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Em Perspectiva

Publicado em

29/11/2022

[ artigo ] Perspectivas para uma Economia com Equidade de Gênero e Raça

Aprender com os que vieram antes de nós é necessário para seguir em direção ao futuro
Por Lívia Lima, cofundadora do “Nós, mulheres da periferia”, redação jornalística de mulheres periféricas com olhar para temas importantes no Brasil e no mundo

Marcha das Mulheres Negras. Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil

Na África, na cultura dos povos adinkra, existe um símbolo que se chama Sankofa, cujo desenho é a representação de um pássaro que volta seu olhar para a cauda e possui o significado “retome e aprenda com o passado”. Ele é muito utilizado para nos lembrar de que, para que tenhamos perspectiva de futuro, precisamos aprender com quem veio antes.

Sankofa

“Nossos passos vêm de longe” é uma frase de Jurema Werneck, diretora da Anistia Internacional no Brasil, que frequentemente também mencionamos quando queremos reforçar que é necessário trilhar os mesmos caminhos dos nossos ancestrais para seguirmos em frente.

Quando pensamos em perspectivas econômicas para o futuro, que sejam mais justas com todas as pessoas, sobretudo as minorias sociais, não é necessário “reinventar a roda” – as respostas, muitas vezes, estão nos modos de vida das comunidades e sociedades das quais essas mesmas minorias se originam.

No Brasil, todos nós convivemos com os resquícios da violenta e cruel colonização pela qual o país se constituiu, que, quando não exterminou completamente, continua exterminando os povos originários e os negros, excluindo-os de seu sistema, baseado na expropriação e exploração. Para propor, então, uma economia que considere essas pessoas, é preciso reconstruir um modelo de sociedade a partir de matrizes que foram dispensadas ao longo desse processo.

Uma dessas matrizes é o conceito de bem-viver”, que orienta e sustenta diferentes formas de organização de diversos povos originários da América Latina e que, essencialmente, tem o objetivo de promover uma convivência harmoniosa entre o cosmo, a natureza e a humanidade.

A intelectual e ativista paraense Nilma Bentes, que incitou a criação da Marcha das Mulheres Negras, evento que reuniu mais de 50 mil mulheres negras em Brasília em novembro de 2015, formulou, para esse encontro e o movimento de mulheres negras, o conceito do “bem-viver”, que vem sendo norteador de diversas ações protagonizadas por mulheres negras em todo o país. Baseado na cultura afro-ameríndia, o bem-viver propõe a relação do ser humano e da natureza, de forma a preservar os recursos e garantir a sobrevivência sustentável de todos.

Em comunidades indígenas e quilombolas, por exemplo, as divisões de trabalho produtivo entre homens e mulheres podem até ser distintas, mas todas elas contribuem para que toda a coletividade seja contemplada, todos fazem sua parte porque todos serão igualmente beneficiados. Em uma economia de fato equitativa, não é possível que uns ganhem mais e outros menos a partir de critérios e parâmetros distorcidos de gênero, raça e classe.

Enquanto o valor do trabalho for monetizado sem considerar os aspectos históricos e sociais envolvidos em suas definições, mulheres, sobretudo as negras, continuarão na base da pirâmide, sendo as que recebem os menores salários, e submetidas aos trabalhos mais vulneráveis.

Não por acaso, a regulamentação do trabalho doméstico, realizado majoritariamente por mulheres negras, só aconteceu em 2015 com a Emenda Constitucional 72 – a PEC das Domésticas – somente 27 anos depois de promulgada a nossa Constituição Federal.

Há, atualmente, esforços com o objetivo de integrar pessoas negras, indígenas, portadoras de necessidades especiais em diferentes posições profissionais, promovendo a diversidade no mercado de trabalho. Essas iniciativas são muito importantes, mas, também, elas precisam considerar as especificidades que essas ações requerem diante de seus contextos.

Não é possível, por exemplo, desejar que pessoas negras ocupem altos postos de liderança se, para isso, são estabelecidos critérios – supostamente – técnicos de formação, experiência, competências que exigem acesso a determinados espaços e conhecimentos que foram historicamente negados a essa população. Para inserir de fato, é preciso entender possíveis limitações e desenvolver estratégias para superá-las.

“Para inserir de fato [minorias sociais no mercado de trabalho], é preciso entender possíveis limitações e desenvolver estratégias para superá-las.”

Os povos originários e as comunidades negras e quilombolas já praticavam, desde antes da colonização, ações comunitárias, coletivas, convivendo de forma menos agressiva com a natureza e relacionando-se de forma mais equitativa com o ecossistema, onde todas as pessoas contribuem e recebem de forma justa.

Essa constatação não significa romantizar todo o sofrimento que nossos ancestrais passaram e o quanto seguimos sofrendo e resistindo, mas é fundamental avaliar que um projeto de sociedade que não considerou suas sabedorias e práticas de solidariedade está cada vez mais fadado a continuar errando e se autoaniquilando.Nós, povos indígenas e negros, não queremos ser incluídos em um sistema racista, misógino, classista. Não queremos compactuar com um regime assassino e explorador. Queremos que nossas origens e valores sejam reconhecidos e implantados. Queremos justiça ambiental, trabalhista, social e econômica.

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