a partir de 2015, com a promulgação da Lei 13.086, que incluiu a data no Calendário Oficial do Governo Federal.
A comemoração busca ressaltar a importância do voto e da participação política e também lembra que esse ainda é um direito muito recente e tardio: foi após 33 anos de República que as primeiras mulheres finalmente foram incluídas na democracia e, ainda com restrições. A obrigatoriedade do voto foi estendida apenas às mulheres servidoras públicas e o voto facultativo foi permitido às mulheres alfabetizadas o que, na prática, excluiu as mulheres negras de participar da vida política.
Almerinda Gama (1899 – 1992). Sindicalista negra, a alagona que lutou pelo direito ao voto feminino sendo a única a votar como delegada na eleição para assembleia Nacional Constituinte em 1933. Fonte/reprodução imagem: CPDOC/Fundação Getúlio Vargas.
Isso porque, em um Brasil pós-abolição, as mulheres negras ainda enfrentavam muita dificuldade de acesso à educação. Foi só em 1946 que o voto feminino passou a ser sem restrições e obrigatório. Apenas em 1985, esse direito foi ampliado às pessoas analfabetas.
Inúmeras mulheres fizeram parte dessa história e a Revista Casa Comum aproveita a celebração do Dia da Conquista do Voto Feminino no Brasil para destacar o pioneirismo de algumas delas:
A educadora potiguar Nísia Floresta publicou, em 1832, o livro Direitos das mulheres e injustiça dos homens, uma tradução livre do livro Uma Reivindicação pelos Direitos da Mulher, da inglesa Mary Wollstonecraft.
Em 1888 começou a circular o jornal sufragista A Família, editado por Josefina Álvares de Azevedo, que defendia pautas como o direito à educacão, fim da escravidão e sufrágio universal.
“A consciência universal dorme sobre uma grande iniquidade secular – a escravidão da mulher. Até hoje tem os homens mantido o falso e funesto principio de nossa inferioridade. Mas nós não somos a elles inferiores porque somos suas semelhantes, embora de sexo diverso.” (A Família, n.1, p.1)
A dentista Isabel Mattos Dillon, que ainda no Brasil Império solicitou sua inscrição na lista de eleitores do Rio Grande do Sul, em 1880, teve o pedido deferido e votou. Manteve-se fiel à causa sufragista por toda a vida e assinou abaixo-assinado do Partido Republicano Feminino, em dezembro de 1916.
Em 1910, a educadora Leolinda de Figueiredo Daltro fundou o Partido Republicano Feminino e, anos mais tarde, encabeçou um abaixo-assinado de afiliadas do Partido Republicano Feminino que pedia o direito de sufrágio.
Em 1919, foi candidata à Intendência Municipal e candidata à deputada federal, em 1933.
Em 1916, a educadora mineira Mariana de Noronha Horta encaminhou uma representação à Câmara dos Deputados pedindo que os deputados estendessem às mulheres o direito de votar.
Na década de 1919 a educadora Maria Lacerda de Moura e a bióloga Bertha Lutz fundaram a Liga para a Emancipação Internacional da Mulher – um grupo de estudos cuja finalidade era a luta pela igualdade política das mulheres.
Em 1928, a educadora Celina Guimarães Viana torna-se a primeira mulher votante da América Latina. Após a adoção da Lei no 660 do Estado do Rio Grande do Norte, que estabelecia que não haveria mais “distinção de sexo” para o exercício do sufrágio, Celina dá entrada em uma petição requerendo sua inclusão na lista de eleitores, chegando a fazer um apelo ao presidente do Senado Federal para que todas as mulheres tivessem o mesmo direito.
Primeiras eleitoras do Brasil. Natal, Rio Grande do Norte, 1928. Foto: Arquivo Nacional
No mesmo ano, a advogada Mietta Santiago nota que o veto ao voto das mulheres contrariava o artigo 70 da Constituição Brasileira de 1891, então em vigor, e conquista de forma inédita a garantia do direito do voto através de sentença judicial, proferida em Mandado de Segurança, que lhe permitiu votar em si mesma como candidata a deputada federal naquele ano.
O Rio Grande do Norte foi pioneiro no reconhecimento do voto feminino. A Lei Eleitoral do Estado de 1927 determinou que “todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas” poderiam votar, sem distinção de gênero, o que permitiu que as mulheres se alistassem como eleitoras desde 1928. No mesmo ano, a cidade de Lages, no Rio Grande do Norte, elegeu Alzira Soriano de Souza como primeira prefeita do Brasil.
Em 1935, a feminista e professora catarinense Antonieta de Barros se torna a primeira mulher negra a assumir o mandato de deputada estadual.
Integrantes da Federação Brasileira para o Progresso Feminino em 1930. Foto: Arquivo Nacional
Por Bianca Pedrina, jornalista correspondente da Agência Mural de Jornalismo das Periferias
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